Em 1993, Robin Williams eternizava mais um de seus icônicos papéis no cenário cinematográfico com o lançamento de ‘Uma Babá Quase Perfeita’ – que, até hoje, é considerado um dos filmes mais conhecidos dos anos 1990. Em 2019, essa incrível e tocante história chegou aos palcos através de uma adaptação musical que, apesar de ter recebido críticas mistas, conquistou o público antes de fazer seu début na Broadway. Agora, somos convidados para a releitura brasileira desse enredo inspirador com uma sólida direção de Tadeu Aguiar e um elenco de peso que nos emociona do começo ao fim.
A trama traz ninguém menos que Eduardo Sterblitch, recém-saído de seu premiado papel titular em ‘Beetlejuice’, como Daniel Hillard, um irreverente e inconsequente pai de três filhos que utiliza seu apreço pela vida e pela comédia para tornar um monótono cotidiano uma aventura constante, além de trabalhar como um habilidoso ator de vozes. Porém, ainda que suas intenções sejam das mais puras, isso não agrada à Miranda (Thais Piza), sua esposa, que é constantemente pintada como uma vilã e sente que está perdendo sua própria essência ao posar como a pessoa mais responsável de um relacionamento que deveria se basear na reciprocidade e no companheirismo. Sentindo-se em um beco sem saída, Miranda pede divórcio a Daniel e fica com a guarda dos filhos – compelindo o protagonista a arquitetar um plano complexo para que possa vê-los mais do que apenas uma vez por semana.

Aliando-se a seu irmão Frank (Fabrizio Gorziza) e ao cunhado Andre Mayem (Willian Sancar), Daniel pede para que eles utilizem suas mágicas aptidões de maquiagem e vestuário para transformá-lo em uma personagem viva – a Sra. Euphegenia Doubtfire, babá contratada por Miranda para cuidar de suas crianças. Aproveitando seu apreço por se metamorfosear em inúmeras extensões da própria personalidade, Daniel encarna a excêntrica babá britânica (que aqui é pincelada com adoráveis e hilários maneirismos brasileiros) e encontra uma forma de ficar perto dos filhos à medida que mantém um emprego paralelo para que o juiz consiga decidir a seu favor por uma guarda compartilhada de Lydia (Gabriella Di Grecco), Christopher (Guilherme Ribeiro) e Natalie (Bibi Valverde).
Uma das tarefas mais difíceis da produção é existir à sombra do clássico longa-metragem estrelado por Williams, principalmente no tocante à personagem principal. Todavia, Sterblitch, que não é considerado um dos atores mais versáteis de sua geração por qualquer motivo, consegue não apenas prestar homenagem ao ator e aos inúmeros nomes que interpretaram Daniel/Sra. Doubtfire em incontáveis adaptações teatrais, como constrói uma personalidade única que dialoga com suas camaleônicas performances – e, bom, considerando suas aplaudíveis atuações em ‘Beetlejuice’ e ‘Garota do Momento’, sabemos que Sterblitch carrega consigo um timing cômico inenarrável e inebriante, aproveitando o espaço para lançar-se a improvisos que são tão bem colocados que quebram qualquer um que esteja dividindo a cena com ele.
Para além da despojada e despreocupada atuação, o astro consegue navegar sem muitos problemas pelos momentos de maior carga dramática sem resvalar em incursões novelescas, cansativas e forçadas – nutrindo de entregas vocais que transformam as músicas em espetáculos memoráveis. É claro que Sterblitch não está sozinho, dividindo boa parte das sequências com a ótima Piza, que dá um tempero interessante à Miranda ao retirá-la do arquétipo esperado e humanizá-la através de jogos cênicos bem colocados; o trio formado por Grecco, Ribeiro e Valverde nos diverte e nos emociona com uma química singela e bastante prática; e Diego Becker rouba os holofotes como o peculiar Mr. Jolly, cujas breves aparições são mais que o suficiente para nos arrancar gargalhadas sinceras, inclusive no breve discurso que antecede o intervalo.
Ao longo de duas horas e meia que passam em um piscar de olhos, Aguiar alia-se a um time de grandes artistas para idealizar uma visão que se iguale à irretocável identidade da Broadway, mas sem deixar de lado pormenores que dialoguem diretamente com os espectadores brasileiros – engendrando uma apaixonante história de amor familiar cujas múltiplas camadas são assimiladas de formas diferentes por cada um. E, em um espectro mais palpável, Rogério Falcão materializa essas mensagens de bonança através de uma cenografia que preza menos pelo esplendor e mais pela concretude, criando uma clara distinção entre as duas fases de Daniel que, eventualmente, convergem para dois lados de uma mesma moeda.

O espetáculo não é livre de equívocos: a coreografia de Sueli Guerra não tem muita inspiração para além de um classicismo emulativo que puxa sua carreira de mais de quatro décadas como bailarina e coreógrafa – parecendo decantar o verdadeiro potencial de um reduzido corpo de baile, que “tira água de pedra” para não desvanecer em meio a repetições cansativas; e pontuais diálogos criados originalmente por Karey Kirkpatrick e John O’Farrell soam estranhos em uma tradução constrita – mas nada que não seja contornável.

‘Uma Babá Quase Perfeita’ se beneficia de um fabuloso elenco guiado por Eduardo Sterblitch para reiterar seu caráter absoluto e garantir que qualquer um que seja fã de boas histórias se sinta abraçado por explorações universalistas – garantindo uma experiência aproveitável e bastante satisfatória que chega até mesmo a nos arrancar algumas lágrimas.
Lembrando que o musical está em cartaz no Teatro Liberdade, em São Paulo.
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