Há mais ou menos uma década tem rolado uma grandíssima onda de remakes de filmes e séries estadunidenses. Uns dizem que os roteiristas de Hollywood estão em crise; outros dizem que a falta de novas vozes e a insistência das produtoras em continuar investindo apenas nos mesmos tipos de narrativas faz com que a oferta na sétima arte seja reduzida às mesmas histórias. Seja como for, é fato que uma leva de repaginações vem ocorrendo naquele país, algumas repensando e atualizando velhos conceitos, outras apenas trocando seis por meia dúzia, como é o caso de ‘Ele é Demais’, releitura de ‘Ela é Demais’, de 1999, que chega esse final de semana à Netflix.
Padgett (Addison Rae) é uma jovem com milhares de seguidores e que posta todo o seu dia a dia nas redes sociais. Quando decide surpreender seu namorado, Jordan Van Draanen (Peyton Meyer), nas gravações do clipe dele, ela o flagra traindo-a com outra garota – e tudo é transmitido numa live. Não bastasse isso, para sua surpresa é ela quem sai mal na história, virando meme e perdendo seguidores. Na fossa, Padgett topa uma aposta com sua amiga Alden (Madison Pettis), de transformar em rei do baile o maior perdedor da escola, e as duas escolhem que o projeto será transformar o introvertido Cameron (Tanner Buchanan, que é a cara da Felicity Jones) em um colírio para os olhos.
Se tem uma coisa que R. Lee Fleming Jr. não entendeu ao construir seu roteiro é que uma releitura não significa inverter os protagonismos e manter todo o resto, mas é exatamente isso que ‘Ele é Demais’ faz. Ao colocar a tal aposta na mão das garotas, o roteiro constrói uma protagonista fútil, superficial e, embora bem-intencionada, seu mundo é centrado em si mesma. A transformação do gato-borralheiro em príncipe num cavalo branco (literalmente) recai em clichês dos programas de transformação, necessariamente tendo que mudar o guarda-roupa e cortar os cabelos do rapaz porque é inimaginável um príncipe de cabelo comprido se vestindo como grunge. Sem mencionar a má construção das histórias paralelas – como as duas meninas que formam um casal, que ocorre literalmente do nada, sem nenhuma das duas antes dar a entender que está interessada na outra, como se, de repente, uma olha pra outra e pensasse “olha, outra lésbica, vou me juntar a ela”.
As sutilezas dos estereótipos no filme de Mark Waters escorregam em conceitos perigosos. Na hora de escolher o projeto, as meninas descartam um latino com pinta de mau caráter porque né, não daria para transformar em príncipe um mexicano malvadão; também descartam um asiático gordo, porque né, já pensou um príncipe gordo e asiático? Pois só daria certo a tal aposta se achasse um rapaz branco que valesse o esforço, como Cameron. Não bastasse, das duas melhores amigas, a preta é a vira-casaca e a asiática vira lésbica junto com a indiana. Para bom entendedor, meia sutileza basta para entender o motivo por trás dessas escolhas do diretor.
No final, percebemos que ele não é demais: Cameron, é chato, cínico, mal-humorado e alienado do mundo, sob a capa de pseudo-crítico. E ela também não é demais, é uma garota vazia que acha que usar as pessoas para seu próprio benefício é algo legal de fazer. Por fim, ‘Ele é Demais’ é um filme problemático, que não se iguala nem supera a versão original.