sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica | ‘Em um Bairro de Nova York’ é uma adaptação mediana de um musical glorioso

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Lin-Manuel Miranda conquistou o mundo com o lançamento do musical ‘Hamilton’, que dominou os palcos da Broadway, levou dezenas de prêmios para casa (incluindo o Tony Award de Melhor Musical) e chegou há alguns meses no catálogo do Disney+, colocando um dos nomes mais interessantes da indústria do entretenimento sob o radar mainstream. Desde então, o ator, compositor e produtor participou de inúmeros projetos de grande calibre, incluindo ‘Moana’ e ‘O Retorno de Mary Poppins’ – mas antes de tudo isso, Miranda já havia emprestado suas habilidades para o elogiado In the Heights, que aumentou exponencialmente a representatividade latina nos Estados Unidos.

Uma década e meia depois do lançamento oficial da peça em 2005, a Warner Bros. adquiriu os direitos intelectuais da obra e deu início a um ambicioso projeto que levaria quase dois anos para chegar aos cinemas de todo o mundo. E assim nasceu Em um Bairro de Nova York, longa-metragem dirigido por Jon M. Chu (mente por trás do incrível Podres de Ricos) que prometia nos afastar do tenso momento de pandemia em que continuamos a viver e trazer um pouco de alegria para meses tão sombrios. Entretanto, com exceção da exímia condução do cineasta e de coreografias impecáveis, o resultado não foi exatamente o que esperávamos, apostando fichas em obviedades e cortes bruscos da narrativa original que a mudaram por completo (e para o pior, devo dizer).



O enredo é ambientado em Washington Heights, bairro nova-iorquino em que se concentram as comunidades latinas que migraram aos Estados Unidos em busca de melhores condições de vidas. No centro da profusão diversificada de cubanos, mexicanos e até mesmo brasileiros, está Usnavi (Anthony Ramos), um jovem sonhador cujo principal objetivo é voltar para sua terra natal na República Dominicana e continuar seu empreendedorismo – dessa vez longe dos constantes preconceitos que sofre, ainda que tenha de abandonar amigos próximos e o primo, Sonny (Gregory Diaz IV), que tem Usnavi como figura paternal e ídolo. Mas essa não é a única trama que estende-se pelos extensos 143 minutos dela.

A principal ideia tanto da peça quanto do filme é o desejo das dezenas de personagens em alcançar o que lhes foi negado, seja pelo segregacionismo velado de uma sociedade branca e tradicionalista, seja pela falta de recursos materiais para ver uma ideia abstrata se tornar realidade. Permeado com celebrações ao poder da comunidade e da união, temos a presença, por exemplo, de Melissa Barrera como Vanessa, que trabalha arduamente para juntar dinheiro e abrir seu estúdio de moda; ou então Nina (Leslie Grace), que foi aprovada em Stanford e foi obrigada a sair da prestigiada faculdade pelo racismo que sofria em meio a estudantes majoritariamente brancos e ricos; e o estupendo trio formado por Daniela (Daphne Rubin-Vega), Carla (Stephanie Beatriz) e Cuca (Dascha Polanco), cabeleireiras que querem, sair do bairro e explorar o mundo.

A cena de abertura, sem dúvida alguma, aumenta ainda mais nossas expectativas. Através da música homônima, Chu se junta ao incrível coreógrafo Christopher Scott para fornecer algo que ressoe familiar àqueles que já assistiram à produção original, mas criando uma identidade única que estende-se, diferente de outros musicais, a várias facetas de uma mesma atmosfera – aglutinando-os em uma espécie de flash mob irretocável. O mesmo pode ser dito de sequências estupendas que incluem “Carnaval Del Barrio” e “96 000”, que resgata elementos da salsa, do hip hop e da cumbia para um afastamento do que se esperaria de uma construção hollywoodiana – e, nesse quesito, exaltar a cultura latino-americana é uma jogada espetacular e que funciona em quase todos os aspectos.

Os grandes deslizes, de fato, se concentram no roteiro. Apesar de Quiara Alegría Hudes retornar para a função designada do musical, há uma mudança brusca na condução narrativa que tenta fornecer o máximo de tempo de cena aos protagonistas, mas que falha em executar essa missão. O foreshadowing que gira em torno de Nina, Benny (Corey Hawkins) e o fato dela ter abandonado a faculdade culmina em uma fragmentada peça anticlimática que nunca é resgatada no filme; a adição de Cuca como uma personagem nova não acrescenta quaisquer complexidades ao relacionamento outrora apaixonante entre Daniela e Carla; e, por fim, a paixonite adolescente de Sonny por Nina é mencionada brevemente em uma convulsionada expressão artística sem necessidade aparente.

Se há alguém que se mantém firme no que significa para a sucessão de eventos, esse alguém é Olga Merediz, que vem também dos palcos para a releitura cinematográfica no papel da Abuela Claudia. O poder de sua presença é instantânea – e sua rendição em “Paciencia y Fe” é carregada de metáforas e de um trabalho cumprido que a deixa pronta para partir em uma das únicas viradas interessantes. E, a partir do final da primeira metade, a estrutura rítmica resolve descarrilar em uma ferrovia sem trilhos para uma conclusão fabulesca demais para ser levada a sério – que envolve um bilhete de loteria perdido, um apagão e o “vai e volta” extenuante entre Usnavi e Vanessa que termina, como já é de esperar, através de fórmulas óbvias.

Em um Bairro de Nova York parece apaixonado em demasia por si próprio para perceber as falhas em que se engolfa, apesar das sensações de bem-estar que ficam após os créditos subirem. Porém, é notável que a obra se respalda mais do que deveria em aspectos técnicos para, talvez, mascarar o fato de não dizer nada de novo.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Uma década e meia depois do lançamento oficial da peça em 2005, a Warner Bros. adquiriu os direitos intelectuais da obra e deu início a um ambicioso projeto que levaria quase dois anos para chegar aos cinemas de todo o mundo. E assim nasceu Em um Bairro de Nova York, longa-metragem dirigido por Jon M. Chu (mente por trás do incrível Podres de Ricos) que prometia nos afastar do tenso momento de pandemia em que continuamos a viver e trazer um pouco de alegria para meses tão sombrios. Entretanto, com exceção da exímia condução do cineasta e de coreografias impecáveis, o resultado não foi exatamente o que esperávamos, apostando fichas em obviedades e cortes bruscos da narrativa original que a mudaram por completo (e para o pior, devo dizer).

O enredo é ambientado em Washington Heights, bairro nova-iorquino em que se concentram as comunidades latinas que migraram aos Estados Unidos em busca de melhores condições de vidas. No centro da profusão diversificada de cubanos, mexicanos e até mesmo brasileiros, está Usnavi (Anthony Ramos), um jovem sonhador cujo principal objetivo é voltar para sua terra natal na República Dominicana e continuar seu empreendedorismo – dessa vez longe dos constantes preconceitos que sofre, ainda que tenha de abandonar amigos próximos e o primo, Sonny (Gregory Diaz IV), que tem Usnavi como figura paternal e ídolo. Mas essa não é a única trama que estende-se pelos extensos 143 minutos dela.

A principal ideia tanto da peça quanto do filme é o desejo das dezenas de personagens em alcançar o que lhes foi negado, seja pelo segregacionismo velado de uma sociedade branca e tradicionalista, seja pela falta de recursos materiais para ver uma ideia abstrata se tornar realidade. Permeado com celebrações ao poder da comunidade e da união, temos a presença, por exemplo, de Melissa Barrera como Vanessa, que trabalha arduamente para juntar dinheiro e abrir seu estúdio de moda; ou então Nina (Leslie Grace), que foi aprovada em Stanford e foi obrigada a sair da prestigiada faculdade pelo racismo que sofria em meio a estudantes majoritariamente brancos e ricos; e o estupendo trio formado por Daniela (Daphne Rubin-Vega), Carla (Stephanie Beatriz) e Cuca (Dascha Polanco), cabeleireiras que querem, sair do bairro e explorar o mundo.

A cena de abertura, sem dúvida alguma, aumenta ainda mais nossas expectativas. Através da música homônima, Chu se junta ao incrível coreógrafo Christopher Scott para fornecer algo que ressoe familiar àqueles que já assistiram à produção original, mas criando uma identidade única que estende-se, diferente de outros musicais, a várias facetas de uma mesma atmosfera – aglutinando-os em uma espécie de flash mob irretocável. O mesmo pode ser dito de sequências estupendas que incluem “Carnaval Del Barrio” e “96 000”, que resgata elementos da salsa, do hip hop e da cumbia para um afastamento do que se esperaria de uma construção hollywoodiana – e, nesse quesito, exaltar a cultura latino-americana é uma jogada espetacular e que funciona em quase todos os aspectos.

Os grandes deslizes, de fato, se concentram no roteiro. Apesar de Quiara Alegría Hudes retornar para a função designada do musical, há uma mudança brusca na condução narrativa que tenta fornecer o máximo de tempo de cena aos protagonistas, mas que falha em executar essa missão. O foreshadowing que gira em torno de Nina, Benny (Corey Hawkins) e o fato dela ter abandonado a faculdade culmina em uma fragmentada peça anticlimática que nunca é resgatada no filme; a adição de Cuca como uma personagem nova não acrescenta quaisquer complexidades ao relacionamento outrora apaixonante entre Daniela e Carla; e, por fim, a paixonite adolescente de Sonny por Nina é mencionada brevemente em uma convulsionada expressão artística sem necessidade aparente.

Se há alguém que se mantém firme no que significa para a sucessão de eventos, esse alguém é Olga Merediz, que vem também dos palcos para a releitura cinematográfica no papel da Abuela Claudia. O poder de sua presença é instantânea – e sua rendição em “Paciencia y Fe” é carregada de metáforas e de um trabalho cumprido que a deixa pronta para partir em uma das únicas viradas interessantes. E, a partir do final da primeira metade, a estrutura rítmica resolve descarrilar em uma ferrovia sem trilhos para uma conclusão fabulesca demais para ser levada a sério – que envolve um bilhete de loteria perdido, um apagão e o “vai e volta” extenuante entre Usnavi e Vanessa que termina, como já é de esperar, através de fórmulas óbvias.

Em um Bairro de Nova York parece apaixonado em demasia por si próprio para perceber as falhas em que se engolfa, apesar das sensações de bem-estar que ficam após os créditos subirem. Porém, é notável que a obra se respalda mais do que deveria em aspectos técnicos para, talvez, mascarar o fato de não dizer nada de novo.

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