Não é de hoje que as grandes produtoras de animação entenderam que o estilo animado não é coisa (só) de criança. O público adulto também adora consumir desenho animado, e essa vertente tem ganhado bastante força nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, a animação ainda é o principal formato de diálogo entre o cinema e o público infantil e/ou juvenil, e uma importante ferramenta educacional para abordar temas delicados, difíceis mas que precisam também ser conversados na infância e na juventude. Esse é o mote por trás do sucesso da franquia ‘Divertida Mente’, por exemplo, pois joga luz sobre as emoções dentro de um universo infantojuvenil – e, este ano, aprofundou o tema ao debater o comportamento da ansiedade dentro da cabecinha jovem. Na mesma pegada, estrou recentemente na Netflix o longa animado ‘Enfeitiçados’, que já no dia seguinte ao de sua estreia já figurou em primeiro lugar no Top 10 da plataforma.
É aniversário de quinze anos da princesa Ellian (na voz original de Rachel Zegler), e tudo que ela gostaria era poder ter uma grande festa com seus amigos e sua família, porém, desde que seu pai, o Rei Solon (Javier Bardem), e a Rainha Ellsmere (Nicole Kidman), foram ‘Enfeitiçados’ na floresta mágica, os dois se transformaram em grandes monstros, que não se comportam nem um pouco e destroem tudo no castelo. Desde então, Ellian tenta cuidar do reino, mas está cada vez mais difícil esconder a verdade dos súditos. Por isso, esse ano ela pede a ajuda dos Oráculos para transformar seus pais de volta em humanos, e assim, os três e o bichinho de estimação da família, Bolinar (John Lithgow), enfrentarão uma grande aventura que lhes ensinarão muito mais sobre si mesmos do que eles mesmos conheciam.
Em um primeiro momento, ‘Enfeitiçados’ pode parecer apenas mais um desenho bobinho de príncipes e princesas com algumas piadinhas que funcionam e aquela história que todo mundo já conhece. Porém, o roteiro de Vicky Jenson, Lauren Hynek e Elizabeth Martin vai além e traz uma mensagem linda para o público, que incialmente fica escondida num segundo plano ali que ninguém percebe. E esse é o grande trunfo do filme de Vicky Jenson (que dirigiu o primeiro ‘Shrek’ e ‘O Espanta Tubarões’) – tratar de um tema muito importante para o universo infantil, mas superdelicado, e, portanto, um tabu. Alerta de spoiler: com muita sensibilidade e poesia, o longa aborda a questão da separação dos pais e o estresse que isso causa na vida de uma criança. A sequência em que o tema é desenvolvido de forma clara no filme é bastante emocionante, de modo que não é de se surpreender se uma lágrima ou duas escaparem nesse momento.
Mas, claro, para tratar de um assunto tão sensível ao público, o roteiro e a direção fazem a acertada escolha de transformar ‘Enfeitiçados’ em um longa de animação musical. Assim, além de entreter com dancinhas e encantamentos de criaturinhas fofas, o longa faz com que seus personagens cantem seus sentimentos, o que ajuda a transmitir a mensagem de uma forma mais intimista ao espectador.
Bem colorido, bem realizado, com ótimos diálogos e um argumento fundamental, ‘Enfeitiçados’ poderia tranquilamente ser um filme da Pixar, mas é a grande animação da Netflix desse ano, mesmo chegando sem alarde na plataforma. Uma pena não ter estreado nos cinemas, faria uma bela bilheteria.