sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica| Família Submersa – Trama sobre luto tem sua força na protagonista

Depois de trabalharem juntas em A Menina Santa, de Lucrecia Martel, María Alché e Mercedes Morán chegam aos cinemas com Família Submersa repetindo a dobradinha que deu certo na primeira produção. Mas aqui, em vez de dividirem espaço em cena, María é responsável pela direção enquanto Mercedes protagoniza a história de uma mulher que precisa se recuperar – e até se reinventar – depois da perda da irmã Rina. Com uma trama intimista e sem grandes reviravoltas, o longa se torna monótono e até parece não saber para onde ir em alguns momentos; no entanto, é do tipo que concentra sua força nas questões existenciais e na angústia da personagem principal.

A história tem o início já depois do falecimento da irmã de Marcela (Mercedes Morán), com a protagonista tendo a função de esvaziar o apartamento em que ela morava sozinha para se desfazer dele. Por lá, assim como o resto de brownie esquecido na geladeira, tudo transmitia a sensação de algo interrompido pela metade, com a presença de Rina (a irmã falecida) ainda muito forte em cada cômodo – e com o silêncio da cena e a fotografia com uso de sombras e contraluz para reforçar a sensação de solidão e vazio de quem acabou de perder um ente querido. A campainha toca e o diálogo com uma vizinha (“Semana passada fiz as unhas dela. Ela queria pintar o cabelo para ficar mais elegante”) surge para nos confirmar como a perda foi inesperada e precoce e, ainda, para aumentar a angústia de Marcela, como fica claro através do pesar no seu semblante. Para quem já teve que lidar com a morte de alguém especial, esses primeiros momentos de Família Submersa já geram identificação com a personagem central por conseguirem mostrar, através da mise-en-scène e de uma breve conversa, a dor de quem passa pelo luto.

A partir daí, ao mesmo tempo em que precisa controlar o seu sofrimento para resolver questões práticas do falecimento de Rina, Marcela junta forças para continuar dando conta de suas tarefas em família – que, agora, diante de tudo o que acontece, parecem triviais demais. “Conto com você nessa vida?” é a pergunta que ela faz ao marido enquanto ele se despede por causa de uma viagem que precisa fazer, e só esse momento junto com o olhar vazio e aflito que tenta esconder nos momentos em que dá suporte aos três filhos já revelam como ela se sente perdida e com o emocional abalado para seguir com a própria vida. É que, além da tristeza pela perda da irmã, a protagonista parece ter enxergado esse ponto final na trajetória de alguém que ama como uma oportunidade de reavaliar seu próprio caminho – e, no fim das contas, se percebe sufocada na bolha em que estava vivendo.

Um dos momentos mais tocantes do longa, e que serve para revelar como Marcela precisava anular sua própria angústia para se dar para a família, acontece na cena em que ela estuda com o filho mais novo em meio às lágrimas. Claramente sem condições emocionais para estar ali, a mãe continua checando a lição enquanto tira apenas pequenas pausas para soltar o choro que já não conseguia controlar. Gigante em cena, Mercedes Morán transmite todo esse turbilhão de emoções da personagem sem precisar dizer uma única palavra, apenas com o olhar – e, por isso, não é exagero afirmar que a atriz é quem faz o filme. Por mais que a trama possa parecer não ter grandes avanços e se limite, por um bom tempo, ao relacionamento com os filhos em casa, a carga dramática da protagonista é a responsável por prender a atenção dos espectadores para tudo o que vem a seguir.

Mas não para por aí: em uma tentativa de misturar ficção com realidade, Família Submersa também tem a proposta de sair da narrativa simples em que se encontra fazendo com que a personagem principal flerte com o sobrenatural e tenha estranhas lembranças/visões de pessoas do passado. Porém, ainda que esse caminho combine com seu emocional conturbado pelas lembranças da irmã que faleceu e das escolhas que fez para sua própria vida, essa pegada acaba destoando do restante do filme e não acrescenta muito ao desenvolvimento do enredo.

Já a aproximação com Nacho (Esteban Bigliardi), um jovem amigo de sua filha mais velha, é que começa a levar a trama para outro rumo e a tornar Marcela ainda mais interessante diante da possibilidade de sair da bolha de angústia em que está presa para se reinventar. No entanto, seguindo a proposta dos filmes que querem mostrar a vida como ela é, o final em aberto não nos revela para onde a protagonista vai preferir caminhar no fim das contas. Na ótima última cena, dotada de simbolismo, ela dança conforme a música com um estranho sorriso no rosto e ao lado de todos os seus familiares no apartamento em que a maior parte da história se desenvolve; mas seria isso um sinal de conformismo ou um estalo para a redenção? A resposta não é certa – e como já revelou a própria María Alché em entrevistas, a narrativa permite que cada um tenha sua interpretação. Porém, independentemente do caminho escolhido, difícil não terminar o longa torcendo para que Marcela seja feliz. Nessa e em todas as vidas possíveis.

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