terça-feira, setembro 17, 2024

Crítica | ‘Feios’, nova distopia sci-fi da Netflix, é um aglomerado de escolhas duvidosas e atuações esquecíveis

Houve um tempo em que distopias jovens-adultas tiveram um boom significativo no cenário do entretenimento – e deram origem a uma onda de adaptações que conquistaram o público ao redor do mundo. Temos, por exemplo, a icônica saga ‘Jogos Vorazes’, estrelada por Jennifer Lawrence e que se sagra como o suprassumo desse gênero, ou até mesmo ‘Maze Runner’, protagonizado por Dylan O’Brien, que emergiu como uma sólida releitura para as telonas. Todavia, é notável como certas incursões falharam em manter o alto nível apresentado pelas primeiras franquias, como a esquecível ‘Divergente’, a odiosa ‘Mentes Sombrias’ e a risível ‘A 5ª Onda’ – cada uma pior que a outra por não saber o que fazer com o material original ou não entender que algumas obras merecem existir apenas como são.

Agora, anos depois desse boom se aquietar na sétima arte, a Netflix nos convida para a vindoura adaptação de ‘Feios’. O filme, baseado no romance homônimo assinado por Scott Westerfeld, acompanha uma jovem garota chamada Tally Youngblood (aqui, interpretada por Joey King), que aguarda ansiosamente por seu aniversário de dezesseis anos para passar por uma cirurgia que a transformará em uma pessoa perfeita, tanto interna quanto externamente. Todavia, conforme o dia se aproxima, ela percebe que as coisas não são o que parecem ser e, ao aliar-se com a rebelde Shay (Brianne Tju), ela é apresentada a uma realidade totalmente nova e comandada por David (Keith Powers) – cujo objetivo é revelar a verdade para o mundo e depor o tirânico governo controlado pela Dra. Cable (Laverne Cox), responsável pelas cirurgias em questão.

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De fato, percebemos que a trama da produção está longe de ser original – porém, considerando que o livro foi publicado em 2005, Westerfeld havia entregado ao público um enredo diferente do que estávamos acostumados. Mas as boas intenções não foram o suficiente para garantir que a releitura alcançasse sucesso, cedendo a inúmeras fórmulas YA e sci-fi para construir um universo indelével e monótono, recusando-se a mostrar qualquer frescor criativo e técnico a uma esfera artística que, de fato, já está bem saturada. Ora, nem mesmo a conhecida direção de McG (que, mesmo não sendo ousada, consegue navegar por uma despojada despreocupação) é capaz de amaciar os constantes deslizes que se erguem minuto a minuto.

A verdade é que todos os aspectos do longa-metragem soam datados, como se tivesse sido lançado em uma época fora da realidade e pautada em um anacronismo exaurível. Enquanto o elenco tenta dar seu máximo para se desviar de diálogos fracos e esquecíveis, as possibilidades de criação são limitadas, cerceadas a restrições autoimpostas que transformam a narrativa em uma mixórdia de previsibilidades frustrantes – inclusive para aqueles que leram o romance de Westerfeld. King tem um efêmero brilho ao interpretar Tally, mas rende-se a cópias de outras personagens que já viveu no cinema e na televisão, como se estivesse cansada demais para ir além do óbvio; Tju e Powers fazem um bom trabalho, apesar de presos aos arquétipos que representam; e Cox, tendo uma presença impactante em cena, volta-se de forma certeira para uma rendição mais teatral e camp, divertindo-se como a antagonista da história.

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À medida que os breves pontos positivos se entrelaçam pelos atores, o restante dos elementos que compõe a obra são falhos em sua maior parte: McG, que já trouxe títulos como ‘Chuck’ e ‘A Babá’ à vida, parte de princípios formulaicos demais – seja na montagem frenética nas cenas de ação, seja nos enquadramentos expansivos dos momentos mais dramáticos – para serem levados à sério; a fotografia é pautada no familiar embate entre a pseudo-perfeição explosiva e urgente da cidade em que os Perfeitos vivem, o sombrio isolamento dos Feios e a insurreição promovida pela Fumaça (um assentamento comandado por David e que serve como levante contra a Dra. Cable e seus perigosos procedimentos); a trilha sonora, assinada por Edward Shearmur, é estranhamente melodramática e, de fato, não combina com o teor do enredo.

Um dos piores crimes cometidos é o fato dos importantes temas delineados por Westerfeld serem condensados e traduzidos em um punhado de metáforas vencidas. Desde máximas sobre beleza interior ao culto exacerbado da imagem, cada investida um pouco mais filosófica é reduzida ao mais puro clichê comportamental e sociológico, fora do tempo e do espaço conforme é arremessado em suspensão obsoleta. Ora, se 2005 ainda começava a apresentar ao público diálogos sobre a busca constante pela perfeição, 2024 já remodelou tais discussões a fim de incluir uma nova geração à conversa – e o filme parece não ter a mínima noção disso.

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Não deixe de assistir:

‘Feios’ tinha todos os elementos necessários para resgatar nossa paixão pelas distopias adolescentes por que nos apaixonamos anos atrás – mas a falta de comprometimento em trazer essa ótima obra literária ao audiovisual transforma o projeto em um aglomerado de trivialidades tópicas, atuações imemoráveis e duvidosas escolhas artísticas que se estendem por mais tempo do que deveriam.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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