domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Fervo’ é uma divertida e cândida comédia sobre a vida e a morte

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Fervo é a mais nova comédia brasileira de Felipe Joffily, mesmo nome por trás de ‘Muita Calma Nessa Hora’, e parte de uma premissa bastante simples e familiar: na trama, um casal de arquitetos se muda para um enorme casarão para começar um novo capítulo de seu casamento. Entretanto, as coisas não são tão simples quanto parecem e, além de terem de reformar cada cômodo, eles descobrem que aquele lugar deveria ser uma das maiores baladas do Rio de Janeiro, a Fervo, mas um trágico acidente tirou a vida dos curadores da casa noturna e os prendeu como fantasmas para o resto da eternidade.

É claro que a narrativa não é nem de longe original; afinal, diversas produções similares, fossem cômicas, dramáticas ou aterrorizantes, têm uma estrutura bastante similar – como ‘A Mansão Mal-Assombrada’, ‘A Maldição da Residência Hill’ ou ‘13 Fantasmas’. Mas, contrariando todas as nossas expectativas, o filme é um ótimo jeito de começar 2023, desenrolando-se em uma celebração da vida (e da própria morte) através de incursões muito importantes para o cenário cinematográfico nacional. E, além da cortesia de Joffily em tratar temas necessários com fluidez e cautela, somos agraciados com um estelar elenco que faz o que pode para nos encantar do começo ao fim.



Na obra, Felipe Abib e Georgiana Góes estrelam como Leo e Marina, respectivamente, que vêm passando por consideráveis problemas no casamento e resolvem recomeçar em um lugar distante da euforia urbana e que esconde mistérios em seus corredores espelhados e camarins abandonados. Marina posa como a parte mais centrada e calculista dos dois, mantendo a calma até mesmo em situações desesperadoras; aqui, Góes faz um belo retorno ao circuito fílmico, seis anos depois de ter participado de ‘Doidas e Santas’, agindo dentro de um arco único e recheado de reviravoltas. Enquanto isso, Leo usufrui de uma imaginação irrefreável que, muitas vezes, não consegue distinguir o que é possível do que é utópico – e ninguém melhor que Abib para trilhar os altos e baixos do personagem.

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Logo no primeiro ato, Leo, tendo uma sensibilidade mais aflorada que a esposa, percebe que alguma coisa está errada. Não leva muito tempo até que ele cruza caminho com três fantasmas que habitam a outrora estonteante balada: a fabulosa drag queen Mo Nanji Manhattan (Rita Von Hunty); a ácida Lara (Renata Gaspar), uma das idealizadoras do Fervo; e o sensual Diego (Gabriel Godoy), o terceiro sócio da casa noturna e o faz-tudo do grupo. O trio, confinado ao casarão por duas décadas, não conseguem seguir em frente por terem assuntos inacabados – e veem na presença de Leo, o único que consegue enxergá-los, a possibilidade de fazerem o que precisam para se libertarem.

O ato de abertura da produção é o mais conturbado, por assim dizer: Joffily apresenta uma sólida estética visual que coloca em conflito o glamour esquecido da casa de festas e de seus “moradores” e a melancolia dos novos residentes – estes regados a uma paleta azul, que os funde à fotografia como se não se sobressaíssem dos próprios cotidianos; aqueles, adornados com figurinos e acessórios que os destoam na “normatização” que Leo e Marina impregnam com sua chegada. Todavia, os problemas de ritmo despontam aqui e ali, desequilibrando a apresentação da história em si e parecendo não conseguindo se encontrar.

Joffily nos fisga no momento em que a história dos fantasmas começa a ser contada e Leo e Marina enfrentam ainda mais obstáculo – mantendo-se fiel à arquitetura firmada até os créditos finais. A comédia vem de maneiras sutis, afastando-se de uma investida pastelão e forçada, e servindo como base para o arco dramático dos protagonistas e coadjuvante. Como se não bastasse, os três espíritos pertencem à comunidade queer e cada um de seus assuntos inacabados parte dessa constatação. Mo Nanji nunca teve a oportunidade de contar para os pais que era uma drag queen; Lara deixou a esposa e a filha adotiva sozinhas, sem poder ao menos ver a criança crescer; e Diego nunca conseguiu pedir o namorado em casamento, martirizando-se dia após dia por não ter tido a coragem de fugir da zona de conforto.

E isso não é tudo: Leo também enfrenta dúvidas sobre sua sexualidade e sobre o futuro do relacionamento entre ele e Marina; ela, por sua vez, mergulha em uma espiral que a impede de enxergar o que está à sua frente. Não é surpresa que o grupo tenha se encontrado – não apenas para que o trio falecido pudesse seguir em frente, mas para que cada um reencontrasse o motivo que os fez ter gosto pela vida.

Fervo é uma das grandes surpresas do ano e, apesar dos deslizes, tem um resultado bastante satisfatório. O enredo é mais profundo do que imaginamos e permite que o espetacular elenco se entregue de corpo e alma a uma das melhores produções LGBTQIA+ de 2023.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Fervo é a mais nova comédia brasileira de Felipe Joffily, mesmo nome por trás de ‘Muita Calma Nessa Hora’, e parte de uma premissa bastante simples e familiar: na trama, um casal de arquitetos se muda para um enorme casarão para começar um novo capítulo de seu casamento. Entretanto, as coisas não são tão simples quanto parecem e, além de terem de reformar cada cômodo, eles descobrem que aquele lugar deveria ser uma das maiores baladas do Rio de Janeiro, a Fervo, mas um trágico acidente tirou a vida dos curadores da casa noturna e os prendeu como fantasmas para o resto da eternidade.

É claro que a narrativa não é nem de longe original; afinal, diversas produções similares, fossem cômicas, dramáticas ou aterrorizantes, têm uma estrutura bastante similar – como ‘A Mansão Mal-Assombrada’, ‘A Maldição da Residência Hill’ ou ‘13 Fantasmas’. Mas, contrariando todas as nossas expectativas, o filme é um ótimo jeito de começar 2023, desenrolando-se em uma celebração da vida (e da própria morte) através de incursões muito importantes para o cenário cinematográfico nacional. E, além da cortesia de Joffily em tratar temas necessários com fluidez e cautela, somos agraciados com um estelar elenco que faz o que pode para nos encantar do começo ao fim.

Na obra, Felipe Abib e Georgiana Góes estrelam como Leo e Marina, respectivamente, que vêm passando por consideráveis problemas no casamento e resolvem recomeçar em um lugar distante da euforia urbana e que esconde mistérios em seus corredores espelhados e camarins abandonados. Marina posa como a parte mais centrada e calculista dos dois, mantendo a calma até mesmo em situações desesperadoras; aqui, Góes faz um belo retorno ao circuito fílmico, seis anos depois de ter participado de ‘Doidas e Santas’, agindo dentro de um arco único e recheado de reviravoltas. Enquanto isso, Leo usufrui de uma imaginação irrefreável que, muitas vezes, não consegue distinguir o que é possível do que é utópico – e ninguém melhor que Abib para trilhar os altos e baixos do personagem.

Logo no primeiro ato, Leo, tendo uma sensibilidade mais aflorada que a esposa, percebe que alguma coisa está errada. Não leva muito tempo até que ele cruza caminho com três fantasmas que habitam a outrora estonteante balada: a fabulosa drag queen Mo Nanji Manhattan (Rita Von Hunty); a ácida Lara (Renata Gaspar), uma das idealizadoras do Fervo; e o sensual Diego (Gabriel Godoy), o terceiro sócio da casa noturna e o faz-tudo do grupo. O trio, confinado ao casarão por duas décadas, não conseguem seguir em frente por terem assuntos inacabados – e veem na presença de Leo, o único que consegue enxergá-los, a possibilidade de fazerem o que precisam para se libertarem.

O ato de abertura da produção é o mais conturbado, por assim dizer: Joffily apresenta uma sólida estética visual que coloca em conflito o glamour esquecido da casa de festas e de seus “moradores” e a melancolia dos novos residentes – estes regados a uma paleta azul, que os funde à fotografia como se não se sobressaíssem dos próprios cotidianos; aqueles, adornados com figurinos e acessórios que os destoam na “normatização” que Leo e Marina impregnam com sua chegada. Todavia, os problemas de ritmo despontam aqui e ali, desequilibrando a apresentação da história em si e parecendo não conseguindo se encontrar.

Joffily nos fisga no momento em que a história dos fantasmas começa a ser contada e Leo e Marina enfrentam ainda mais obstáculo – mantendo-se fiel à arquitetura firmada até os créditos finais. A comédia vem de maneiras sutis, afastando-se de uma investida pastelão e forçada, e servindo como base para o arco dramático dos protagonistas e coadjuvante. Como se não bastasse, os três espíritos pertencem à comunidade queer e cada um de seus assuntos inacabados parte dessa constatação. Mo Nanji nunca teve a oportunidade de contar para os pais que era uma drag queen; Lara deixou a esposa e a filha adotiva sozinhas, sem poder ao menos ver a criança crescer; e Diego nunca conseguiu pedir o namorado em casamento, martirizando-se dia após dia por não ter tido a coragem de fugir da zona de conforto.

E isso não é tudo: Leo também enfrenta dúvidas sobre sua sexualidade e sobre o futuro do relacionamento entre ele e Marina; ela, por sua vez, mergulha em uma espiral que a impede de enxergar o que está à sua frente. Não é surpresa que o grupo tenha se encontrado – não apenas para que o trio falecido pudesse seguir em frente, mas para que cada um reencontrasse o motivo que os fez ter gosto pela vida.

Fervo é uma das grandes surpresas do ano e, apesar dos deslizes, tem um resultado bastante satisfatório. O enredo é mais profundo do que imaginamos e permite que o espetacular elenco se entregue de corpo e alma a uma das melhores produções LGBTQIA+ de 2023.

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