terça-feira, agosto 19, 2025
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    Crítica | Filhos – Após ‘Culpa’, Gustav Möller constrói suspense prisional claustrofóbico e emocionante

    Depois do sucesso de Culpa (2018), longa ambientado inteiramente dentro de uma central de emergência, o diretor sueco Gustav Möller retorna com Filhos (Vogter, no original), um drama psicológico que mais uma vez explora a tensão e o suspense em espaços fechados. Ao lado do roteirista Emil Nygaard Albertsen, Möller entrega uma obra mais rica e perspicaz do que sua estreia, mergulhando o espectador numa atmosfera de questionamento, aprisionamento e inquietação — desta vez, pelos olhos da atriz dinamarquesa Sidse Babett Knudsen (Clube Zero).

    Apresentado na mostra competitiva do Festival de Berlim em 2024, Filhos é uma experiência de imersão em um ambiente hostil e inesperado. A protagonista, Eva (Sidse Babett Knudsen), é uma agente penitenciária dedicada, atenciosa e aparentemente equilibrada. Atua na ala de baixa periculosidade da prisão, onde estimula os detentos a continuarem os estudos e adquirirem habilidades para a vida fora das grades — um verdadeiro exemplo de ressocialização. A rotina de Eva, marcada por serenidade e controle quase maternal sobre os presos, é abalada pela chegada de um novo detento à área de segurança máxima.

    Algo nesse novo prisioneiro alto e musculoso, Mikkel (Sebastian Bull), mexe profundamente com Eva. Em um piscar de olhos, ela passa de uma profissional exemplar a uma figura obsessiva: o persegue pelas câmeras de segurança e, de forma manipuladora, consegue ser transferida para sua ala. A mulher gentil dá lugar a uma carcereira cruel, provocadora e calculista. Começa negando pequenos privilégios ao detento, como cigarros, e chega a implantar provas falsas contra ele. Extremamente bem amarrado, o roteiro nos mantém em constante estado de especulação, liberando as motivações da protagonista em doses mínimas — nem mesmo ela compreende, de início, suas reais intenções.

    Não é preciso dizer que Gustav Möller não hesita em sacrificar a lógica em nome da tensão narrativa. Eva, com 1,68m, enfrenta um homem imponente com mais de 1,85m, e ainda assim, é ela quem domina. A relação entre os dois se torna um jogo de poder perturbador, onde confiança e manipulação se confundem. Mikkel não está na zona de segurança máxima por acaso — ele é perigoso. Ainda assim, é Eva quem parece mais imprevisível.

    Apesar de se passar num presídio, Filhos não é exatamente sobre a vida carcerária ou a violência, mas um ponderamento sobre vingança e redenção. Para alcançar essa reflexão, é necessário atravessar um intenso embate psicológico. A dinâmica entre Eva e Mikkel, embora improvável, é construída com tanta densidade emocional que se torna plausível. Há algo fascinante em ver Eva se deixar seduzir por essa reviravolta do destino, como se o sistema — e a justiça — estivessem finalmente lhe oferecendo uma chance de reescrever um capítulo crucial de sua vida.

    A atriz Sidse Babett Knudsen entrega uma performance marcante e seu domínio das nuances emocionais de Eva é impressionante: transita entre frieza e ternura, rigidez e vulnerabilidade, com uma intensidade que prende o espectador. Eva é uma personagem marcada por uma profunda contradição entre a justiça civil e sua busca pessoal por reparação. Seu maior dilema é deixar a vida seguir seu curso sem intervir — algo que ela já não conseguiu fazer no passado, com consequências devastadoras.

    O filme ganha uma nova camada quando o passado dos dois personagens é revelado. Nesse momento, o espectador se vê questionando: quem está protegendo quem? Quem irá atacar primeiro? A presença de Mikkel parece preencher, ainda que de maneira distorcida, um vazio brutal na vida de Eva. Há dor, culpa e uma necessidade desesperada de controle e reconexão.

    Assim como em Culpa, Gustav Möller coloca no indivíduo o peso da decisão, do erro e da ausência de um sistema efetivo de segurança, saúde mental, ressocialização e punição. Se no seu microssistema a ordem falha, é porque, no macro, não existem respostas para aquilo que já não pode ser consertado.

    Na lógica de Michel Foucault no livro Vigiar e Punir, todos nós somos prisioneiros de uma sociedade que exige condutas corretas e pune severamente os desvios. Filhos é um filme fabuloso nesse aspecto. Sua estrutura prende a atenção e nos faz repensar nossos próprios passos no contexto social. O que faríamos no lugar de Eva? Möller conduz um drama tenso e psicológico, que transforma o aprisionamento físico em metáfora para nossas próprias prisões internas.

    Lançado em fevereiro de 2024 no Festival de Berlim, Filhos chega aos cinemas brasileiro nesta quinta-feira, dia 31 de julho, com distribuição da Mares Filmes. 

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