sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Firebrand – Karim Aïnouz faz estreia internacional com retrato de uma rainha em chamas [Cannes 2023]

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Filme assistido no Festival de Cinema de Cannes 2023

Ver um cineasta brasileiro no estrangeiro é sempre gratificante pelo reconhecimento do seu percurso nacional até chegar a uma produção com maior orçamento. Concorrente à Palma de Ouro, Firebrand (ainda sem título oficial em português) é o pontapé inicial da carreira internacional do cearense Karim Aïnouz. O resultado, no entanto, sofre com a escolha da protagonista Catherine Parr, vivida por Alicia Vikander



Com a ideia de mostrar a sexta e última esposa do rei inglês Henrique VIII como uma mulher empoderada e em busca de revolução, o filme não consegue acompanhar o seu ideal. Com uma direção artística estonteante, Firebrand propõe uma imersão nos conflitos e últimos dias do rei mais transgressor da monarquia britânica, vivido por Jude Law.

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Com um passado de ex-esposas aprisionadas ou executadas, Catherine Parr precisa ser 100% atenciosa e cuidadosa em relação ao seu marido. Por outro lado, ela arrisca-se para visitar uma amiga de infância (Erin Doherty) insurgente sobre o direito das pessoas lerem as palavras de Deus na sua lingua, ao invés de apenas em latim. O simples desejo é visto como grande insulto à Igreja Católica. 

Esperançosa do seu papel na corte como rainha regente, Catherine tenta salvar sua amiga da fogueira reservada aos hereges aos olhos da entidade religiosa, no entanto, coloca a sua própria vida em rota de risco. Com a narração da princesa Elizabeth (Junia Rees), Firebrand segue o caminho da advertência: fazer inimigos na corte é um erro fatal. 

Solitária em uma encruzilhada, Catherine sente-se arrasada pela morte da sua amiga, teme seu próprio destino e espera ansiosa engravidar de um herdeiro do reino para apaziguar suas angústias. Com esta finalidade, ela suporta noites sobre o peso de Henrique VIII e suas pernas ulceradas, além do desrespeito evidente do rei em relação a outras mulheres. 

Quando é sussurrado ao monarca uma possível traição da rainha, tudo corrobora para uma iminente execução de vingança. Assim como em todas histórias de cortes imperiais, Firebrand apresenta um chamariz visual dos adereços e vestimentas, além de muita conspiração e intrigas. O ponto chave narrativo, no entanto, nunca atinge o seu ápice, ou seja, Catherine jamais deixa seus verdadeiros sentimentos chegarem à superfície. 

Em uma atuação insípida, Alicia Vikander parece em dúvida do seu próprio papel na trama. O espírito combativo — o tal “firebrand” do título — não aparece em cena, a espera de uma possível execução é aguardada com incompreensível passividade. O seu “ímpeto” é esperar a morte do rei antes de ser lançada às labaredas do fogo eclesiástico.

Com muito menos destaque, a estreante atriz Junia Rees apresenta mais emoções apenas através do seu olhar atento. Ela estuda o comportamento tempestuoso do pai a fim de sobreviver. Desse modo, a adolescente Elizabeth se impõe com uma velada rebeldia, enquanto Catherine Parr padece de inanição diante dos nossos olhos, apenas nos minutos finais suas mãos agem em busca de liberdade.

Longe das personagens vívidas, Eurícides em A Vida Invisível de Eurídice Gusmão e Suely em O Céu de Suely, Karim Aïnouz tenta arrancar complexidade de uma personagem histórica, mas encontra apenas um rosto insosso de Alicia Vikander a espera do momento oportuno de esboçar um pequeno sorriso de Monalisa. Sua paixão por liberdade religiosa, entretanto, parece apenas um pretexto para o enredo, nunca é posta como seu desejo ardente ou utópico. 

Após personagens complexos como Donato (Wagner Moura) em a Praia do Futuro (2014) e o narrador anônimo (Irandhir Santos), de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), Karim Aïnouz ganhou uma imensa produção, mas perdeu o mão ao concordar em ter Vikander como uma protagonista. A personagem está perdida em emoções nunca postas em evidência. Se Michelle Williams tivesse aceitado o papel, como desejado pelo diretor a princípio, Firebrand poderia alcançar sua marca em brasa na memória dos espectadores. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com a ideia de mostrar a sexta e última esposa do rei inglês Henrique VIII como uma mulher empoderada e em busca de revolução, o filme não consegue acompanhar o seu ideal. Com uma direção artística estonteante, Firebrand propõe uma imersão nos conflitos e últimos dias do rei mais transgressor da monarquia britânica, vivido por Jude Law.

Com um passado de ex-esposas aprisionadas ou executadas, Catherine Parr precisa ser 100% atenciosa e cuidadosa em relação ao seu marido. Por outro lado, ela arrisca-se para visitar uma amiga de infância (Erin Doherty) insurgente sobre o direito das pessoas lerem as palavras de Deus na sua lingua, ao invés de apenas em latim. O simples desejo é visto como grande insulto à Igreja Católica. 

Esperançosa do seu papel na corte como rainha regente, Catherine tenta salvar sua amiga da fogueira reservada aos hereges aos olhos da entidade religiosa, no entanto, coloca a sua própria vida em rota de risco. Com a narração da princesa Elizabeth (Junia Rees), Firebrand segue o caminho da advertência: fazer inimigos na corte é um erro fatal. 

Solitária em uma encruzilhada, Catherine sente-se arrasada pela morte da sua amiga, teme seu próprio destino e espera ansiosa engravidar de um herdeiro do reino para apaziguar suas angústias. Com esta finalidade, ela suporta noites sobre o peso de Henrique VIII e suas pernas ulceradas, além do desrespeito evidente do rei em relação a outras mulheres. 

Quando é sussurrado ao monarca uma possível traição da rainha, tudo corrobora para uma iminente execução de vingança. Assim como em todas histórias de cortes imperiais, Firebrand apresenta um chamariz visual dos adereços e vestimentas, além de muita conspiração e intrigas. O ponto chave narrativo, no entanto, nunca atinge o seu ápice, ou seja, Catherine jamais deixa seus verdadeiros sentimentos chegarem à superfície. 

Em uma atuação insípida, Alicia Vikander parece em dúvida do seu próprio papel na trama. O espírito combativo — o tal “firebrand” do título — não aparece em cena, a espera de uma possível execução é aguardada com incompreensível passividade. O seu “ímpeto” é esperar a morte do rei antes de ser lançada às labaredas do fogo eclesiástico.

Com muito menos destaque, a estreante atriz Junia Rees apresenta mais emoções apenas através do seu olhar atento. Ela estuda o comportamento tempestuoso do pai a fim de sobreviver. Desse modo, a adolescente Elizabeth se impõe com uma velada rebeldia, enquanto Catherine Parr padece de inanição diante dos nossos olhos, apenas nos minutos finais suas mãos agem em busca de liberdade.

Longe das personagens vívidas, Eurícides em A Vida Invisível de Eurídice Gusmão e Suely em O Céu de Suely, Karim Aïnouz tenta arrancar complexidade de uma personagem histórica, mas encontra apenas um rosto insosso de Alicia Vikander a espera do momento oportuno de esboçar um pequeno sorriso de Monalisa. Sua paixão por liberdade religiosa, entretanto, parece apenas um pretexto para o enredo, nunca é posta como seu desejo ardente ou utópico. 

Após personagens complexos como Donato (Wagner Moura) em a Praia do Futuro (2014) e o narrador anônimo (Irandhir Santos), de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), Karim Aïnouz ganhou uma imensa produção, mas perdeu o mão ao concordar em ter Vikander como uma protagonista. A personagem está perdida em emoções nunca postas em evidência. Se Michelle Williams tivesse aceitado o papel, como desejado pelo diretor a princípio, Firebrand poderia alcançar sua marca em brasa na memória dos espectadores. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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