Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022
Sob as luzes do setor de frutas e verduras de uma mercearia, o que parece improvável em plena era digital acontece: Dois estranhos se encantam um pelo outro, dando início a um relacionamento à moda antiga – sem o Tinder como um mediador amoroso. E em meio a breves instantes solares, a beleza e encantamento de um amor recém descoberto tomam as telas e os nossos olhos como uma espécie de comédia romântica. Mas Fresh, como tantas vezes vemos no gênero, subverte o nosso fascínio em direção a um sombrio e psicótico terror cômico.
E Sebastian Stan não poderia ser a melhor escolha para viver esse galã às avessas de porte refinado. Aqui, seu charme e carisma nos tomam pela mão tal como acontece com a jovem Noa (Daisy Edgar Jones), que cansada dos frustrantes encontros românticos com caras achados no Tinder, prefere dar uma chance ao formato analógico de se relacionar. Mas o que nem a internet e nem um relacionamento de poucas semanas poderiam evidenciar acaba acontecendo. E um inesperado, voraz e doentio apetite nos é revelado, deste homem que – agora – se parece mesmo é com um genuíno chupa cabra.
Mimi Cave e Lauryn Kahn se unem para entregar um inesperado terror cômico, do tipo que desperta na audiência as experiências sensoriais mais inusitadas e contrastantes. Entre o nojo e o horror paira um humor indelicado, inesperado e contagiante. Em meio a dor dos nossos personagens e do absurdismo do nosso vilão, emerge uma sanguinolência surpreendente, regada por uma acidez prazerosa. Dirigido e roteirizado por mulheres, Fresh é como o próprio título imprime: Fresco, revigorante e muito enérgico.
Mimi faz de sua estreia na direção uma experiência à parte, explorando o design de produção de uma reclusa casa de campo para construir o horror de forma competente e envolvente. Na trama, os ambientes ajudam a ditar o ritmo narrativo e se tornam uma extensão do roteiro habilmente escrito por Khan. Uma combinação excepcional que funciona em tela, as duas se completam em sua habilidade artísticas, que ainda são regadas por um elenco de mulheres pouquíssimo conhecidas e muito talentosas, Jones e Jonica T. Gibbs.
A atmosfera conceitual nascida da direção de Mimi traz corpo à trama, promovendo uma mistura deliciosa entre o terror e o cult. Devorando nossa atenção e entusiasmo em quase duas horas de filme, Fresh nos deixa sempre à beira de uma catástrofe, nos instigando a cada novo absurdo descoberto a respeito do nosso lindo e temível vilão Steve (Stan). Diferente do que muitas vezes o gênero nos reserva, o longa brinca com a nossa percepção, desafia os nossos sentidos e pavores, dando aquela sagaz piscadela para a nova era de relacionamentos – em que tudo é digital e cada vez mais desconfiável.
Com um desfecho satisfatório, adocicado por um humor irreverente, o terror cômico é uma daquelas surpresas que revigoram não apenas o gênero, mas também a nossa percepção cinematográfica, enquanto audiência. Progressivo em sua loucura e dinâmico na relação entre seus personagens, Fresh nos é entregue como um deleite servido em uma bandeja de prata.