segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica | Frontera Verde – Série da Netflix Aborda Experimentos Nazistas na Amazônia

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Frontera Verde’ é dessas séries em que é preciso receber algum grau de spoiler para entender o contexto da história e decidir se a série é interessante ou não. Por isso, deixamos aqui o aviso de que alguns pontos da trama serão contados nessa crítica.



Helena Poveda (Juana Del Río) é uma investigadora enviada de Bogotá para a cidade de La Manigua, ao sul da Colômbia e no meio da floresta Amazônica, com a missão de investigar o assassinato de quatro missionárias na selva, mortas a tiros. Durante o processo, o corpo de uma indígena, Ushe Martiz (a belíssima Ángela Cano), é encontrado sem sangue e sem coração. Durante os oito episódios com média de 41 minutos de duração, o espectador é conduzido para dentro do mundo da selva, seus perigos, sua beleza e seus mistérios, afinal “a selva é a consciência do coração”, como diz a própria Usher.

Através desse argumento simples – uma investigação policial sobre um assassinato – os criadores da série (Ciro Guerra, Diego Ramírez, Mauricio Leiva-Cook e Jenny Ceballos) intentam abordar um dos episódios mais sombrios e pouco conhecidos da história brasileira: o período, durante os anos 1930, em que a Amazônia acolheu uma expedição alemã nazista que tinha por objetivo estudar nossos recursos e implementar, no meio da selva, bases nazistas com fins de propagar suas ideias. Gente, isso é uma história real, aconteceu de verdade, e o fato disso não ser de conhecimento geral da população é igualmente assustador e perigoso.

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Na série, Ushe e Yua (Miguel Dionisio Ramos) são dois índios de tribos diferentes, mas que se juntam porque os dois são Eternos – seres especiais que não envelhecem, não dormem, não comem, mas que têm um papel essencial no mundo: proteger a selva. Esses seres, ao morrerem, se tornam árvores caminhantes, que circulam pela floresta cuidando e protegendo aqueles que vivem nela. Assim, a série sugere que os nazistas teriam vindo para o Amazonas para estudar esses seres mitológicos, aprender e apreender o conhecimento deles com o intuito de produzirem, em laboratório, seres de raça superior, imortais.

Em paralelo à investigação, adentramos na terrível realidade dos povos indígenas do Amazonas, constantemente ameaçados por tribos rivais; pela imposição religiosa de grupos missionários; pela ganância dos madeireiros, fazendeiros e agropecuários; por pesquisadores inescrupulosos, que querem apenas extrair da floresta novos recursos para manipulação em massa de medicamentos; pelo tráfico, que não mede esforços em escravizar indígenas e seus descendentes para servirem como mão de obra; pelo exército, incapaz de realizar qualquer controle dentro da floresta, limitando-se a inspecionar as fronteiras entre os países; pela própria polícia local, ineficiente em número, recursos e experiência, insuficiente para dar conta dos grandes crimes na floresta, limitando-se a autuar prostitutas, brigas de família e pequenos tráficos de animais.

Do ponto de vista técnico, é difícil avaliar a competência dos atores, considerando que boa parte deles são indígenas reais que não têm estudo cênico. Dentre os profissionais, Juana Del Río poderia ter entregado um pouco mais de emoção, livrando-se de sua experiência televisiva e buscando uma atuação mais emocionante para o cinema; e Nelson Camayo está bem como um policial de atuação limitada, coadjuvante na trama. A direção é firme, sem buscar sensualizar ou explorar o universo das tribos indígenas de maneira comercial, mas sim respeitando o legado ancestral desses povos. O roteiro é bom, ainda que por vezes confuso, pois até o episódio 5 o espectador não entende que está vendo duas histórias paralelas, de dois momentos diferentes na trama, e isso não fica claro para quem está assistindo. O ritmo também é algo que impacienta: os movimentos dos atores são todos muito lentos, os diálogos são baixos e mesmo as (poucas) cenas de ação ocorrem de forma muito rápida, insuficientes para acelerar o ritmo dos acontecimentos. Entretanto, as tomadas da floresta feitas por drones são realmente de tirar o fôlego.

Pelo viés da ficção, os criadores da série tocam num tema sensível e urgente ao mundo todo, que é o quanto as ambições particulares estão condenando a maior floresta tropical do mundo e matando populações inteiras de fauna, flora e seres humanos. Essa pauta está em todos os jornais do mundo, ardendo em chamas que destroem todos os dias um pouco mais do coração que faz nosso planeta respirar. ‘Frontera Verde’ é uma boa série para se debater todas as políticas que envolvem a floresta Amazônica e levar essa realidade aos moradores das capitais cosmopolitas, nem que seja através da ficção.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Frontera Verde’ é dessas séries em que é preciso receber algum grau de spoiler para entender o contexto da história e decidir se a série é interessante ou não. Por isso, deixamos aqui o aviso de que alguns pontos da trama serão contados nessa crítica.

Helena Poveda (Juana Del Río) é uma investigadora enviada de Bogotá para a cidade de La Manigua, ao sul da Colômbia e no meio da floresta Amazônica, com a missão de investigar o assassinato de quatro missionárias na selva, mortas a tiros. Durante o processo, o corpo de uma indígena, Ushe Martiz (a belíssima Ángela Cano), é encontrado sem sangue e sem coração. Durante os oito episódios com média de 41 minutos de duração, o espectador é conduzido para dentro do mundo da selva, seus perigos, sua beleza e seus mistérios, afinal “a selva é a consciência do coração”, como diz a própria Usher.

Através desse argumento simples – uma investigação policial sobre um assassinato – os criadores da série (Ciro Guerra, Diego Ramírez, Mauricio Leiva-Cook e Jenny Ceballos) intentam abordar um dos episódios mais sombrios e pouco conhecidos da história brasileira: o período, durante os anos 1930, em que a Amazônia acolheu uma expedição alemã nazista que tinha por objetivo estudar nossos recursos e implementar, no meio da selva, bases nazistas com fins de propagar suas ideias. Gente, isso é uma história real, aconteceu de verdade, e o fato disso não ser de conhecimento geral da população é igualmente assustador e perigoso.

Na série, Ushe e Yua (Miguel Dionisio Ramos) são dois índios de tribos diferentes, mas que se juntam porque os dois são Eternos – seres especiais que não envelhecem, não dormem, não comem, mas que têm um papel essencial no mundo: proteger a selva. Esses seres, ao morrerem, se tornam árvores caminhantes, que circulam pela floresta cuidando e protegendo aqueles que vivem nela. Assim, a série sugere que os nazistas teriam vindo para o Amazonas para estudar esses seres mitológicos, aprender e apreender o conhecimento deles com o intuito de produzirem, em laboratório, seres de raça superior, imortais.

Em paralelo à investigação, adentramos na terrível realidade dos povos indígenas do Amazonas, constantemente ameaçados por tribos rivais; pela imposição religiosa de grupos missionários; pela ganância dos madeireiros, fazendeiros e agropecuários; por pesquisadores inescrupulosos, que querem apenas extrair da floresta novos recursos para manipulação em massa de medicamentos; pelo tráfico, que não mede esforços em escravizar indígenas e seus descendentes para servirem como mão de obra; pelo exército, incapaz de realizar qualquer controle dentro da floresta, limitando-se a inspecionar as fronteiras entre os países; pela própria polícia local, ineficiente em número, recursos e experiência, insuficiente para dar conta dos grandes crimes na floresta, limitando-se a autuar prostitutas, brigas de família e pequenos tráficos de animais.

Do ponto de vista técnico, é difícil avaliar a competência dos atores, considerando que boa parte deles são indígenas reais que não têm estudo cênico. Dentre os profissionais, Juana Del Río poderia ter entregado um pouco mais de emoção, livrando-se de sua experiência televisiva e buscando uma atuação mais emocionante para o cinema; e Nelson Camayo está bem como um policial de atuação limitada, coadjuvante na trama. A direção é firme, sem buscar sensualizar ou explorar o universo das tribos indígenas de maneira comercial, mas sim respeitando o legado ancestral desses povos. O roteiro é bom, ainda que por vezes confuso, pois até o episódio 5 o espectador não entende que está vendo duas histórias paralelas, de dois momentos diferentes na trama, e isso não fica claro para quem está assistindo. O ritmo também é algo que impacienta: os movimentos dos atores são todos muito lentos, os diálogos são baixos e mesmo as (poucas) cenas de ação ocorrem de forma muito rápida, insuficientes para acelerar o ritmo dos acontecimentos. Entretanto, as tomadas da floresta feitas por drones são realmente de tirar o fôlego.

Pelo viés da ficção, os criadores da série tocam num tema sensível e urgente ao mundo todo, que é o quanto as ambições particulares estão condenando a maior floresta tropical do mundo e matando populações inteiras de fauna, flora e seres humanos. Essa pauta está em todos os jornais do mundo, ardendo em chamas que destroem todos os dias um pouco mais do coração que faz nosso planeta respirar. ‘Frontera Verde’ é uma boa série para se debater todas as políticas que envolvem a floresta Amazônica e levar essa realidade aos moradores das capitais cosmopolitas, nem que seja através da ficção.

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