quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Gentefied – Série latina da Netflix tem representação LGBT e debates importantes

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Gentefied é uma série sobre mudanças. O conflito entre o velho e o novo — ou, melhor pontuando, entre a tradição e a inovação, é um tema encravado em todas as sub-tramas da história. Trata-se de uma espécie de cabo de guerra cultural, rodeado de bom humor e familiaridades, que fazem desta história ao mesmo tempo local e universalizada.

Ambientada em East Los Angeles, no bairro de Boyle Heights, a comédia lançada pela Netflix gira em torno dos muitos membros de uma mesma família. O avô, Casimiro (Joaquín Cosío) luta para manter o restaurante aberto em meio a uma iminente gentrificação que faz o preço do aluguel subir e sua situação financeira piorar. Ele conta com a ajuda do neto Erik (Joseph Julian Soria) para cuidar da loja de tacos, enquanto paralelamente, seu outro neto, Chris (Carlos Santos), tenta o sonho de ser um cozinheiro profissional e, para isso, aceita ser subjugado por um chef racista em uma cozinha em que é motivo de piada por “não ser mexicano o suficiente”. 



Nesta dinâmica, Erik e Chris representam arquétipos do total oposto. O primeiro é agarrado às tradições e ao desejo de fazer melhorias pelo bairro, mesmo que isso dificulte a sustentação financeira; o segundo acredita que é necessário abrir as portas para uma suposta reinvenção da cozinha da Mama Fina’s para atrair novos clientes e mais dinheiro, mas dificilmente enxerga o que essa modernização (ou hipsterização) representa para a comunidade.

Correndo em paralelo, a terceira neta de Casimiro, ou Pop, é Ana (Karrie Martin), uma jovem artista queer e idealista, que ajuda a mãe na criação de sua irmã mais nova, Nayeli (Bianca Melgar) e sonha com um dia ser reconhecida pelo seu trabalho. Há um conflito muito bem articulado neste núcleo da família. A relação de Ana com a mãe é delicada em virtude do desejo da filha de construir para si uma vida melhor, paralelo à necessidade de ajudar em casa e trabalhar incessantemente para ter o básico, já que Beatriz (Laura Patalano) trabalha como costureira de uma fábrica em condições de exploração, e precisa da ajuda das filhas todas as noites para fazer todo o trabalho.

Com tudo isso, o principal objeto de estudo de Gentefied é a primeira geração de latinos nascidos nos Estados Unidos, que se dividem entre as identidades de imigrantes e nativos, com todo os ônus e bônus que vêm atrelados à ideia de pertencerem a duas culturas diferentes. O que Erik, Chris, Ana — e sua namorada, Yessika (Julissa Calderon) — representam neste contexto são as diferentes formas através das quais esta geração de chicanos reflete o lugar em que estão inseridos ou as pressões que recaem sobre eles em um período de amadurecimento na primeira fase da vida adulta. 

Gentefied 109

É através deles que a audiência enxerga o impacto da gentrificação, enquanto em momento algum a série se permite ser didática ou simplista. Seja no belíssimo episódio sobre o mural de Ana ou na briga de forças entre Chris e Erik, um aprendendo com o outro a ceder um pouco pelo bem comum, há complexidade e muita densidade em cada um destes personagens, tratados como seres completos e não como amontoados de estereótipos. O que todos aprendem eventualmente é que existe uma inevitável e talvez massante briga com o sistema, retratada com muitas camadas de ironia quando um ato rebelde se transforma aos olhos públicos e acaba sendo absorvido como algo que faz parte do status quo

Neste sentido, Gentefied é uma lembrança do emaranhado de identidades que latinos precisam reunir e dar conta, enquanto acumulam o peso das decisões de seus próprios pais em cada passo fracassado ou bem-sucedido que dão. O fato de ela ser produzida por pessoas que fazem parte desta exata narrativa, aliás, não é coincidência. Criada por Linda Yvette Chávez e Marvin Lemus, a série tem pessoas latinas espalhadas por todas as áreas de produção, e vale destacar positivamente a quantidade de mulheres entre as roteiristas. America Ferrera (Ugly Betty, Superstore) é uma das produtoras, dirige dois dos dez episódios e até faz uma participação especial. Se todo o resto mudar, a modernização e o Peak TV ao menos nos deram produções como esta: web séries que, graças à busca incansável por conteúdo, encontraram um lugar ao sol. Ainda bem.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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Ambientada em East Los Angeles, no bairro de Boyle Heights, a comédia lançada pela Netflix gira em torno dos muitos membros de uma mesma família. O avô, Casimiro (Joaquín Cosío) luta para manter o restaurante aberto em meio a uma iminente gentrificação que faz o preço do aluguel subir e sua situação financeira piorar. Ele conta com a ajuda do neto Erik (Joseph Julian Soria) para cuidar da loja de tacos, enquanto paralelamente, seu outro neto, Chris (Carlos Santos), tenta o sonho de ser um cozinheiro profissional e, para isso, aceita ser subjugado por um chef racista em uma cozinha em que é motivo de piada por “não ser mexicano o suficiente”. 

Nesta dinâmica, Erik e Chris representam arquétipos do total oposto. O primeiro é agarrado às tradições e ao desejo de fazer melhorias pelo bairro, mesmo que isso dificulte a sustentação financeira; o segundo acredita que é necessário abrir as portas para uma suposta reinvenção da cozinha da Mama Fina’s para atrair novos clientes e mais dinheiro, mas dificilmente enxerga o que essa modernização (ou hipsterização) representa para a comunidade.

Correndo em paralelo, a terceira neta de Casimiro, ou Pop, é Ana (Karrie Martin), uma jovem artista queer e idealista, que ajuda a mãe na criação de sua irmã mais nova, Nayeli (Bianca Melgar) e sonha com um dia ser reconhecida pelo seu trabalho. Há um conflito muito bem articulado neste núcleo da família. A relação de Ana com a mãe é delicada em virtude do desejo da filha de construir para si uma vida melhor, paralelo à necessidade de ajudar em casa e trabalhar incessantemente para ter o básico, já que Beatriz (Laura Patalano) trabalha como costureira de uma fábrica em condições de exploração, e precisa da ajuda das filhas todas as noites para fazer todo o trabalho.

Com tudo isso, o principal objeto de estudo de Gentefied é a primeira geração de latinos nascidos nos Estados Unidos, que se dividem entre as identidades de imigrantes e nativos, com todo os ônus e bônus que vêm atrelados à ideia de pertencerem a duas culturas diferentes. O que Erik, Chris, Ana — e sua namorada, Yessika (Julissa Calderon) — representam neste contexto são as diferentes formas através das quais esta geração de chicanos reflete o lugar em que estão inseridos ou as pressões que recaem sobre eles em um período de amadurecimento na primeira fase da vida adulta. 

Gentefied 109

É através deles que a audiência enxerga o impacto da gentrificação, enquanto em momento algum a série se permite ser didática ou simplista. Seja no belíssimo episódio sobre o mural de Ana ou na briga de forças entre Chris e Erik, um aprendendo com o outro a ceder um pouco pelo bem comum, há complexidade e muita densidade em cada um destes personagens, tratados como seres completos e não como amontoados de estereótipos. O que todos aprendem eventualmente é que existe uma inevitável e talvez massante briga com o sistema, retratada com muitas camadas de ironia quando um ato rebelde se transforma aos olhos públicos e acaba sendo absorvido como algo que faz parte do status quo

Neste sentido, Gentefied é uma lembrança do emaranhado de identidades que latinos precisam reunir e dar conta, enquanto acumulam o peso das decisões de seus próprios pais em cada passo fracassado ou bem-sucedido que dão. O fato de ela ser produzida por pessoas que fazem parte desta exata narrativa, aliás, não é coincidência. Criada por Linda Yvette Chávez e Marvin Lemus, a série tem pessoas latinas espalhadas por todas as áreas de produção, e vale destacar positivamente a quantidade de mulheres entre as roteiristas. America Ferrera (Ugly Betty, Superstore) é uma das produtoras, dirige dois dos dez episódios e até faz uma participação especial. Se todo o resto mudar, a modernização e o Peak TV ao menos nos deram produções como esta: web séries que, graças à busca incansável por conteúdo, encontraram um lugar ao sol. Ainda bem.

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Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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