Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022
God’s Country é profundamente expressivo logo em seus primeiros 10 minutos. Abrindo mão de qualquer discurso vocal e verbal, o thriller dramático faz do silêncio sua principal arma para criar a tensão necessária em tela. Na trama, Thandie Newton é uma mulher exausta que carrega um passado que ainda lhe assombra. Em uma terra de ninguém, regida pela camaradagem masculina, ela tenta recomeçar sua vida como professora universitária. Mas em um local distante, gélido e onde a civilização ainda vive de forma quase tribal – onde as leis e a polícia não parecem existir -, ela é forçada a lutar contra homens truculentos, que insistem em ameaçá-la diariamente.
Na trama, Sandra (Newton) é uma professora universitária que se muda para uma região distante, após uma terrível perda. Mas quando ela percebe que dois caçadores estão invadindo o seu território, ela se vê forçada a confrontá-los, acarretando em uma espiral de medição de forças – que levarão os três em direção a uma jornada vingativa e catastrófica. Uma releitura do conto Winter Lights, do aclamado autor James Lee Burke, God’s Country explora os mesmos questionamentos morais levantados pelo escritor, só que a partir da experiência feminina.
A jornada de Sandra em God’s Country é assustadora em alguns momentos. Sempre solitária e desconfiada, ela é uma mulher que tenta não se deixar intimidar por um comportamento masculino agressivo, que invade seu território e tenta colocar sua paz e tranquilidade em risco. E ao contrário do que muitos poderiam sugerir, o thriller de Julian Higgins não é do tipo que abriga uma agenda progressista, nem tão pouco busca preencher uma cartilha obsessiva. Mas a verdade é que God’s Country é um retrato sujo de uma realidade que ainda impera em regiões mais distantes dos centros urbanos.
Aqui o longa apresenta personagens da vida real, homens ardilosos com os quais eu também cruzei em diversos momentos desde a minha adolescência. E sob o mesmo frio na espinha que inúmeras vezes já tive ao me sentir desprotegida em público, Thandie Newton nos arrebata para dentro da tela, entregando uma performance crua e amedrontada, à medida em que também é capaz de disfarçar seu pavor com uma expressividade sempre dúbia. Há medo em seus olhos, mas ali ainda reside uma voracidade enérgica, à espreita.
E a direção de Julian Higgins é um complemento fundamental a toda experiência sensorial promovida pelo roteiro de Shaye Ogbonna e Higgins e pela caracterização de seus personagens. Com uma fotografia montanhosa e melancólica – que explora a beleza natural de Montana, contemplamos o rigoroso inverno norte-americano sem o fascínio que ele naturalmente nos promove. Aqui, a neve se transforma em um personagem crucial nessa narrativa que explora conflitos inexoráveis e suas consequências caóticas e explosivas. Com um desfecho arrebatador, God’s Country nos entrega o melhor de Thandie Newton, a partir de uma trama particularmente identificável, sem perder o sabor de um excepcional thriller de mistério.