domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Hamilton’ é simplesmente um dos maiores musicais da história

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Lin-Manuel Miranda é um conhecido nome da indústria do entretenimento contemporânea – e não é por menos: seus grandes créditos cinematográficos incluem ‘Moana’ e ‘O Retorno de Mary Poppins’, colaborando com suas incríveis habilidades musicais e performáticas para encantar públicos ao redor do mundo. Entretanto, Miranda começou bem antes a emocionar qualquer um que ousasse prestar o mínimo de atenção à sua genialidade criativa com Hamilton, musical que migrou de apresentações caseiras para palcos off-Broadway até atingir o estrelato nos maiores teatros do mundo (chegando até mesmo a atingir a Casa Branca com força inigualável).

Mas qual o motivo de tanto sucesso? Bom, comecemos com o patriotismo: o povo estadunidense carrega consigo um senso de levante à pátria impetuoso (e muitas vezes exagerado) que coloca os famosos pais fundadores de seu país em um patamar inalcançável e quase idílico. Para tanto, Miranda se apropriou da biografia de Alexander Hamilton, um controverso e complexo personagem que perdeu a mãe, viu sua cidade ser destruída por um furacão e decidiu, eventualmente, que precisava entrar para a história e mudar o status quo imperialista que a monarquia britânica transportava de suas geladas terras para o novo mundo. Entretanto, aqui está a reviravolta: o criador, diretor, liricista, roteirista, compositor, ator e cantor resolveu deixar de lado a supremacia branca e trouxe representatividade como nunca vista para o cenário mainstream, contratando atores latinos, negros e asiáticos para recontarem eventos verdadeiros.



Transformar a estrutura didática e solidificada do ensino do governo estadunidense em um musical não seria uma tarefa fácil – mas Miranda sabia como colocar tudo nos eixos: diferente do classicismo orquestral e operístico de tantos musicais conterrâneos, fosse na elegíaca narrativa romântica de ‘O Fantasma da Ópera’, fosse no sensual jazz de ‘Chicago’, a ideia era resgatar o poder da contracultura fonográfica e colocá-la em voga para um público não acostumado. Foi nesse exuberante pano de fundo que abriram-se portas para o R&B, o pop e o rap, com incursões seletivas para o blues e o soul, culminando em simplesmente uma das maiores e mais importantes obras deste século.

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Chegando ao Brasil através do Disney+, Hamilton era um dos títulos mais aguardados pelos usuários – e este que vos fala garante com certeza inegável que a longa experiência vale a pena, convidando-nos para uma jornada crítica, analítica, emotiva e bastante pessoal de nomes clássicos da cultura mundial, incluindo o personagem titular, George Washington, Thomas Jefferson e muitos outros. Mais do que isso, as duas horas e meia são cuidadosamente concentradas em um único cenário que se transmuta em diversas locações e que são povoadas por personas estonteantes, cuja química transcende a ficção e estende suas raízes para os espectadores. E, enquanto Miranda faz um ótimo trabalho como o protagonista, o restante do elenco está irretocável.

É claro que a premissa parte de um maniqueísmo bastante conhecido – e faz-se necessário colocar um “mocinho” e um “vilão”, sempre buscando o dinamismo do enredo que nos cativa desde o primeiro momento. A versão fílmica da peça humaniza a rigidez dessas alentadas figuras e parte de uma estética que nos relembra de ‘Sweeney Todd’, apresentando uma breve backstory de Alexander e dos dias que precederam sua viagem a Nova York para deixar sua marca – algo que conseguiu, é claro. “Como um órfão, bastardo, filho de uma prostituta” certamente não é um verso acalentador ou honrável para se abrir um espetáculo, mas é seu poderoso choque que o traz para perto de uma realidade atual, mantendo-se até as cortinas se fecharem novamente. Com uma cenografia recuada, que abre espaço para um show de luzes narcótico e estroboscópico, o palco ganha vida se metamorfoseia em duelos de armas, gabinetes de Estado, cerimônias matrimoniais e campos de guerra.

É impossível tirar os olhos da tela, motivo pelo qual a longa apresentação parece se estender por apenas alguns minutos. E sua pièce de résistance é, de fato, seu elenco: temos a presença enigmática de Renée Elise Goldsberry como Angelica Schuyler, a ingenuidade de Phillipa Soo como Eliza, esposa de Alexander que rouba os holofotes com performances catárticas de tirar o fôlego, a frustração política de Leslie Odom Jr. como Aaron Burr, um dos principais obstáculos enfrentados pelo protagonista – e muitos outros. Daveed Diggs, que participou de séries como ‘O Expresso do Amanhã’ e ‘Unbreakable Kimmy Schmidt’, interpreta não um, mas dois personagens admiráveis, criando essências bem distintas para o Marquês de Lafayette e para Thomas Jefferson; Christopher Jackson, com sua potente voz, dá animação para a figura endossada de George Washington, enquanto Jonathan Groff entra como o Rei George III para um escape cômico aplaudível.

Mas não podemos falar de um musical e não citar sua trilha sonora – uma das mais memoráveis das últimas décadas. Temos o minimalismo explosivo de “The Room Where It Happens” (talvez uma das faixas mais belas do século XXI), a sinestésica balada “It’s Quiet Uptown”, o perfeito R&B pop de “The Schuyler Sisters” e a emocionante rapsódia que se ergue com “Non-Stop”. Isso apenas para citar poucas das dezenas de músicas que se amalgamam em uma carta de amor para a arte da performance e para a História em si.

Hamilton, como fica claro nos parágrafos acima e até mesmo pelo autoexplicativo título da crítica, é um dos maiores musicais já criados. Sua importância e seu legado – e seu impacto para o fazer teatral, inclusive – ficarão para os anos que virão e serão revisitados com paixão constante e inextinguível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Lin-Manuel Miranda é um conhecido nome da indústria do entretenimento contemporânea – e não é por menos: seus grandes créditos cinematográficos incluem ‘Moana’ e ‘O Retorno de Mary Poppins’, colaborando com suas incríveis habilidades musicais e performáticas para encantar públicos ao redor do mundo. Entretanto, Miranda começou bem antes a emocionar qualquer um que ousasse prestar o mínimo de atenção à sua genialidade criativa com Hamilton, musical que migrou de apresentações caseiras para palcos off-Broadway até atingir o estrelato nos maiores teatros do mundo (chegando até mesmo a atingir a Casa Branca com força inigualável).

Mas qual o motivo de tanto sucesso? Bom, comecemos com o patriotismo: o povo estadunidense carrega consigo um senso de levante à pátria impetuoso (e muitas vezes exagerado) que coloca os famosos pais fundadores de seu país em um patamar inalcançável e quase idílico. Para tanto, Miranda se apropriou da biografia de Alexander Hamilton, um controverso e complexo personagem que perdeu a mãe, viu sua cidade ser destruída por um furacão e decidiu, eventualmente, que precisava entrar para a história e mudar o status quo imperialista que a monarquia britânica transportava de suas geladas terras para o novo mundo. Entretanto, aqui está a reviravolta: o criador, diretor, liricista, roteirista, compositor, ator e cantor resolveu deixar de lado a supremacia branca e trouxe representatividade como nunca vista para o cenário mainstream, contratando atores latinos, negros e asiáticos para recontarem eventos verdadeiros.

Transformar a estrutura didática e solidificada do ensino do governo estadunidense em um musical não seria uma tarefa fácil – mas Miranda sabia como colocar tudo nos eixos: diferente do classicismo orquestral e operístico de tantos musicais conterrâneos, fosse na elegíaca narrativa romântica de ‘O Fantasma da Ópera’, fosse no sensual jazz de ‘Chicago’, a ideia era resgatar o poder da contracultura fonográfica e colocá-la em voga para um público não acostumado. Foi nesse exuberante pano de fundo que abriram-se portas para o R&B, o pop e o rap, com incursões seletivas para o blues e o soul, culminando em simplesmente uma das maiores e mais importantes obras deste século.

Chegando ao Brasil através do Disney+, Hamilton era um dos títulos mais aguardados pelos usuários – e este que vos fala garante com certeza inegável que a longa experiência vale a pena, convidando-nos para uma jornada crítica, analítica, emotiva e bastante pessoal de nomes clássicos da cultura mundial, incluindo o personagem titular, George Washington, Thomas Jefferson e muitos outros. Mais do que isso, as duas horas e meia são cuidadosamente concentradas em um único cenário que se transmuta em diversas locações e que são povoadas por personas estonteantes, cuja química transcende a ficção e estende suas raízes para os espectadores. E, enquanto Miranda faz um ótimo trabalho como o protagonista, o restante do elenco está irretocável.

É claro que a premissa parte de um maniqueísmo bastante conhecido – e faz-se necessário colocar um “mocinho” e um “vilão”, sempre buscando o dinamismo do enredo que nos cativa desde o primeiro momento. A versão fílmica da peça humaniza a rigidez dessas alentadas figuras e parte de uma estética que nos relembra de ‘Sweeney Todd’, apresentando uma breve backstory de Alexander e dos dias que precederam sua viagem a Nova York para deixar sua marca – algo que conseguiu, é claro. “Como um órfão, bastardo, filho de uma prostituta” certamente não é um verso acalentador ou honrável para se abrir um espetáculo, mas é seu poderoso choque que o traz para perto de uma realidade atual, mantendo-se até as cortinas se fecharem novamente. Com uma cenografia recuada, que abre espaço para um show de luzes narcótico e estroboscópico, o palco ganha vida se metamorfoseia em duelos de armas, gabinetes de Estado, cerimônias matrimoniais e campos de guerra.

É impossível tirar os olhos da tela, motivo pelo qual a longa apresentação parece se estender por apenas alguns minutos. E sua pièce de résistance é, de fato, seu elenco: temos a presença enigmática de Renée Elise Goldsberry como Angelica Schuyler, a ingenuidade de Phillipa Soo como Eliza, esposa de Alexander que rouba os holofotes com performances catárticas de tirar o fôlego, a frustração política de Leslie Odom Jr. como Aaron Burr, um dos principais obstáculos enfrentados pelo protagonista – e muitos outros. Daveed Diggs, que participou de séries como ‘O Expresso do Amanhã’ e ‘Unbreakable Kimmy Schmidt’, interpreta não um, mas dois personagens admiráveis, criando essências bem distintas para o Marquês de Lafayette e para Thomas Jefferson; Christopher Jackson, com sua potente voz, dá animação para a figura endossada de George Washington, enquanto Jonathan Groff entra como o Rei George III para um escape cômico aplaudível.

Mas não podemos falar de um musical e não citar sua trilha sonora – uma das mais memoráveis das últimas décadas. Temos o minimalismo explosivo de “The Room Where It Happens” (talvez uma das faixas mais belas do século XXI), a sinestésica balada “It’s Quiet Uptown”, o perfeito R&B pop de “The Schuyler Sisters” e a emocionante rapsódia que se ergue com “Non-Stop”. Isso apenas para citar poucas das dezenas de músicas que se amalgamam em uma carta de amor para a arte da performance e para a História em si.

Hamilton, como fica claro nos parágrafos acima e até mesmo pelo autoexplicativo título da crítica, é um dos maiores musicais já criados. Sua importância e seu legado – e seu impacto para o fazer teatral, inclusive – ficarão para os anos que virão e serão revisitados com paixão constante e inextinguível.

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