terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica | Harry Styles nos convida a uma jornada sinestésica com o emulativo ‘Harry’s House’

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Outrora parte da famosa boyband One Direction, Harry Styles construiu uma carreira solo que se deu início ainda em 2017 e que se transformou em uma das mais bem-sucedidas do século e que inclusive já lhe rendeu uma estatueta do Grammy. Alcançando fama inigualável, Styles carrega consigo uma legião de fãs e utiliza seu carisma e suas incríveis habilidades imaginativas para engendrar letras relacionáveis, indesculpáveis e que refletem uma visão de mundo como as grandes lendas do cenário fonográfico – e, por mais que não tenha atingido esse patamar, tem tudo para deixar uma marca considerável na cultura pop.

Três anos depois de ter gestado o elogiado Fine Line – que se tornou um sucesso crítico e comercial imediato, entrando para a lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da Rolling Stone -, Harry faz um aguardado comeback com uma vibrante e sólida terceira iteração intitulada ‘Harry’s House’, demonstrando todo o seu amadurecimento artístico à medida que se mantém fiel à identidade apresentada desde que deixou o grupo supracitado e encontrou a própria voz. E, apesar dos deslizes aqui e ali, o resultado é instigante e profundo o bastante para sermos transportados em uma jornada romântica e extremamente comovente, com destaque para uma explosiva mixórdia rítmica e estilística e um processo de construção narrativa diferente do que já vimos.

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O compilado abre com um dos títulos mais inesperados do ano, “Music for a Sushi Restaurant” – uma música que, de fato, não poderia ser performada com tanto estilo por outro artista que não Styles. A faixa é uma amálgama de pop, disco-funk e boogie que reitera as várias referências adotados pelo cantor para se erguer na indústria. Através de uma alternância estimulante entre diálogo e cantoria, mergulhamos em um microcosmos idiossincrático que reúne o suprassumo do final do século passado em um mesmo lugar, desde Prince e Sylvester até KC and the Sunshine Band e Earth, Wind & Fire – investindo esforços em uma homenagem singela e reverenciada que não peca em nenhum elemento. É claro que considerar a faixa de abertura como o ápice da produção é um tanto quanto precipitado, e vemos pouco depois que a obra é repleta de pulsões criativas de caráter quase elegíaco.

A concisa arquitetura do CD é cortesia de Kid Harpoon e Tyler Johnson, frequentes colaboradores de Harry cuja união dá vida a uma mágica interpolação sonora; como se não bastasse, também temos o auxílio de Thomas Hull na composição lírica e no delineamento das histórias – de certa maneira, notamos um leve desequilíbrio na inspiração temática, visto que boa parte das tracks fala essencialmente de amor e não se deixa levar pelas bizarras loucuras do disco anterior, mas há uma funcionalidade esquemática eficiente que dá o primeiro passo para um crescimento ainda irreverente e apaixonado do performer. Em “Late Night Talking”, por exemplo, temos a influência do disco e do dance dos anos 1970 e 1980 através de escolhas bem demarcadas e uma ambientação nostálgica; “Grapejuice”, por sua vez, medita no atmosférico e vale-se do sintetizador, do piano e do baixo para distorcer uma balada em uma rendição suave, intimista, por mais que esbarre na constância das repetições.

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Uma outra predileção apresentada de Styles é a multiplicidade vocal que reverbera nas músicas: tal aspecto aparece, por exemplo, no lead single “As It Was”, cujo apoio no R&B e no dream-pop nos permite enlaçar similaridades com o que The Weeknd explorou no memorável ‘After Hours’, de 2020; temos a impressão fabulesca de “Daylight”, que inicia uma transição impactante para o pop-rock; e a belíssima balada “Little Freak”, produzida com coesão soberba e regida por um violão bem-vindo e inesperado que repercute na simplicidade marcante de “Boyfriends”, uma das faixas mais espontâneas da carreira de Harry. Todas marcadas pela diversidade de camadas de voz que, mesmo infundidas dentro de um projeto claro, se exaurem com o passar do tempo e nos fazem ansiar por uma diversidade mais ampla.

Todavia, os deslizes pontuais não são fortes o suficiente para ofuscar o brilhantismo que se esconde nas entrelinhas: o teor memorialístico é o que fala mais alto, assistindo por um tom confessional que tangencia a perfeição nos chocantes versos de “Matilda”. Aqui, Styles promove uma desmistificação profunda do conceito de família e de lanços sanguíneos, narrando uma personagem que não foi amada por aqueles que deveriam amá-la e encontrou independência e felicidade ao se afastar deles: “você não deve pedir desculpas por ir embora e crescer” resume com consciência assustadora o que significa se libertar das amarras impostas pela sociedade e perceber que o mais difícil é, por vezes, o caminho a ser seguido. Não é por qualquer motivo que este que vos fala pode dizer, com segurança, que a faixa se consagra como uma das melhores da carreira do artista.

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Não obstante o olhar invejável de Harry para músicas como a supracitada, algumas faixas também denotam sua visão primorosa para incursões mercadológicas e mainstream que, por mais que não tenham um frescor de originalidade próprio, submergem numa praticidade consistente: “Cinema” beira um disco-funk propagandístico e sinestésico, enquanto “Daydreaming” cede espaço para um baixo e uma bateria que se aglutinam a trompetes e um coro upbeat; porém, “Satellite” perde força por uma inspiração datada, e “Love of My Life”, contrapondo-se ao enérgico início do álbum, deixa uma sensação agridoce de frustração ao repetir fórmulas.

‘Harry’s House’ é uma ótima adição à discografia de Harry Styles e reforça o motivo de estarmos tão envolvidos por sua arte única e, ao mesmo tempo, pincelada com saudosismos acumulativos e miméticos. O que mais nos chama a atenção é a competência estrutural e a produção enfática das canções, permitindo que a sinestesia musical seja a força-motriz de uma aventura especial e aprazível.

Nota por faixa:

1. Music for a Sushi Restaurant – 5/5
2. Late Night Talking – 5/5
3. Grapejuice – 4,5/5
4. As It Was – 4,5/5
5. Daylight – 4/5
6. Little Freak – 4/5
7. Matilda – 5/5
8. Cinema – 4,5/5
9. Daydreaming – 4,5/5
10. Keep Driving – 4/5
11. Satellite – 2,5/5
12. Boyfriends – 4/5
13. Love of My Life – 3/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Três anos depois de ter gestado o elogiado Fine Line – que se tornou um sucesso crítico e comercial imediato, entrando para a lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da Rolling Stone -, Harry faz um aguardado comeback com uma vibrante e sólida terceira iteração intitulada ‘Harry’s House’, demonstrando todo o seu amadurecimento artístico à medida que se mantém fiel à identidade apresentada desde que deixou o grupo supracitado e encontrou a própria voz. E, apesar dos deslizes aqui e ali, o resultado é instigante e profundo o bastante para sermos transportados em uma jornada romântica e extremamente comovente, com destaque para uma explosiva mixórdia rítmica e estilística e um processo de construção narrativa diferente do que já vimos.

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O compilado abre com um dos títulos mais inesperados do ano, “Music for a Sushi Restaurant” – uma música que, de fato, não poderia ser performada com tanto estilo por outro artista que não Styles. A faixa é uma amálgama de pop, disco-funk e boogie que reitera as várias referências adotados pelo cantor para se erguer na indústria. Através de uma alternância estimulante entre diálogo e cantoria, mergulhamos em um microcosmos idiossincrático que reúne o suprassumo do final do século passado em um mesmo lugar, desde Prince e Sylvester até KC and the Sunshine Band e Earth, Wind & Fire – investindo esforços em uma homenagem singela e reverenciada que não peca em nenhum elemento. É claro que considerar a faixa de abertura como o ápice da produção é um tanto quanto precipitado, e vemos pouco depois que a obra é repleta de pulsões criativas de caráter quase elegíaco.

A concisa arquitetura do CD é cortesia de Kid Harpoon e Tyler Johnson, frequentes colaboradores de Harry cuja união dá vida a uma mágica interpolação sonora; como se não bastasse, também temos o auxílio de Thomas Hull na composição lírica e no delineamento das histórias – de certa maneira, notamos um leve desequilíbrio na inspiração temática, visto que boa parte das tracks fala essencialmente de amor e não se deixa levar pelas bizarras loucuras do disco anterior, mas há uma funcionalidade esquemática eficiente que dá o primeiro passo para um crescimento ainda irreverente e apaixonado do performer. Em “Late Night Talking”, por exemplo, temos a influência do disco e do dance dos anos 1970 e 1980 através de escolhas bem demarcadas e uma ambientação nostálgica; “Grapejuice”, por sua vez, medita no atmosférico e vale-se do sintetizador, do piano e do baixo para distorcer uma balada em uma rendição suave, intimista, por mais que esbarre na constância das repetições.

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Uma outra predileção apresentada de Styles é a multiplicidade vocal que reverbera nas músicas: tal aspecto aparece, por exemplo, no lead single “As It Was”, cujo apoio no R&B e no dream-pop nos permite enlaçar similaridades com o que The Weeknd explorou no memorável ‘After Hours’, de 2020; temos a impressão fabulesca de “Daylight”, que inicia uma transição impactante para o pop-rock; e a belíssima balada “Little Freak”, produzida com coesão soberba e regida por um violão bem-vindo e inesperado que repercute na simplicidade marcante de “Boyfriends”, uma das faixas mais espontâneas da carreira de Harry. Todas marcadas pela diversidade de camadas de voz que, mesmo infundidas dentro de um projeto claro, se exaurem com o passar do tempo e nos fazem ansiar por uma diversidade mais ampla.

Todavia, os deslizes pontuais não são fortes o suficiente para ofuscar o brilhantismo que se esconde nas entrelinhas: o teor memorialístico é o que fala mais alto, assistindo por um tom confessional que tangencia a perfeição nos chocantes versos de “Matilda”. Aqui, Styles promove uma desmistificação profunda do conceito de família e de lanços sanguíneos, narrando uma personagem que não foi amada por aqueles que deveriam amá-la e encontrou independência e felicidade ao se afastar deles: “você não deve pedir desculpas por ir embora e crescer” resume com consciência assustadora o que significa se libertar das amarras impostas pela sociedade e perceber que o mais difícil é, por vezes, o caminho a ser seguido. Não é por qualquer motivo que este que vos fala pode dizer, com segurança, que a faixa se consagra como uma das melhores da carreira do artista.

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Não obstante o olhar invejável de Harry para músicas como a supracitada, algumas faixas também denotam sua visão primorosa para incursões mercadológicas e mainstream que, por mais que não tenham um frescor de originalidade próprio, submergem numa praticidade consistente: “Cinema” beira um disco-funk propagandístico e sinestésico, enquanto “Daydreaming” cede espaço para um baixo e uma bateria que se aglutinam a trompetes e um coro upbeat; porém, “Satellite” perde força por uma inspiração datada, e “Love of My Life”, contrapondo-se ao enérgico início do álbum, deixa uma sensação agridoce de frustração ao repetir fórmulas.

‘Harry’s House’ é uma ótima adição à discografia de Harry Styles e reforça o motivo de estarmos tão envolvidos por sua arte única e, ao mesmo tempo, pincelada com saudosismos acumulativos e miméticos. O que mais nos chama a atenção é a competência estrutural e a produção enfática das canções, permitindo que a sinestesia musical seja a força-motriz de uma aventura especial e aprazível.

Nota por faixa:

1. Music for a Sushi Restaurant – 5/5
2. Late Night Talking – 5/5
3. Grapejuice – 4,5/5
4. As It Was – 4,5/5
5. Daylight – 4/5
6. Little Freak – 4/5
7. Matilda – 5/5
8. Cinema – 4,5/5
9. Daydreaming – 4,5/5
10. Keep Driving – 4/5
11. Satellite – 2,5/5
12. Boyfriends – 4/5
13. Love of My Life – 3/5

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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