Filme assistido durante o Festival de Toronto 2020
Invisíveis diante da sociedade e quando vistos, enxergados como párias, marginais e escórias. Existe um pequeno grande submundo de pessoas que muito mais que abaixo da linha de pobreza, vivem também aquém à sua própria existência. Esse universo dolorosamente intimista é amedrontador e nem sempre é trazido às telas com a precisão que lhe é devida. Mas em Holler, a vida cadavérica de dois irmãos largados na periferia é retratada pela ótica do mais profundo sofrimento. E aqui, Jessica Barden – da popular série The End of The F***ing World, é o retrato de vários cidadãos sem rosto, identificados por seu CPF, mas irreconhecíveis perante o mundo.
Holler explora as mazelas mais incrustadas na América que não deu certo. Aquela que não vemos nos comerciais da Disney, que passa de forma despercebida por muitas séries de TV e que não é comerciável para os turistas. Como um drama que relata na ponta do lápis como é ser jovem e sem um futuro promissor, a produção – que marca a estreia de Nicole Riegel em longas metragens, se infiltra nas estranhas da gélida cidade de Jackson, no estado de Ohio, para mostrar um lado absolutamente distante dos populares concursos de beleza que coroam a região.
Fazendo um relato de sua própria cidade natal, Riegel explora o olhar feminino de uma jovem que é forçada a aderir ao modo da malandragem para garantir as migalhas de cada dia. Navegando entre pequenos furtos de livros da biblioteca escolar, à uma oportunidade de dinheiro fácil em práticas ilegais, Ruth (Barden) é uma personagem que não tem o benefício das dúvidas juvenis e pueris, não pode desfrutar da sua jovialidade e é submetida a uma adultização social, onde ela é forçada pelas circunstâncias a fazer o melhor que pode com o nada que possui. Sem pai e nem mãe, ela é cuidada de perto por seu irmão mais velho Blaze (Gus Halper), um jovem que já desistiu de si mesmo e hoje aposta na habilidosa e talentosa irmã.
Trazendo uma percepção sensível sobre o lado negro de quem vive à base de golpes e trapaças em meio à miséria, Holler não é o tipo de drama que faz vista grossa para a falta de imoralidade social de seus protagonistas. Se curvando ao fator psicológico que rege uma vida regada por sequelas ruins e ausência do governo público, o drama visa projetar uma luz mais intensa para os cacos que ficam quando famílias são desfeitas e jovens sem qualquer tipo de fundamentação são forçados a crescer antes da hora para não passar fome. Usando o ceticismo de Ruth para pautar a trama, Riegel traz à tona o melhor da atuação de Barden, que rapidamente se conecta à audiência por seu olhar vazio e doloroso, de quem está cansada de viver à margem da sua própria existência.
Bem dirigido e roteirizado, o drama produzido por Paul Feig impressiona em sua narrativa e chama a atenção para um problema sócio cultural latente em certas regiões do Estados Unidos. Dando voz aos anseios dessa parcela tão marginalizada, Holler é uma surpresa prazerosa do Festival de Toronto, conta uma história sensível e delicada e faz a audiência refletir sobre como nós, enquanto sociedade, lidamos com o menos favorecidos. Identificável pela instantânea conexão com a personagem de Jessica Barden, o longa pode até não ser um soco no estômago que reverbere por anos a fio, mas deixa sua marca de forma memorável como um raro e cru relato sobre o peso da miséria socioeconômica.