quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Hollywood – Série da Netflix é uma ode ao Cinema

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Apesar de ser conhecido pela antologia American Horror Story, Ryan Murphy sempre fez questão de mostrar sua paixão pela indústria cinematográfica – principalmente aos clássicos longas-metragens que lhe servem de inspiração até os dias de hoje. Seja com o musical adolescente Glee, seja com a temporada única de Feud, Murphy nunca deixou de prestar homenagens a nomes como Joan Crawford, Bette Davis, Marlene Dietrich e tantos outros artistas lendários cujo legado vive com força inigualável. E, dessa forma, surgiria Hollywood, nova colaboração desse prolífico realizador para a Netflix que, apesar das boas intenções, falha em lapidar as múltiplas coincidências e o teor novelesco de cada arco narrativo dos protagonistas.

Ambientada no final da década de 1940, a produção é uma reimaginação da Era de Ouro de Hollywood – uma das décadas mais controversas da história. No período pós-II Guerra Mundial, o sentimento de nacionalismo começava a tomar conta da sociedade norte-americana e, dessa forma, qualquer pessoa “diferente” era tratada com descaso, preconceito e até mesmo com violência (como era o caso das mulheres, dos negros e da comunidade queer). E, diferente do que se pode imaginar, essa premissa exala uma ambição bastante interessante que serve como base para uma transgressão formulaica: na verdade, são as minorias que ganham voz em um escopo totalmente utópico que reformula o cenário do entretenimento e o futuro de uma nação dividida e que já perdeu sua identidade. O grande problema é como convencer o público de um e se? que poderia ter acontecido sem cair nos comodismos de sempre.



O primeiro obstáculo a ser enfrentado é a quantidade quase convulsionada de personagens. Temos, por exemplo, o ex-veterano de guerra Jack Castello (David Corenswet) que foi atraído pelas artes performáticas e tenta de tudo para conseguir nem que seja uma ponta nos filmes dos estúdios Ace, um dos mais importantes do planeta; temos Camille Washington (Laura Harrier), uma atriz negra contratada para encarnar empregadas domésticas estereotipadas que cansou de fazer o mesmo papel várias vezes e deseja, mais que tudo, ser a protagonista de um sucesso; temos também Archie Coleman (Jeremy Pope), um aspirante a roteirista negro e gay que quer ver seu nomes nos letreiros e nas marquises de todo lugar e provar seu valor na cidade dos sonhos. E muitas outras figuras únicas que representam os diversos tipos sociais que despontavam em cada esquina daquele mágico e complicado lugar.

Apesar dos claros deslizes cultivados (e aparentemente imperceptíveis) desde o capítulo de estreia, a minissérie consegue brilhar em alguns momentos bastante interessantes, inclusive no tocante à dualidade geracional. O elenco jovem representa o frescor ingênuo e sonhador daqueles que ainda têm uma vida pela frente, cheia de credulidades quase impalpáveis sobre o futuro e prospectos de autorrealização; enquanto isso, temos a presença inigualável de veteranos da televisão e do cinema que já passaram por várias decepções e agora entendem a realidade com amargura e com arrependimentos: desde a presença radiante de Patti LuPone como a atriz aposentada Avis Amberg, que se envolve com escapadas românticas com garotos mais jovens à medida que seu casamento se deteriora, a adição charmosa de Dylan McDermott como o cafetão e frentista Ernie West (baseado com ironia adorável em Scotty Bowers) e até mesmo a inesperada e dramática rendição de Holland Taylor como Ellen Kincaid, produtora executiva e mentora de diversos novos talentos do estúdio no qual trabalha.

As performances, todavia, são pinceladas com diálogos um tanto quanto frouxos e melodramáticos demais para que os levemos a sério. É claro que um pouco de metalinguagem técnica, ainda mais em se tratando de uma série com o tema em questão, é mais que bem-vinda: mas boa parte das sequências parece infundida com um apreço inexplicável aos dramas teatrais que prezam pela ambiguidade e por atuações que de fato poderiam ser mais comedidas – e, dessa forma, bem mais expressivas. Nem mesmo o respaldo histórico acrescente elementos de credibilidade à obra, seja através do repentino resgate da trágica história de Anna May Wong (aqui encarnada por Michelle Krusiec), seja pela monumental aparição de Hattie McDaniel (Queen Latifah) – e, por mais que Murphy insista em reescrever uma história cruel para um mirabolante conto de fadas, a fantasia é grande demais para ser levada a sério.

Eventualmente, o time formado por esses personagens supracitados e por tantos outros nomes une-se para dar aval a um projeto revolucionário, que traria pela primeira vez uma mulher negra às telonas. Intitulado Meg, Camille acaba conseguindo o papel protagonista, com seu marido, Raymond (Darren Criss) comandando o projeto. O resultado, enfiado em um circinal último episódio, é digno de um romance romântico em que absolutamente tudo dá certo e os “mocinhos” encontram seu final feliz e podem seguir em frente sentindo-se mais que realizados – e talvez essa enérgica e fragmentada conclusão seja o maior crime do show.

Valendo-se muito mais de uma perfeita e irretocável estética imagética que até mesmo emula a condução de grandes joias do cinema, Hollywood é um didático (ainda que superficial) manual de como a complicada esfera fílmica funciona, perguntando-se principalmente como o mundo seria se as lutas das minorias tivessem se iniciado tantas décadas atrás. Ou então ainda: como seria o mundo se Rock Hudson tivesse assumido sua homossexualidade ainda quando jovem e perdido sua carreira como galã das telonas?

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Ambientada no final da década de 1940, a produção é uma reimaginação da Era de Ouro de Hollywood – uma das décadas mais controversas da história. No período pós-II Guerra Mundial, o sentimento de nacionalismo começava a tomar conta da sociedade norte-americana e, dessa forma, qualquer pessoa “diferente” era tratada com descaso, preconceito e até mesmo com violência (como era o caso das mulheres, dos negros e da comunidade queer). E, diferente do que se pode imaginar, essa premissa exala uma ambição bastante interessante que serve como base para uma transgressão formulaica: na verdade, são as minorias que ganham voz em um escopo totalmente utópico que reformula o cenário do entretenimento e o futuro de uma nação dividida e que já perdeu sua identidade. O grande problema é como convencer o público de um e se? que poderia ter acontecido sem cair nos comodismos de sempre.

O primeiro obstáculo a ser enfrentado é a quantidade quase convulsionada de personagens. Temos, por exemplo, o ex-veterano de guerra Jack Castello (David Corenswet) que foi atraído pelas artes performáticas e tenta de tudo para conseguir nem que seja uma ponta nos filmes dos estúdios Ace, um dos mais importantes do planeta; temos Camille Washington (Laura Harrier), uma atriz negra contratada para encarnar empregadas domésticas estereotipadas que cansou de fazer o mesmo papel várias vezes e deseja, mais que tudo, ser a protagonista de um sucesso; temos também Archie Coleman (Jeremy Pope), um aspirante a roteirista negro e gay que quer ver seu nomes nos letreiros e nas marquises de todo lugar e provar seu valor na cidade dos sonhos. E muitas outras figuras únicas que representam os diversos tipos sociais que despontavam em cada esquina daquele mágico e complicado lugar.

Apesar dos claros deslizes cultivados (e aparentemente imperceptíveis) desde o capítulo de estreia, a minissérie consegue brilhar em alguns momentos bastante interessantes, inclusive no tocante à dualidade geracional. O elenco jovem representa o frescor ingênuo e sonhador daqueles que ainda têm uma vida pela frente, cheia de credulidades quase impalpáveis sobre o futuro e prospectos de autorrealização; enquanto isso, temos a presença inigualável de veteranos da televisão e do cinema que já passaram por várias decepções e agora entendem a realidade com amargura e com arrependimentos: desde a presença radiante de Patti LuPone como a atriz aposentada Avis Amberg, que se envolve com escapadas românticas com garotos mais jovens à medida que seu casamento se deteriora, a adição charmosa de Dylan McDermott como o cafetão e frentista Ernie West (baseado com ironia adorável em Scotty Bowers) e até mesmo a inesperada e dramática rendição de Holland Taylor como Ellen Kincaid, produtora executiva e mentora de diversos novos talentos do estúdio no qual trabalha.

As performances, todavia, são pinceladas com diálogos um tanto quanto frouxos e melodramáticos demais para que os levemos a sério. É claro que um pouco de metalinguagem técnica, ainda mais em se tratando de uma série com o tema em questão, é mais que bem-vinda: mas boa parte das sequências parece infundida com um apreço inexplicável aos dramas teatrais que prezam pela ambiguidade e por atuações que de fato poderiam ser mais comedidas – e, dessa forma, bem mais expressivas. Nem mesmo o respaldo histórico acrescente elementos de credibilidade à obra, seja através do repentino resgate da trágica história de Anna May Wong (aqui encarnada por Michelle Krusiec), seja pela monumental aparição de Hattie McDaniel (Queen Latifah) – e, por mais que Murphy insista em reescrever uma história cruel para um mirabolante conto de fadas, a fantasia é grande demais para ser levada a sério.

Eventualmente, o time formado por esses personagens supracitados e por tantos outros nomes une-se para dar aval a um projeto revolucionário, que traria pela primeira vez uma mulher negra às telonas. Intitulado Meg, Camille acaba conseguindo o papel protagonista, com seu marido, Raymond (Darren Criss) comandando o projeto. O resultado, enfiado em um circinal último episódio, é digno de um romance romântico em que absolutamente tudo dá certo e os “mocinhos” encontram seu final feliz e podem seguir em frente sentindo-se mais que realizados – e talvez essa enérgica e fragmentada conclusão seja o maior crime do show.

Valendo-se muito mais de uma perfeita e irretocável estética imagética que até mesmo emula a condução de grandes joias do cinema, Hollywood é um didático (ainda que superficial) manual de como a complicada esfera fílmica funciona, perguntando-se principalmente como o mundo seria se as lutas das minorias tivessem se iniciado tantas décadas atrás. Ou então ainda: como seria o mundo se Rock Hudson tivesse assumido sua homossexualidade ainda quando jovem e perdido sua carreira como galã das telonas?

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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