sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Inferninho – O elogiado filme cearense chega aos cinemas

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O cinema nacional segue, mesmo contando com cada vez menos recursos, desenvolvendo trabalhos de muita qualidade estética, conceitual e, por que não, política. Falando sobre dignidade em um contexto marginal, o filme Inferninho se apropria de uma estética que remete às películas dos anos 1970/80, com uma pegada bagaceira muito bem aproveitada.

O longa-metragem conta uma história de paixão avassaladora. Deusimar (Yuri Yamamoto) é uma transexual dona de um pequeno estabelecimento frequentado pelas figuras mais bizarras do rolê. Não fica claro se o bar é propriamente o que popularmente se chama de “inferninho”, mas é apresentado como o que conhecemos como “bar pé sujo”. O lugar é uma herança familiar que ela gerencia num misto de cuidado e tristeza, por ser seu único lugar no mundo, pelo qual é responsável, mas também do qual se sente refém, presa. Ela e seus funcionários levam uma rotina medíocre que mistura a conformação com um futuro vazio vislumbrado por Deusimar e o sonho de grandeza da cantora que estrela as noites, Luziane (Samyra De Lavor). Com a chegada de um marinheiro ao bar, a vida de Deusimar e de todos se transforma. Jarbas (Demick Lopes) é um tipo conquistador e aproveitador que cativa a proprietária. Passando então a fazer parte da rotina desse lugar hora caótico, hora entediante.



O romance entre Deusimar e Jarbas é retratado sem um excesso de romanização. Dando norte à narrativa e sendo responsável pelos motivos que definem as decisões da protagonista, o que se pode falar sobre a representação desse casal é que foi feito de forma corajosa (para os tempos atuais), porém, sem exageros. Sem a necessidade de chocar ou de esconder. Simplesmente apresentados como um casal da vida real dentro e fora de seus momentos de intimidade.

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O filme opta por uma apresentação crua. Não apresenta requintes em termos de cenários, não possui trilha sonora, e mesmo as canções cantadas por Luziane não parecem ser editadas com auto-tune. O filme se passa quase inteiramente em dois cenários (o bar e o quarto de Deusimar), dos quais a protagonista não arreda os pés. Se essas escolhas foram em função do orçamento não se pode saber, mas o fato é que isso deu ao filme um significado psicológico e quase filosófico. E tudo que se optou por não florear trouxe um signo de vida real, com a busca por um glamour que não existe, que é distante para quem está a margem. Cru. Com uma estética bagaceira, que se mostra como proposta logo de cara, construiu o espaço para opções de efeitos especiais ruins, mas que fazem todo sentido, sendo o caminho lógico para a construção do longa-metragem.

Ao mesmo tempo que aproxima de uma experiência real, consegue passear por um universo lúdico e absurdo. Essas pinceladas aparecem nos frequentadores do bar e em situações repentinas que são tratadas com uma naturalidade que não é usual no dia-a-dia. O aspecto mais emblemático desse passeio pelo absurdo remete, em algum grau, à alegoria da caverna de Platão, quando um indivíduo complexo consegue ver além de sombras projetadas e experimenta o mundo real. Traz assim a relação entre mundo real e a razão, e a diferença entre o senso comum e o crítico… aspectos tão presentes nas relações de nossos dias e que demandam um esforço social no trato de questões como as abordadas em Inferninho. Fato é que a direção de Guto Parente e o roteiro do diretor junto a Pedro Diógenes e Rafael Martins, aliado ao bom desempenho do elenco conseguiram trazer reflexões importantes à tona (pelo menos por aqui).

A escolha do protagonista é uma questão à parte que deve ser discutida. O bom trabalho de Yuri Yamamoto é incontestável, o ator que é também diretor teatral e fundador do grupo Bagaceira de Teatro, é consistente em sua atuação. Mas traz para a discussão o papel do cinema como difusor da diversidade, especialmente quando se trata de filmes como Inferninho. Yuri, apesar de excelente no que faz, é um ator cis. Mais uma vez a cena cinematográfica nacional se vê perdendo a oportunidade de trazer aos holofotes a representatividade trans.

O filme cearense foi exibido no festival do Rio e também no Festival Cinematográfico Internacional Del Uruguay e no Festival de Roterdã, chamando a atenção onde foi exibido. Chega nesta segunda quinzena de maio ao circuito regular de exibição, e é uma pedida para quem gosta de apreciar o cinema nacional.

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O cinema nacional segue, mesmo contando com cada vez menos recursos, desenvolvendo trabalhos de muita qualidade estética, conceitual e, por que não, política. Falando sobre dignidade em um contexto marginal, o filme Inferninho se apropria de uma estética que remete às películas dos anos 1970/80, com uma pegada bagaceira muito bem aproveitada.

O longa-metragem conta uma história de paixão avassaladora. Deusimar (Yuri Yamamoto) é uma transexual dona de um pequeno estabelecimento frequentado pelas figuras mais bizarras do rolê. Não fica claro se o bar é propriamente o que popularmente se chama de “inferninho”, mas é apresentado como o que conhecemos como “bar pé sujo”. O lugar é uma herança familiar que ela gerencia num misto de cuidado e tristeza, por ser seu único lugar no mundo, pelo qual é responsável, mas também do qual se sente refém, presa. Ela e seus funcionários levam uma rotina medíocre que mistura a conformação com um futuro vazio vislumbrado por Deusimar e o sonho de grandeza da cantora que estrela as noites, Luziane (Samyra De Lavor). Com a chegada de um marinheiro ao bar, a vida de Deusimar e de todos se transforma. Jarbas (Demick Lopes) é um tipo conquistador e aproveitador que cativa a proprietária. Passando então a fazer parte da rotina desse lugar hora caótico, hora entediante.

O romance entre Deusimar e Jarbas é retratado sem um excesso de romanização. Dando norte à narrativa e sendo responsável pelos motivos que definem as decisões da protagonista, o que se pode falar sobre a representação desse casal é que foi feito de forma corajosa (para os tempos atuais), porém, sem exageros. Sem a necessidade de chocar ou de esconder. Simplesmente apresentados como um casal da vida real dentro e fora de seus momentos de intimidade.

O filme opta por uma apresentação crua. Não apresenta requintes em termos de cenários, não possui trilha sonora, e mesmo as canções cantadas por Luziane não parecem ser editadas com auto-tune. O filme se passa quase inteiramente em dois cenários (o bar e o quarto de Deusimar), dos quais a protagonista não arreda os pés. Se essas escolhas foram em função do orçamento não se pode saber, mas o fato é que isso deu ao filme um significado psicológico e quase filosófico. E tudo que se optou por não florear trouxe um signo de vida real, com a busca por um glamour que não existe, que é distante para quem está a margem. Cru. Com uma estética bagaceira, que se mostra como proposta logo de cara, construiu o espaço para opções de efeitos especiais ruins, mas que fazem todo sentido, sendo o caminho lógico para a construção do longa-metragem.

Ao mesmo tempo que aproxima de uma experiência real, consegue passear por um universo lúdico e absurdo. Essas pinceladas aparecem nos frequentadores do bar e em situações repentinas que são tratadas com uma naturalidade que não é usual no dia-a-dia. O aspecto mais emblemático desse passeio pelo absurdo remete, em algum grau, à alegoria da caverna de Platão, quando um indivíduo complexo consegue ver além de sombras projetadas e experimenta o mundo real. Traz assim a relação entre mundo real e a razão, e a diferença entre o senso comum e o crítico… aspectos tão presentes nas relações de nossos dias e que demandam um esforço social no trato de questões como as abordadas em Inferninho. Fato é que a direção de Guto Parente e o roteiro do diretor junto a Pedro Diógenes e Rafael Martins, aliado ao bom desempenho do elenco conseguiram trazer reflexões importantes à tona (pelo menos por aqui).

A escolha do protagonista é uma questão à parte que deve ser discutida. O bom trabalho de Yuri Yamamoto é incontestável, o ator que é também diretor teatral e fundador do grupo Bagaceira de Teatro, é consistente em sua atuação. Mas traz para a discussão o papel do cinema como difusor da diversidade, especialmente quando se trata de filmes como Inferninho. Yuri, apesar de excelente no que faz, é um ator cis. Mais uma vez a cena cinematográfica nacional se vê perdendo a oportunidade de trazer aos holofotes a representatividade trans.

O filme cearense foi exibido no festival do Rio e também no Festival Cinematográfico Internacional Del Uruguay e no Festival de Roterdã, chamando a atenção onde foi exibido. Chega nesta segunda quinzena de maio ao circuito regular de exibição, e é uma pedida para quem gosta de apreciar o cinema nacional.

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