quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica | ‘Inventando Anna’ se esquece da própria essência ao não saber em que direção seguir

Shonda Rhimes é uma das realizadoras mais prolíficas do cenário contemporâneo e, ao longo de sua carreira, deu vida a algumas das séries de aclame e audiência significativos – como o drama médico ‘Grey’s Anatomy’, o drama legal ‘How to Get Away with Murder’ e o thriller político ‘Scandal’. Nos últimos anos, Rhimes fechou contrato com a Netflix, uma das imperiosas plataformas de streaming que dominam o escopo do entretenimento, e aproveitou o amplo espaço para investir mais tempo em produções de sólido sucesso, como ‘Bridgerton’, que retorna em breve com uma aguardada 2ª temporada. Agora, ela está de volta com a minissérie semi-biográfica ‘Inventando Anna’, centrada na golpista Anna Delvey.

A narrativa não é a das mais originais, mas chama nossa atenção por se basear na realidade: a protagonista insurge na pele de Anna, interpretada pela vencedora do Emmy Julia Garner (‘Ozark’), uma jovem que fingiu ser uma herdeira alemã e se infiltrou na restrita alta sociedade nova-iorquina apenas para conseguir o que sempre quis – fama e dinheiro. Aplicando inúmeros fraudes em importantes membros da high society, ela utilizou de seu ardil e de sua inegável inteligência para se hospedar nos hotéis mais luxuosos do mundo, esbanjar milhares de dólares em jantares dispendiosos e roupas de marca e utilizar uma crescente influência para abrir uma fundação para artistas – que serviria de fachada para seus verdadeiros planos. É claro que, levando em consideração que sua história ganhou uma adaptação para a Netflix, ela foi pega pelas autoridades e se tornando o centro dos holofotes.

Apesar das boas intenções, ‘Inventando Anna’ sofre de males similares a recentes incursões de Rhimes e da produtora Shondaland – a extensão inexplicável e desnecessária de que dispõe para contar uma única história. A minissérie é composta por apenas oito episódios, cada qual com mais de uma hora de duração, o que atrapalha o ritmo e nos afasta de realmente querer saber o desfecho, mesmo já o prevendo (e isso é algo que também acontece com a longeva ‘Grey’s Anatomy’, que continua reciclando as fórmulas que criou com monotonia expressiva). Garner faz um ótimo trabalho, ainda que manchada por um sotaque coagido indecifrável, e é auxiliada pela bem-vinda presença de Anna Chlumsky como Vivian – entretanto, isso não é o suficiente para ofuscar as trepidações nas esferas técnicas.

Enquanto poderíamos acreditar que Anna seria a única anti-heroína da trama, Rhimes e seu time de roteiristas faz questão de dar chance para todos os personagens – o que implica um esquecimento involuntário de parte deles e uma perda visível da essência da obra. Por vezes, o público acredita que Vivian, jornalista que tenta reaver uma carreira marcada por um grave erro do passado, é a que merece redenção, fazendo de tudo para conseguir o furo da mística e problemática vida da falsa herdeira. À medida que navega pelas entradas exclusivas de Nova York, ela descobre que os golpes aplicados por Anna têm uma dimensão muito maior, envolvendo banqueiros, gerentes de hotel, personal trainers, magnatas de Wall Street e um guru da tecnologia. Mas de que esse escândalo vale quando não é bem aproveitado?

A série não chega a ser ruim, porém, se esquece de si própria ao não saber que direção tomar – e aqui menciono as duvidosas escolhas estruturais que regem a produção. O primeiro episódio, por exemplo, começa com uma breve narração da protagonista titular que é jogada no lixo como um pedaço de plástico (ou seja, totalmente descartável); logo depois, Anna é arrastada para uma cadeira coadjuvante, abrindo espaço para que Vivian abrace sua frenética jornada e complete seu arco em detrimento dos outros. De fato, a performance de Chlumsky é cativante, por se afastar da personagem eternizada na comédia ‘Veep’ e apresentar um novo lado de sua arte – bem como Garner, Kate Burton (Nora), Alexis Floyd (Neff), Laverne Cox (Kacy), Katie Lowes (Rachel) e tantos outros. É preciso comentar que, ainda que comprometido com seus respectivos papéis, o elenco nada pode fazer ao enfrentar um roteiro desengonçado.

A dinâmica montagem também não faz muito jus ao que Rhimes outrora nos mostrou e, enfim, é um amontoado de referências malcozidas que nos fazem lembrar de títulos bem melhores e com temática parecida: a edição pega os restos da franquia ‘Onze Homens e um Segredo’, enquanto a autorrealização das personagens emula o recente ‘As Golpistas’; a trilha sonora esbarra no pedantismo emocional e sempre acelera à beira de uma epifania documental que leva os jornalistas a correrem para escrever em seus blocos de anotação e ligar para os múltiplos contatos que conhecem; a direção joga no seguro, mas ao menos é prática o suficiente para dar continuidade aos acontecimentos – podendo ousar aqui e ali, mas optando por não se deixar levar pela presunção imagética.

Não deixe de assistir:

Em síntese, ‘Inventando Anna’ é uma medíocre adição ao catálogo da Netflix que acerta o mesmo tanto de vezes que erra – canalizando esforços relevantes para as personas e os atores, mas olvidando todos os outros aspectos que mereciam mais atenção do que realmente têm.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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