Assistido durante o Festival de Sundance 2022
Genioso e genial, talentoso e orgulhoso… entre essas e tantas outras antíteses há um Kanye West que nenhum veículo de imprensa ou paparazzi jamais conseguiu flagrar. Essa profundidade intimista e singular ficou única e exclusivamente rendida nas mãos de Coodie, um aspirante comediante de stand-up, que no auge dos anos 90, viu no papel de apresentador de TV a oportunidade que precisava para mostrar o seu talento cômico. Mas sua visão vanguardista de quem Ye poderia ser no futuro o levaram a abrir mão da estabilidade em prol de 20 anos carregando uma câmera, sempre registrando os passos de um artista novato, pouco levado a sério e sem o respeito da indústria fonográfica. E antes do mundo ver Kanye West como um dos homens mais poderosos do mundo, Coodie assim o enxergou duas décadas antes e faz do documentário jeen-yuhs uma das experiências mais prazerosas e completas dos últimos anos.
Aqui, embora esse documentário fosse de início um show de um homem só, Coodie contou com seu parceiro Chike para assinar a direção. Juntos, eles apresentam uma epifania documental poderosa, que relata os piores e melhores momentos de um dos artistas mais polêmicos e criativos da atualidade. Brincando com a fonologia da palavra “genius”, a trilogia documental já é uma peça original em seu próprio nome – que ainda flerta com a monstruosa habilidade artística que Ye sempre teve em criar rimas inusitadas, engraçadas e francas. E a partir do título da produção é natural que se espere uma masterclass de tudo: de obstinação à tretas, sempre mostrando as diversas facetas de um cara complexo demais para dimensionarmos em apenas 1h30 de filme.
E talvez seja por isso que jeen-yuhs nos seja apresentado como uma trilogia. A produção nos faz percorrer pelas mazelas de um homem muito rejeitado no início de sua carreira, nos leva para os átrios da sua doce, afetuosa e apaixonante relação com sua mãe, Donda West, e nos mostra a intensidade explosiva que lhe renderam uma reputação de ser alguém “difícil”. Mas nem isso ofusca o seu talento. Como um artista completo que genuinamente é, West é aquele que abrange o universo do rap, passando pelo freestyle, alcançando ainda o mundo da moda de alta costura. Empresário bem-sucedido em tudo que toca, ele nos é apresentado aqui como uma força da natureza – para o bem e para o mal -, capaz de transformar rimas e batidas em hinos que ecoam 20 anos depois de seu lançamento.
E Codie & Chike fazem dessa saga documental um deleite visual. Muito mais do que uma experiência imersiva na mente e na intimidade do homem e também do artista, jeen-yuhs é uma peça cinematográfica que solidifica o selo Netflix no gênero de documentários. Lindamente produzido e repleto de materiais originais impagáveis, o primeiro filme da trilogia ainda possui uma montagem poderosa, voraz e contagiante, que nos entrega – em seus primeiros 10 minutos – uma espiral maravilhosa, que certamente nos garantirá no sofá pelas próximas quatro horas que foram distribuídas em três longas. Orgânico e cru, a produção é uma jornada singular para os amantes do rap e hip-hip, que testemunham o instante em que hits como “Jesus Walks” e “All Falls Down” nascem, assim como também é um deleite para quem não abre mão de um bom documentário.
Como uma viagem inadvertida por um extenso túnel do tempo, já é possível adiantar que a trilogia documental é capaz de nos absorver e nos levar para um espaço-tempo completamente diferente e longínquo. Nos ajudando ainda a compreender quem é Kanye West para além de seus rumores, de seu casamento com Kim Kardashian e daqueles devaneios que lhe tornaram uma figura um tanto inconveniente, jeen-yuhs talvez seja o maior diário aberto de um artista que já veremos na história do entretenimento.
Vanguardista por ter nascido em um tempo onde todo o império de Ye apenas existia como um sonho de menino novo e nostálgico por celebrar artistas que hoje significam muito pouco para a indústria (embora fossem maiores que KW na época), a produção é uma peça rara da Netflix. Narrada em primeira pessoa por Coodie, jeen-yuhs é ainda uma belíssima carta de amor do diretor àquele garoto talentoso que nos anos 90 ele jamais pensou que se tornaria o seu melhor amigo e – futuramente – uma das pessoas mais influentes do mudo.