Katy Hudson pode não ser um nome extremamente conhecido na indústria musical, mas o alter-ego Katy Perry realmente é um dos mais conhecidos dos últimos anos e amadurece a cada ano que passa. Lançando seu primeiro álbum como Perry com ‘One of the Boys’ em 2008, a cantora já havia causado um rebuliço gigante ao lançar a música “Ur So Gay”, considerada homofóbica devido ao contraditório refrão, e “I Kissed a Girl”, que contrariava sua formação evangélica e levou grupos religiosos a condenarem a canção por “estimular a homossexualidade”. Desde então, ela alcançou a fama ao evoluir cada vez mais, fosse na construção de suas composições, fosse na forma como se apresentava ao seu gigantesco fandom – chegando até mesmo a ser elogiada pela lendária Madonna.
Entretanto, seu amadurecimento profissional não daria as caras até 2013, quando Perry voltou ao topo das paradas com ‘Prism’, seu quarto álbum de estúdio. O disco, apesar de ter seus óbvios deslizes, é um dançante e frenético electro-pop que, sem sombra de dúvida, agrada boa parte dos ouvintes, com múltiplos singles bastante competentes que abrem um espaço interessante para as habilidades vocais da artista. E talvez a principal sacada de sua mais nova obra tenha sido começar com uma ótima e prática música, intitulada “Roar”, na qual ela conversa com sua independência como mulher dentro de uma indústria comandada majoritariamente por homens – e que, em meio aos instrumentos convencionais, funciona em sua completude, com um espirituoso refrão.
É muito difícil não se apaixonar por algumas das faixas – e essa facilidade de envolvimento é justamente o que cria uma oscilação excessiva ao longo do álbum. Afinal, a segunda música, apesar de buscar por algo novo, respalda em uma formulaica música que seria relida com mais coesão: “Legendary Lovers” ganha pontos por seu pré-coro, com a entrada de uma proposital unidimensionalidade tanto da voz quanto do escopo instrumental, mas que se perde em meio a uma fusão de estilos. Essa mesma base, como supracitado, encontraria um lugar muito mais propício para se desenvolver em “Dark Horse”, cuja rebeldia é tão alta, que somos praticamente engolfados no sintético ritmo – e a condenável zona de conforto é jogada no lixo para algo novo e inesperado.
É certo dizer que ‘Prism’ se vale muito de uma abordagem mais comercial e dentro de uma bolha que cria. A mensagem é simples e tocante – sair de um lugar obscuro e encontrar a luz (não é à toa que o prisma de luz seja o mote material principal do disco). E conforme vamos entendendo as mensagens, músicas como “Ghost”, “Love Me” e “This Moment” acabam por funcionar mais do que deveriam. Porém, não podemos deixar de sentir que as canções que antecedem o grand finale parecem datadas e recicladas umas às outras, mantendo-se em uma linearidade que eventualmente nos cansa, apenas para nos encantar uma vez mais na conclusão do CD.
Todavia, tirar mérito de algumas pérolas que Perry nos entrega é um erro irreparável. Além de “Roar”, “Walking on Air” alcança um patamar extremamente alto que, mesmo com as entradas contemporâneas, nos arremessa de volta para o final dos anos 1980 e começo da década de 1990, com uma demarcação rítmica sedutora e que remete ao melhor do dance-pop – além de lançar referências para Whitney Houston e, de modo mais claro, à Madonna novamente (principalmente quando cita “Erotica”). Aqui, Klas Ahlund entra com seus maneirismos conhecidos, incluindo a construção de uma atmosfera onírica que dialoga diretamente com suas investidas ao falsete e aos deliciosos agudos.
O grande problema de Prism talvez seja sua falta de ousadia. Não podemos dizer que já não ouvimos os arranjos instrumentais em álbuns anteriores – e isso não teria o menor problema se não se repetisse na maior parte das músicas. De forma resumida, a maior parte das faixas começa do mesmo modo, preparando o terreno para um break que antecede o primeiro refrão, caminhando para o momento em que existe apenas a voz de Perry segundos antes da entrada-clímax. Em suma, é a própria Katy que salva os convencionalismos, seja segurando a nota, seja caminhando para um tom acima do que a track pede. Porém, a originalidade não existe em um âmbito palpável, o que tira o brilho do álbum, ainda que mantenha sua caracterização funcional.
Feliz e contraditoriamente, “Unconditionally” consegue usar a fórmula a seu favor e insurge como uma das melhores músicas do álbum. A poderosa construção inicia-se em um minimalismo esperado que explode inúmeras vezes com a chegada do refrão tríplice. O power pop faz uso de instrumentos novos, incluindo os tambores tribais que carregam consigo uma catártica potência. Porém, o que mais chama a atenção é a simplicidade da letra que contrasta com aquilo que Perry faz de melhor: nos levar em uma épica e epifânica jornada musical que apenas reafirma o peso de seu nome na indústria fonográfica.
A catarse retorna mais uma vez em outra conclusão que conversa em reverso com a música supracitada: em “By The Grace of God”, a cantora retorna às suas raízes e opta por um arranjo mais contido através do piano clássico, explodindo de forma comedida, mas nunca a ofuscar sua irretocável rendição e dizer finalmente a si mesma para erguer a cabeça e acreditar em seu potencial. A belíssima mensagem só ganha mais força pelos poderosos sintetizadores e pelos naturalistas tambores antes do último respiro.
‘Prism’ pode ser repetitivo e perder um pouco o fio da meada em seu miolo, mas representa um amadurecimento aplaudível para a jovem cantora – que, em pouquíssimo tempo, alcançara um status ainda maior daquele que já possui. E o que nos chama a atenção para o disco é a sua polarização: as músicas recicladas passam uma sensação de não finalização, mas as principais iterações são, sem exagero algum, extremamente épicas.
Nota por faixa:
- Roar – 4,5/5
- Legendary Lovers – 4/5
- Birthday – 3/5
- Walking on Air – 5/5
- Unconditionally – 5/5
- Dark Horse – 4/5
- This Is How We Do – 3,5/5
- International Smile – 3/5
- Ghost – 3,5/5
- Love Me – 3,5/5
- This Moment – 4/5
- Double Rainbow – 3,5/5
- By The Grace of God – 4,5/5