Um pouco diferente, mas muito igual
Existem três caminhos a serem seguidos na hora de confeccionar a continuação de um filme de sucesso, independente de seu gênero. O primeiro é se afastar totalmente do apresentado no filme original, o que pode dar muito certo – vide Rua, Cloverfield 10 (2016) – ou muito errado, vide Halloween III (1982). O segundo caminho é se manter fiel ao espírito original, mas expandir, acrescentando novos elementos – vide Batman, o Retorno (1992) e O Cavaleiro das Trevas (2008). O terceiro caminho é criar quase uma cópia carbono do seu antecessor, levando em conta o pensamento: “em time que está ganhando não se mexe”. Neste quesito está o filme em questão.
Kingsman: O Círculo Dourado reutiliza todos os elementos que deram certo no filme anterior, em muitos momentos soando quase como uma reedição – em especial tudo o que diz respeito ao vilão (ou vilã) e seu plano, tirando uma subtrama para encaixar outra, mas repetindo seu teor e até cenas completas. É a velha máxima de não querer espantar um fã sequer, ao mesmo tempo perdendo a oportunidade de adquirir novos.
No filme, que não tem muito espaço para cenas mais calmas de desenvolvimento e evolução de personagens, já nos jogando na ação desenfreada basicamente na primeira cena, Eggsy (Taron Egerton) é um agente da Kingsman em plena atividade. Se no primeiro as engrenagens giravam com a típica história de origem, na qual o jovem delinquente era treinado durante toda a projeção para se tornar um exímio agente secreto, nesta sequência, ele é o protagonista e um espião completo.
Na primeira cena, um ataque, seguido de um descuido, leva ao extermínio da agência secreta britânica, resultando inclusive em mortes de personagens significativos para a história. Assim, Eggsy precisa seguir pistas que o levarão direto para a trilha de Poppy, a nova vilã do pedaço, interpretada pela vencedora do Oscar Julianne Moore (Para Sempre Alice), CEO (e psicopata, os dois termos se mesclam numa das piadas do longa) da empresa Círculo Dourado, número 1 no mundo em sua especialidade, venda de todo tipo de droga. Da mesma forma que Samuel L. Jackson possuía um defeito de fala, vestimentas próprias e uma segurança com pernas cortantes, a vilã de Moore tem suas particularidades, como cães robôs, e um apreço quase fetichista pelos anos 1950, o que inclui sua atitude de dona de casa da época.
Para chegar até a vilã, no entanto, Eggsy e Merlin (Mark Strong) precisarão da ajuda dos primos norte-americanos do Statesman, um grupo de caubóis durões, cuja fachada é uma fábrica de bebidas alcoolicas (ao contrário da loja de alta costura britânica), e possui como principais integrantes o líder Champanhe (ou Champ), Whiskey, Tequila e a própria Q deste universo, Ginger Ale, todos nomes de bebidas, interpretados respectivamente por Jeff Bridges, Pedro Pascal, Channing Tatum e Halle Berry.
No local, os agentes descobrem também que Harry Hart (Colin Firth) está vivo – não é spoiler, pois está em todas as prévias. O mecanismo que confeccionam para trazê-lo novamente à história soa forçado e funciona mais como um recurso daqueles de quadrinhos no qual sabemos que nenhum personagem está de fato morto. Se remontássemos Kingsman 2 sem a presença de Firth na trama, apenas tapando alguns pequenos furinhos aqui e acolá, o filme funcionaria da mesma forma. O que torna a presença do vencedor do Oscar aqui, levemente desnecessária.
Os destaques ficam para alguns momentos voltados ao estilo clássico de humor, quando Eggsy vai conhecer os pais monarcas de sua noiva, a princesa Tilde, personagem da carismática e estonteante sueca Hanna Alström, que reprisa seu papel do original; para a presença de um certo astro da música pop britânica, que guarda alguns dos momentos mais engraçados do longa; os interessantes personagens de Pedro Pascal e Halle Berry (respectivamente as melhores adições na história, donos de mais camadas do que à primeira vista transparecem); as cenas certeiras envolvendo o presidente norte-americano (papel de Bruce Greenwood); e certos gracejos caricatos de Moore como a vilã.
O melhor dos filmes Kingsman são sempre os planos dos vilões, nos quais o diretor Matthew Vaughn exagera preocupações mundiais e as trata como sátira / crítica, vide superpopulação ou a guerra contra drogas.
Kingsman: O Círculo Dourado mistura filmes de super-heróis com o cinema de espiões, resultando num produto talvez acelerado demais para os mais velhos. O filme pega um pouco mais leve na ultraviolência que permeou o primeiro, mas continua a exibir cenas ousadas para uma produção voltada a uma censura não tão alta e para os jovens, destaque para a cena do localizador na vagina.
O Círculo Dourado perde parte do frescor de sua novidade, apostando em certa repetição para tornar o produto reconhecível aos fãs, vide a cena de luta no bar com Harry. Por fim, tudo isto faz da continuação uma obra voltada exclusivamente para o entretenimento. E no caso deste, um bem passageiro, que promete ter menos ressonância do que o original.