Kristen Wiig é um dos principais nomes da comédia no cenário contemporâneo do entretenimento – e conquistou inúmeros fãs com performances espetaculares no programa de esquetes ‘Saturday Night Live’, além de ter angariado uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original por seu aclamado trabalho em ‘Missão Madrinha de Casamento’ (considerado um dos melhores filmes do gênero deste século). Em 2024, Wiig voltou ao centro dos holofotes ao se reunir com a Apple TV+ para a série satírica ‘Palm Royale’, que chegou recentemente ao catálogo da plataforma de streaming e já se consagra como uma das incursões mais divertidas e honestas do ano.
Na trama, Maxine Dellacorte-Simmons (Wiig) é uma mulher que tenta, a todo custo, entrar para o glamour da alta-sociedade de Palm Beach, fazendo o possível e o impossível para se tornar membro do exclusivo clube Palm Royale – regado a bebidas, fofocas e a bailes extravagantes que representam a nata da burguesia norte-americana dos anos 1960. Sendo uma ex-participante de concursos de beleza e tendo se casado com o último herdeiro da família Dellacorte – um dos clãs mais respeitados desse restritivo mundo -, ela navega pelas atribulações do que significa ser uma mulher da high society, não importa quantas falsas amizades tenha de criar e quanto dinheiro (que ela não tem) tenha que desembolsar para alcançar seu sonho. E é nessa inesperada premissa que somos convidados para uma hilária jornada pautada essencialmente no humor ácido e na ironia social.
A minissérie, composta por dez episódios, foi criada por Abe Sylvia e entrega aquilo que promete. Temos uma ambientação idílica que serve de fachada para as mentiras e as falcatruas que se escondem em meio a piscinas exuberantes, drinques deliciosos e vestimentas caríssimas – uma temática que já vimos diversas vezes no cinema e na televisão, mas que, aqui, por mais que não traga tanta originalidade, é adornada com um carisma que não poderia ser mais bem encarnado por um elenco estelar e um comprometimento aplaudível com os personagens. Mais do que isso, Sylvia une esforços com um habilidoso time criativo para adaptar o romance ‘Mr. & Mrs. American Pie’, de Juliet McDaniel, em uma comédia de costumes de primeira mão em que cada persona emerge como um tipo social para servir de reflexo a uma comunidade hipócrita, impiedosa e egocêntrica.
Não se enganem: Maxine não é a “mocinha” da história; pelo contrário, ela é pintada com um ar sulista que a coloca sob o microscópio dos outros membros da elite local por não estar nos mesmos padrões. Todavia, sua personalidade única é apenas uma máscara que esconde suas verdadeiras intenções. Ela mal pode esperar para que a tia de seu marido, Norma (interpretada pela lendária Carol Burnett), finalmente faleça para que a herança deixada caia em suas mãos e ela desfrute dos privilégios que lhe foram negados a vida inteira – sendo obrigada a residir em um hotel e a surrupiar as joias da matriarca para fingir que tem o mínimo de dinheiro até ter acesso a uma fortuna imensurável. E, enquanto isso não acontece, Maxine descobre segredos sórdidos dos outros membros do clube para usá-los a seu favor.
Wiig está simplesmente fabulosa ao encarnar a protagonista e, de fato, entrega-se de corpo e alma a um dos melhores papéis de sua carreira, misturando drama e comédia em um mesmo lugar sem se valer de convencionalismos ou de exageros cansativos. A atriz divide os holofotes com nomes como Allison Janney, que reitera seu status como uma das maiores performers da atualidade ao viver Evelyn Rollins; Leslie Bibb voltando ao circuito televisivo dois anos depois de ter estrelado ‘God’s Favorite Idiot’ e trazendo Dinah Donohue às telinhas; e Ricky Martin em uma sensualidade apaixonante e divertida ao interpretar Robert Diaz, um ex-veterano de guerra que agora trabalha no Palm Royale e que, de fato, não suporta a presença de Maxine.
Considerando as costumeiras incursões de uma produção como essa, é óbvio que as investidas artísticas e técnicas trariam construções bem familiares aos espectadores, fosse na fotografia ou até mesmo na montagem. A série tem uma clara delineação entre a ostentação excessiva da alta-sociedade, com tons vibrantes de amarelo, azul e verde que antecipam toda a fanfarrice dos mais ricos e que pincelam o arco das personagens; em contraposição, há um movimento de emancipação das mulheres que entra em conflito com a elite e que tem como emblema Linda Shaw (vivida pela vencedora do Oscar Laura Dern), que, como podemos imaginar, cruza caminho com Maxine e percebe que ela está desiludida com uma utopia individualista inalcançável – e esse outro espectro é marcado por uma paleta mais pastel e mais palpável, afastando-se do onirismo do clube.
As engrenagens falham pontualmente, como na extensão de algumas cenas que poderiam ser mais bem arquitetadas ou pelo fato de, em certas ocasiões, o roteiro “jogar no seguro” e não abusar de um potencial magnífico. Porém, ‘Palm Royale’ sagra-se como uma burlesca e irresistível obra que nos fisga desde os primeiro segundos e que nos fazem querer devorar os episódios de uma só vez – aumentando o categórico nível das produções supervisionadas pela Apple TV+.