Chernobyl no Mar
Autor e diretor de um dos melhores filmes desta década (a obra-prima A Caça, 2012), o dinamarquês Thomas Vinterberg tem abraçado projetos mais ambiciosos, donos de grande escopo. Em 2015 lançou sua adaptação para o clássico literário de Thomas Hardy, Longe Deste Insensato Mundo (1967), protagonizado por Carey Mulligan e grande elenco. Agora, o cineasta retorna numa produção grandiosa e polêmica, que reconta os últimos dias trágicos da tripulação do submarino russo Kursk.
Ocorrido em 2000, o desastre foi iniciado após uma explosão acidental no interior da embarcação, que fazia uma viagem de treinamento. Mais de 100 marinheiros perderam a vida, e 23 lutaram cinco dias por sobrevivência, dando tudo de si, utilizando inteligência e os recursos que tinham enquanto esperavam pelo resgate. Assim como aconteceu em Chernobyl duas décadas antes, as autoridades recusavam assistência externa, e tentavam varrer tudo para debaixo do pano, com medo de que países como a Inglaterra e os EUA descobrissem seus segredos militares, uma vez no interior do navio.
A arte imitando a vida e vice versa, num eterno loop, viu o governo russo voltando atrás após ter confirmado a colaboração para este projeto cinematográfico. Assim, embora passado no território, o longa de Vinterberg não utilizou o país chave como locação, precisando se contentar com os vizinhos europeus. Outra ideia descartada foi a eliminação do então recém-presidente Vladimir Putin (no cargo há apenas 3 meses na época) do roteiro. Houve rumores de medo de uma possível retaliação, embora os envolvidos afirmem que o retrato do político seria mais que lisonjeiro no longa – mas o discurso do produtor Luc Besson garante que a intenção era pôr o foco no resgate e não na burocracia governamental.
Por este ser o quarto filme do diretor falado em inglês, foi cogitado um elenco americano, com rostos renomados no elenco – como Rachel McAdams, a primeira escolha para viver a protagonista feminina Tanya Averina. No final, diretor e produtores optaram por um elenco mais internacional, de nomes europeus, o que não diminui o grau de estrelato de seus atores. O belga Matthias Schoenarts protagoniza como o líder da embarcação, Mikhail. O britânico vencedor do Oscar Colin Firth, o sueco Max von Sydow e o alemão August Diehl seguem de perto em papeis coadjuvantes e pontuais para a trama. E a francesa Léa Seydoux abocanha com propriedade e faz bom uso da personagem que antes pertencia a McAdams, entregando alguns dos momentos mais emotivos da obra.
Vinterberg cria um thriller dramático eficiente, enfatizando os trechos tensos e sufocantes com maestria. Nos sentimentos enclausurados ao lado da tripulação, pensando junto com eles qual seria o próximo passo desta luta por ar e pela vida. Um dos segmentos mais impressionantes, que destaca o cineasta como contador de histórias chamativo, é a corrida pelos cartuchos – onde Schoenaerts e um colega nadam por uma sala alagada, prendendo o fôlego a fim de encontrar um “McGuffin” essencial para uma nova ponta de esperança. A filmagem desta cena é simplesmente fantástica.
Melhor do que esperávamos ou queiramos admitir, Kursk – A Última Missão é o relato mais fiel possível num filme denúncia, sobre quão pequenas são nossas vidas perto de uma agenda maior. Desastres que ficarão para sempre na história, mostrando feridas que talvez nunca cicatrizem enquanto as prioridades não forem a humanidade. Um filme necessário e identificável para qualquer país que lute contra mentiras e autoritarismo de seu governo.