quarta-feira , 25 dezembro , 2024

Crítica | Lana Del Rey reitera seu lendário status na música com o operístico ‘Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd’

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Desde sua estreia no cenário fonográfico, Lana Del Rey vinha cultivando uma imagem única que remava contra a efervescência do EDM e do pop no escopo mainstream. A partir de 2012, quando oficialmente adotou o alter-ego, a performer se consagrou como um pináculo da música melancólica, assinando canções como Born To Die e “Summertime Sadness”, que inclusive refletiam angústias inerentes ao ser humano e à nova geração que experienciava a transição entre a adolescência e a fase adulta em um efêmero mundo que tinha muito tanto a oferecer quanto a usurpar. A partir daí, ela ascendeu a uma carreira recheada de sucessos, alcançando seu ápice criativo com o aclamado Norman Fucking Rockwell!’, em 2019, abrindo portas para um amadurecimento que agora lidava com questões mais existenciais e que oscilava do estoicismo ao niilismo com naturalidade invejável.

Dois anos depois de sua última investida, Blue Banisters, Del Rey mostrou-se pronta para se aventurar em mais uma soturna e sinestésica jornada com ‘Did You Know That There’s A Tunnel Under Ocean Blvd’, seu nono compilado de originais que se reconhece como uma de suas melhores obras – e uma explosão lírica que nos arrepia desde as primeiras notas e nos acompanha em um traquejo narcótico até uma inenarrável conclusão. Talvez, depois de ter sido esnobada inúmeras vezes pelas principais premiações, Lana consiga quebrar uma inexplicável maldição que vem lhe acompanhando há muito tempo.



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Ao longo de dezesseis copiosas faixas, a artista prova que não se preocupa com a rapidez industrial que se apoderou da música nos últimos anos. Enfrentando um status quo cansativo que, volta e meia, consegue se desvencilhar das fórmulas, Del Rey não precisa de ajuda para caminhar por conta própria e faz o que bem entende – arquitetando narrativas literárias que perpassam diversos gêneros e borram as linhas entre múltiplas artes. Mais do que isso, ela aposta fichas em uma produção cinemática, aliando-se com seu colaborador de longa data, Jack Antonoff, e outros incríveis nomes para não nos presentear com um mero álbum, mas uma obra-prima e um state-of-art que a reitera como um dos símbolos do entretenimento atual. E essa constatação é respaldada logo com a primeira faixa, “The Grants”, uma ode gospel pincelada com a potência de um piano clássico e backing vocals que arrancam suspiros de puro prazer.

Assista também:
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A faixa em questão parte de um princípio mnemônico apaixonante e que presta homenagem à própria família, promovendo um movimento de convecção que mescla o passado e o presente em uma vibrante exaltação do significado da palavra “legado” – algo que ela conhece muito bem, considerando sua sólida contribuição para a indústria. E é notável como essa exploração memorialística é contínua no álbum, por mais que se desmembre em temas recorrentes em sua discografia e se desenrole em ramificações bem-vindas e instigantes. A canção titular, por exemplo, eleva a questão da memória para um futuro inóspito e agourento em que ela não deseja ser esquecida como o túnel que passa sob a Ocean Boulevard e precisa viver ao máximo cada um dos dias que passa.

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É notável como Lana mantém sua preferência pelo folk e pelo americana na cultivação das tracks – mas algo soa diferente. O supracitado piano clássico é o instrumento de maior motivação da cantora e compositora, transmutando-o a seu bel-prazer em inclinações mais otimistas ou mais obscuras ou mais dramáticas. A obra em si é uma celebração testamentária que não pode ser fragmentada e deve ser apreciada em sua completude – em “Candy Necklaces”, por exemplo, ela se alia ao poder saudosista de Jon Batiste, que empresta sua afinidade ao jazz e ao blues a uma teatral rendição e a uma convidativa e proposital dissonância; pouco depois, Batiste se apodera de seu próprio interlúdio, encontrando um ponto de apoio com “Judah Smith’s Interlude”. É como se Del Rey tomasse as rédeas de sua própria biografia, um filme sonoro que se desenovela com uma desenvoltura aplaudível e emocionante.

O destaque do álbum, sem sombra de dúvida, destina-se à “A&W”. A música, lançada como segundo single, ergue-se sobre uma estrutura indie-country melodramática, comungando com os belíssimos vocais abafados de Lana e sua intrínseca conexão com a arte que faz com tanto esmero. O enredo é centrado em uma profunda crítica aos estereótipos de gênero que ainda estão enraizados na sociedade – além de lançar-se a uma análise sociopolítica da vida das mulheres. E nada (repito, nada) poderia nos preparar para a brusca mudança do americana para um sensual trap-pop que traz o melhor de Del Rey à tona e nos relembra o motivo de termos nos apaixonado por ela tantos anos atrás.

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‘Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd’ é uma das melhores entradas da carreira de Lana Del Rey (que, sendo muito honesto, passa longe de ter alguma produção aquém do esperado) e uma grata adição a um exuberante catálogo de 2023. E, considerando as infinitas simbologias que esconde nas entrelinhas das canções, Lana construiu uma jornada sensorial que precisa se visitada mais de uma vez.

Nota por faixa:

1. The Grants – 5/5
2. Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd – 4,5/5
3. Sweet – 4,5/5
4. A&W – 5/5
5. Judah Smith Interlude – 4/5
6. Candy Necklace, feat. Jon Batiste – 5/5
7. Jon Batiste Interlude – 5/5
8. Kintsugi – 4,5/5
9. Fingertips – 4,5/5
10. Paris, Texas, feat. SYML – 5/5
11. Grandfather Please Stand on The Shoulders of My Father While He’s Deep-Sea Fishing, feat. Riopy – 5/5
12. Let the Light In, feat. Father John Misty – 5/5
13. Margaret, feat. Bleachers – 5/5
14. Fishtail – 4,5/5
15. Peppers, feat. Tommy Genesis – 5/5
16. Taco Truck x VB – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Desde sua estreia no cenário fonográfico, Lana Del Rey vinha cultivando uma imagem única que remava contra a efervescência do EDM e do pop no escopo mainstream. A partir de 2012, quando oficialmente adotou o alter-ego, a performer se consagrou como um pináculo da música melancólica, assinando canções como Born To Die e “Summertime Sadness”, que inclusive refletiam angústias inerentes ao ser humano e à nova geração que experienciava a transição entre a adolescência e a fase adulta em um efêmero mundo que tinha muito tanto a oferecer quanto a usurpar. A partir daí, ela ascendeu a uma carreira recheada de sucessos, alcançando seu ápice criativo com o aclamado Norman Fucking Rockwell!’, em 2019, abrindo portas para um amadurecimento que agora lidava com questões mais existenciais e que oscilava do estoicismo ao niilismo com naturalidade invejável.

Dois anos depois de sua última investida, Blue Banisters, Del Rey mostrou-se pronta para se aventurar em mais uma soturna e sinestésica jornada com ‘Did You Know That There’s A Tunnel Under Ocean Blvd’, seu nono compilado de originais que se reconhece como uma de suas melhores obras – e uma explosão lírica que nos arrepia desde as primeiras notas e nos acompanha em um traquejo narcótico até uma inenarrável conclusão. Talvez, depois de ter sido esnobada inúmeras vezes pelas principais premiações, Lana consiga quebrar uma inexplicável maldição que vem lhe acompanhando há muito tempo.

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Ao longo de dezesseis copiosas faixas, a artista prova que não se preocupa com a rapidez industrial que se apoderou da música nos últimos anos. Enfrentando um status quo cansativo que, volta e meia, consegue se desvencilhar das fórmulas, Del Rey não precisa de ajuda para caminhar por conta própria e faz o que bem entende – arquitetando narrativas literárias que perpassam diversos gêneros e borram as linhas entre múltiplas artes. Mais do que isso, ela aposta fichas em uma produção cinemática, aliando-se com seu colaborador de longa data, Jack Antonoff, e outros incríveis nomes para não nos presentear com um mero álbum, mas uma obra-prima e um state-of-art que a reitera como um dos símbolos do entretenimento atual. E essa constatação é respaldada logo com a primeira faixa, “The Grants”, uma ode gospel pincelada com a potência de um piano clássico e backing vocals que arrancam suspiros de puro prazer.

A faixa em questão parte de um princípio mnemônico apaixonante e que presta homenagem à própria família, promovendo um movimento de convecção que mescla o passado e o presente em uma vibrante exaltação do significado da palavra “legado” – algo que ela conhece muito bem, considerando sua sólida contribuição para a indústria. E é notável como essa exploração memorialística é contínua no álbum, por mais que se desmembre em temas recorrentes em sua discografia e se desenrole em ramificações bem-vindas e instigantes. A canção titular, por exemplo, eleva a questão da memória para um futuro inóspito e agourento em que ela não deseja ser esquecida como o túnel que passa sob a Ocean Boulevard e precisa viver ao máximo cada um dos dias que passa.

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É notável como Lana mantém sua preferência pelo folk e pelo americana na cultivação das tracks – mas algo soa diferente. O supracitado piano clássico é o instrumento de maior motivação da cantora e compositora, transmutando-o a seu bel-prazer em inclinações mais otimistas ou mais obscuras ou mais dramáticas. A obra em si é uma celebração testamentária que não pode ser fragmentada e deve ser apreciada em sua completude – em “Candy Necklaces”, por exemplo, ela se alia ao poder saudosista de Jon Batiste, que empresta sua afinidade ao jazz e ao blues a uma teatral rendição e a uma convidativa e proposital dissonância; pouco depois, Batiste se apodera de seu próprio interlúdio, encontrando um ponto de apoio com “Judah Smith’s Interlude”. É como se Del Rey tomasse as rédeas de sua própria biografia, um filme sonoro que se desenovela com uma desenvoltura aplaudível e emocionante.

O destaque do álbum, sem sombra de dúvida, destina-se à “A&W”. A música, lançada como segundo single, ergue-se sobre uma estrutura indie-country melodramática, comungando com os belíssimos vocais abafados de Lana e sua intrínseca conexão com a arte que faz com tanto esmero. O enredo é centrado em uma profunda crítica aos estereótipos de gênero que ainda estão enraizados na sociedade – além de lançar-se a uma análise sociopolítica da vida das mulheres. E nada (repito, nada) poderia nos preparar para a brusca mudança do americana para um sensual trap-pop que traz o melhor de Del Rey à tona e nos relembra o motivo de termos nos apaixonado por ela tantos anos atrás.

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‘Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd’ é uma das melhores entradas da carreira de Lana Del Rey (que, sendo muito honesto, passa longe de ter alguma produção aquém do esperado) e uma grata adição a um exuberante catálogo de 2023. E, considerando as infinitas simbologias que esconde nas entrelinhas das canções, Lana construiu uma jornada sensorial que precisa se visitada mais de uma vez.

Nota por faixa:

1. The Grants – 5/5
2. Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd – 4,5/5
3. Sweet – 4,5/5
4. A&W – 5/5
5. Judah Smith Interlude – 4/5
6. Candy Necklace, feat. Jon Batiste – 5/5
7. Jon Batiste Interlude – 5/5
8. Kintsugi – 4,5/5
9. Fingertips – 4,5/5
10. Paris, Texas, feat. SYML – 5/5
11. Grandfather Please Stand on The Shoulders of My Father While He’s Deep-Sea Fishing, feat. Riopy – 5/5
12. Let the Light In, feat. Father John Misty – 5/5
13. Margaret, feat. Bleachers – 5/5
14. Fishtail – 4,5/5
15. Peppers, feat. Tommy Genesis – 5/5
16. Taco Truck x VB – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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