Filme assistido durante o Festival de Sundance 2024
Observar a experiência humana contemporânea unicamente a partir do que vemos nas redes sociais poderia soar reducionista e simplista demais, não fosse essa a realidade em que vivemos. Em um tempo onde as impressões alheias do que postamos valem muito mais do que o caráter que possuímos, a vida parece se resumir a uma performance, à teatralidades que criamos para soarmos melhores, mais divertidos e mais bem resolvidos do que de fato somos. Toda essa complexa epifania tão frequentemente abordada na internet ganha uma reflexão mais inusitada em Love Me. Aqui, paira uma peculiar questão: E se após a dizimação da raça humana só sobrevivessem duas inteligências artificiais? Quais seriam suas percepções sobre o que é ter a “forma humana”?
Essa divagação tão aleatória se desabrocha como uma estranha história de amor entre duas tecnologias, um satélite e uma bóia à deriva. Sem qualquer compreensão do que de fato é ser humano, ambas recorrerão ao Instagram e ao YouTube para obter tais respostas. A ironia disso tudo está exatamente na plasticidade do que é o comportamento humano ali estampado. Enquanto as mídias sociais revelam personas – personagens que criamos para angariar likes e validação alheia, a vida real fora da internet nada se parece com a bela, eufórica e efusiva vida da influencer Deja (Kristen Stewart) e de seu noivo (Steven Yeun) – as únicas pessoas que as duas IAs possuem como referência do arquétipo de humanidade.
Com essa equivocada e distorcida visão do ser humano, somos tomados pelas mãos para uma inesperada catarse sobre identidade, realidade e virtualidade. Diante das incoerências e inconsistências que essa falsa apresentação se propõe a vender, conflitos existenciais passam a controlar os peculiares protagonistas desta comédia dramática, à medida em que eles buscam entender a essência da vida e de que forma se encaixam nela. E habitando formas diferentes ao longo da trama, Stewart e Yeun estranhamente navegam entre o romance, o companheirismo, a solidão e o existencialismo. E conforme tentam descobrir quem são diante da finitude da raça humana e da devastação da Terra, temáticas como o amor, a obsessão pela percepção alheia e as máscaras sociais que criamos para promover nossas vidas são trazidas para o centro do debate, convidando a audiência a ir além do entretenimento, em direção a uma experiência muito mais psicoemocional.
Mas talvez o maior problema do filme sejam suas extensas divagações. Entremeadas em seu ótimo humor, elas esticam a trama mais do que deveriam e tiram o tempo de tela de Stewart e Yeun, que brilham em performances intensas e marcantes. Dois atores tão expressivos acabam aparecendo menos do que suas versões avatares, em IA, o que tira uma parte da beleza e autenticidade da trama, deixando Love Me incompleto. E embora os diretores e roteiristas Sam Zuchero e Andy Zuchero tenham seu coração no lugar certo, a verdade é que Kristen e Steven são os verdadeiros faróis dessa jornada, guiando a audiência para o âmago de seus conflitos, medos e angústias. E é justamente por isso que eles mereciam muito mais tempo de tela do que de fato possuem.
Ainda assim, entre hiatos narrativos e uma certa lentidão que pode tornar a trama um pouco exaustiva para os mais impacientes, o longa da dupla Sam e Andy é de uma originalidade impressionante. Autêntico, com referências ao trabalho científico de Carl Sagan, Love Me é uma comédia existencialista ideal para os amantes de filmes reflexivos, que não se furtam da oportunidade de conferir algo mais experimental. Fugindo de uma estrutura de roteiro mais óbvia, a dramédia romântica é divertida, funciona em seu humor peculiar e estranho e de quebra nos tira da zona de conforto. De ritmo mais lento, mas astutamente executado a ponto de nos envolver por inteiro, o filme é uma vitrine apaixonante do leque artístico e performático de Stewart e Yeun, que se tornam vulneráveis uma vez mais pelo bem de uma excelente experiência cinematográfica.