sexta-feira , 20 dezembro , 2024

Crítica | Lovecraft Country – 01×03: Holy Ghost

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Lovecraft Country voltou com força nesta última semana com um salto temporal e uma entrada antológica bastante competente para o panteão idealizado por H.P. Lovecraft e revisitado com cautela por Matt Ruff. “Holy Ghost”, como ficou intitulado o terceiro episódio da temporada de estreia da produção, continuou a investir na tocante personalidade de nossos protagonistas, mas resolveu transferir com brevidade o foco para Letitia (Jurnee Smollett), que já havia dado alguns vislumbres de um passado marcado por traumas e por decisões erradas e que, agora, emerge como uma poderosa construção que nos encanta do começo ao fim.

A questão é que Misha Green, que ficou responsável por trazer a obra de Ruff à vida, parece não ter encontrado o persuasivo ritmo que nos apresentara no episódio piloto. Em comparação com a semana anterior, temos algumas ousadas escolhas estéticas que remetem a clássicos do terror – como ‘O Exorcista’ e até mesmo ‘Invocação do Mal’ – e, de certa forma, as reviravoltas frenéticas dão uma pausa em prol de delineações mais intimistas e que abram espaço para um drama familiar ambientado na década de 1950. Em meio às políticas segregacionistas que perfilavam a estrutura social dessa época, nota-se que as escolhas dos personagens principais se baseiam não apenas em suas criações, mas também na história que os acompanha – seja a Guerra da Coreia quando falamos de Atticus (Jonathan Majors), seja na perda de identidade cultural encarnada por Ruby (Wunmi Mosaku).



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De qualquer forma, esse aparato crítico e recheado de cenas belíssimas e instigantes é manchado por uma arquitetura antológica que não demonstra caber na perspectiva que Green queria nos passar. Assim como “Whitey’s on the Moon”, “Holy Ghost” apresenta uma série de eventos aglutinados em menos de uma hora de duração que não exibem o potencial desejado, preferindo limitar-se aos convencionalismos de gênero e algumas inflamações indesejadas que salpicam o pano de fundo. Em outras palavras, o espectro sobrenatural, que transforma o cenário em um personagem vivo, quase naturalista, mas que perde sua força em meio às outras tramas que insurgem – como o levante racista da comunidade em que vivem ou com a brutalidade policial que esconde segredos terríveis.

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Ao longo do episódio, percebe-se que Green infunde cada persona em um obscurantismo controverso: eles estão cientes do que os aguarda, mas ao mesmo tempo não estão. Leti usa a herança que sua falecida mãe deixou para comprar um gigantesco e puído casarão, transformando-o tanto em um lar para ela e para a irmã, Ruby (como forma de se reconectarem), quanto em um refúgio para negros que sofrem com constantes perseguição e massacre – atraindo olhares de vizinhos que querem botá-los para fora. Entretanto, enquanto esperam pacientemente que o barril de pólvora exploda, não têm ideia de que a casa serviu como um antro de experimentações comandado por um cientista supremacista – e que seu corpo, ao lado dos cadáveres de suas cobaias, estão enterrados em túneis secretos.

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Para além de uma mera espetacularização, o capítulo é recheado de sequências derradeiras e chocantes, mescladas com uma trilha sonora digna de aplausos que representa uma fugaz libertação por parte de Leti. Smollett mostra uma versatilidade incrível ao carregar o arco da jovem que interpreta por uma enlevada montanha-russa de emoções, que se inicia com a esperança de dias melhores e termina com o enfrentamento de seus demônios (literais e figurativos) quando vê uma cruz em chamas fincada em seu quintal – uma alusão extremamente clara e pungente à Ku Klux Klan e ao reino de terror que infligiram na comunidade afrodescendente. Como se não bastasse, ela reúne as últimas forças que têm para banir o espírito maligno do algoz de seu lar e para ajudar as almas presas nos amplos corredores a seguirem em frente.

Em outra esfera, percebe-se que certas inflexões servem mais como subterfúgios do que como seções atuantes para o desenvolvimento dos protagonistas e coadjuvantes: há a breve menção à morte de George (Courtney B. Vance) e o questionamento do que aconteceu em Ardham por uma apática Hippolyta (Aunjanue Ellis); temos o cintilante caso entre Atticus e Leti, que parece sair de lugar nenhum e chegar a nenhum lugar; e temos também o breve e esquecível embate entre Tic e seu recém-resgatado pai, Montrose (Michael K. Williams), que parece não aceitar que seu filho tomava como figura paternal seu irmão. Essas subtramas, apesar de bem-vindas em qualquer outro contexto, não se desenrolam como poderiam, não servindo nem mesmo como base para explorações futuras.

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Eventualmente, “Holy Ghost” mantém o nível de deleite sinestésico pelo qual nutrimos desde a estreia de Lovecraft Country, apesar de esbarrar em deslizes amadores e algumas pontas soltas que fragmentam o substancial teor fantástico da obra. Mais uma vez, o público se vê à mercê da química do elenco, de atuações gloriosas e de uma estética saudosista ao extremo para permanecer estimulado por essa nova aventura da HBO – e que, no final das contas, varrem os equívocos para debaixo do tapete da forma mais paliativa e categórica possível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Lovecraft Country voltou com força nesta última semana com um salto temporal e uma entrada antológica bastante competente para o panteão idealizado por H.P. Lovecraft e revisitado com cautela por Matt Ruff. “Holy Ghost”, como ficou intitulado o terceiro episódio da temporada de estreia da produção, continuou a investir na tocante personalidade de nossos protagonistas, mas resolveu transferir com brevidade o foco para Letitia (Jurnee Smollett), que já havia dado alguns vislumbres de um passado marcado por traumas e por decisões erradas e que, agora, emerge como uma poderosa construção que nos encanta do começo ao fim.

A questão é que Misha Green, que ficou responsável por trazer a obra de Ruff à vida, parece não ter encontrado o persuasivo ritmo que nos apresentara no episódio piloto. Em comparação com a semana anterior, temos algumas ousadas escolhas estéticas que remetem a clássicos do terror – como ‘O Exorcista’ e até mesmo ‘Invocação do Mal’ – e, de certa forma, as reviravoltas frenéticas dão uma pausa em prol de delineações mais intimistas e que abram espaço para um drama familiar ambientado na década de 1950. Em meio às políticas segregacionistas que perfilavam a estrutura social dessa época, nota-se que as escolhas dos personagens principais se baseiam não apenas em suas criações, mas também na história que os acompanha – seja a Guerra da Coreia quando falamos de Atticus (Jonathan Majors), seja na perda de identidade cultural encarnada por Ruby (Wunmi Mosaku).

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De qualquer forma, esse aparato crítico e recheado de cenas belíssimas e instigantes é manchado por uma arquitetura antológica que não demonstra caber na perspectiva que Green queria nos passar. Assim como “Whitey’s on the Moon”, “Holy Ghost” apresenta uma série de eventos aglutinados em menos de uma hora de duração que não exibem o potencial desejado, preferindo limitar-se aos convencionalismos de gênero e algumas inflamações indesejadas que salpicam o pano de fundo. Em outras palavras, o espectro sobrenatural, que transforma o cenário em um personagem vivo, quase naturalista, mas que perde sua força em meio às outras tramas que insurgem – como o levante racista da comunidade em que vivem ou com a brutalidade policial que esconde segredos terríveis.

Ao longo do episódio, percebe-se que Green infunde cada persona em um obscurantismo controverso: eles estão cientes do que os aguarda, mas ao mesmo tempo não estão. Leti usa a herança que sua falecida mãe deixou para comprar um gigantesco e puído casarão, transformando-o tanto em um lar para ela e para a irmã, Ruby (como forma de se reconectarem), quanto em um refúgio para negros que sofrem com constantes perseguição e massacre – atraindo olhares de vizinhos que querem botá-los para fora. Entretanto, enquanto esperam pacientemente que o barril de pólvora exploda, não têm ideia de que a casa serviu como um antro de experimentações comandado por um cientista supremacista – e que seu corpo, ao lado dos cadáveres de suas cobaias, estão enterrados em túneis secretos.

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Para além de uma mera espetacularização, o capítulo é recheado de sequências derradeiras e chocantes, mescladas com uma trilha sonora digna de aplausos que representa uma fugaz libertação por parte de Leti. Smollett mostra uma versatilidade incrível ao carregar o arco da jovem que interpreta por uma enlevada montanha-russa de emoções, que se inicia com a esperança de dias melhores e termina com o enfrentamento de seus demônios (literais e figurativos) quando vê uma cruz em chamas fincada em seu quintal – uma alusão extremamente clara e pungente à Ku Klux Klan e ao reino de terror que infligiram na comunidade afrodescendente. Como se não bastasse, ela reúne as últimas forças que têm para banir o espírito maligno do algoz de seu lar e para ajudar as almas presas nos amplos corredores a seguirem em frente.

Em outra esfera, percebe-se que certas inflexões servem mais como subterfúgios do que como seções atuantes para o desenvolvimento dos protagonistas e coadjuvantes: há a breve menção à morte de George (Courtney B. Vance) e o questionamento do que aconteceu em Ardham por uma apática Hippolyta (Aunjanue Ellis); temos o cintilante caso entre Atticus e Leti, que parece sair de lugar nenhum e chegar a nenhum lugar; e temos também o breve e esquecível embate entre Tic e seu recém-resgatado pai, Montrose (Michael K. Williams), que parece não aceitar que seu filho tomava como figura paternal seu irmão. Essas subtramas, apesar de bem-vindas em qualquer outro contexto, não se desenrolam como poderiam, não servindo nem mesmo como base para explorações futuras.

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Eventualmente, “Holy Ghost” mantém o nível de deleite sinestésico pelo qual nutrimos desde a estreia de Lovecraft Country, apesar de esbarrar em deslizes amadores e algumas pontas soltas que fragmentam o substancial teor fantástico da obra. Mais uma vez, o público se vê à mercê da química do elenco, de atuações gloriosas e de uma estética saudosista ao extremo para permanecer estimulado por essa nova aventura da HBO – e que, no final das contas, varrem os equívocos para debaixo do tapete da forma mais paliativa e categórica possível.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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