sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica | Madonna entrega um dos melhores álbuns da história com ‘Ray of Light’

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Depois de dar luz à sua primeira filha e seguindo o sólido lançamento de Bedtime Stories, Madonna já estava pronta para seguir para sua próxima empreitada na indústria fonográfica. E é claro que o mundo aguardaria ansiosamente para que a rainha do pop, já bem estabelecida na esfera mainstream e tendo aberto portas para suas conterrâneas de uma forma nunca antes vista, voltasse ao topo do mundo mais uma vez.

Apesar de ter iniciado sua carreira nos primeiros anos de 1980, a década seguinte se provou bastante prolífica para Madonna. Depois de declarar seu amor e seu apoio para a comunidade LGBTQ+ ao reapropriar-se do estilo de dança vogue com as melhores intenções possíveis, a cantora e compositora provou estar em outro patamar artístico que não conhecia limites e que não se prendia ao que se esperaria de uma sociedade conservadora, homofóbica, segregativa e machista. Com Erotica, ela havia quebrado tabus de gênero e idolatrado seu próprio corpo sem quaisquer desculpas, enfrentando um de seus primeiros grandes backlashes e sendo tachada de revolucionária anos depois; com Bedtime Stories, o recuo para o R&B foi uma bela máscara para criticar aqueles que vieram atacá-la; mas e a agora? O que o futuro aguardava para a performer?



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Depois de incursões fracassadas com Babyface e Patrick Leonard, este último já tendo colaborado em True Blue, Madonna resolveu dar uma repaginada em seu visual fonográfico. Mantendo sua reputação de “camaleão”, bastante adaptável a basicamente quaisquer tendências que surgiam ao redor do mundo, ela se aliou a William Orbit, um dos maiores produtores de todos os tempos, para introduzir um novo elemento à sua discografia: o intelligence dance music (IDM). Ao contrário do EDM, que prezo por dançantes construções instrumentais, o estilo IDM é adepto ao minimalismo, à irreverência e à sinestesia melancólica, optando por progressões que devem ser ouvidas em ambientas mais familiares e reflexivos, dentro de um prospecto quase espiritual. E foi a partir daí que surgiu Ray of Light.

Considerado por muitos, inclusive por esse que vos fala, como o melhor álbum da rainha do pop, Ray of Light foi lançado em 1998 e representa um dos ápices do fin-du-siècle. O sucesso do CD foi tamanho que Madonna foi indicada a nada menos que seis categorias do Grammy Awards, levando para casa quatro estatuetas (as primeiras nas categorias musicais de Madonna); mais do que isso, a obra carrega um legado tão extenso quanto Like a Prayer, lançado em 1989, e, segundo a própria artista, é uma de suas evoluções mais satisfatórias. E não é por menos: em um momento em que as boybands e os girlgroups ganhavam força, e com a insurgência de nomes como Christina Aguilera e Britney Spears no cenário adolescente, Madonna precisava manter-se ativa e, depois de seu sétimo lançamento de estúdio, credita-se a ela a globalização da música eletrônica, que, até então, restringia-se às inventivas inflexões europeias.

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Do mesmo modo que introduziu o dub à atmosfera noventista em sua produção anterior, a performer fez o mesmo com o trip hop e com o house dance, misturando poderosas letras às culturas orientais que vinham pincelando sua personalidade há alguns anos. Não é surpresa que, ao longo de treze faixas impecáveis, o público é presenteado com algo bastante diferente do que ela já havia mostrado: afastando-se por completo da mercadológica pós-disco “Borderline”, de seu “Act of Contrition” e até mesmo da agridoce “Secret”, Madonna abriu espaço para um compilado de originais chocantes e convidativas. No geral, Ray of Light rende-se ao épico orquestral do techno-pop, implicando elementos considerados “fora do contexto” a um universo único, marcado pelas delineações pós-apocalíptica de “Drowned World/Substitute for Love”, pela espiritualidade de “Swim”, pelo synth-grunge de “Candy Perfume Girl”.

A primeira forte influência do electro-dance aparece na propositalmente dissonante “Skin”, uma rendição dark que resgata a utilização dos sintetizadores em construções que premeditariam o EDM dos anos 2000. O anseio da artista em se provar necessária no panorama da época é, de fato, a força-motriz que garante estabilidade e coesão para cada track – e, na verdade, ela não precisaria de muito para entregar mais uma joia fonográfica. O principal fator que permite a construção de laços entre os ouvintes e as canções exibidas é, talvez, a mudança vocal da lead singer: diferente do soubrette explorado em “Like a Virgin” e o comodismo pop de “Express Yourself”, percebe-se que Madonna alcança uma tecedura apaixonante, cultivada ainda em ‘Evita’ e trazida para uma das maiores arquiteturas musicais de todos os tempos. “Nothing Really Matters” explora isso em todas as suas camadas, ainda mais por ser acompanhado por pinceladas instrumentais divertidas e envolventes.

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É um fato dizer que Ray of Light serviria de base a todas as outras investidas da performer, incluindo Music e o recente Madame X. Madonna, como nenhuma outra artista de sua época, baseava-se bastante em sua história para permanecer viva na cultura mainstream e nunca deixava de mencionar a si mesma em cada construção. Versada numa poesia única que reflete a grandiosidade de peças como a upbeat “Sky Fits Heaven” e a evocativa “Shanti/Ashtangi”, ela mostra que não se preocupa com o que os outros pensam de sua arte: ela está ali para colocá-la em boa vista, doa a quem doer.

Retomando os solilóquios amorosos, a cantora leva a paixão para o espectro indiano de “Frozen”, uma das melhores canções de sua carreira; guia-nos através do consumismo exacerbado e da falta de perspectiva do mundo na faixa-título, fazendo um apelo para que as pessoas apreciem as pequenas coisas da vida; joga-se na teatralidade sintética e na acre sensação de um coração partido com a irretocável “The Power of Good-Bye”; eventualmente, não há uma música que destoe do que Madonna pretende nos entregar – e essa cautela explosiva e ambiciosa é o que coloca este provocativo álbum na lista dos melhores não só da década de 1990, mas da história.

Nota por faixa:

  • Drowned World/Substitute Love – 4,5/5
  • Swim – 5/5
  • Ray of Light – 5/5
  • Candy Perfume Girl – 5/5
  • Skin – 5/5
  • Nothing Really Matters – 4,5/5
  • Sky Fits Heaven – 5/5
  • Shanti/Ashtangi – 5/5
  • Frozen – 5/5
  • The Power of Good-Bye – 5/5
  • To Have and Not to Hold – 4,5/5
  • Little Star – 4,5/5
  • Mer Girl – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Apesar de ter iniciado sua carreira nos primeiros anos de 1980, a década seguinte se provou bastante prolífica para Madonna. Depois de declarar seu amor e seu apoio para a comunidade LGBTQ+ ao reapropriar-se do estilo de dança vogue com as melhores intenções possíveis, a cantora e compositora provou estar em outro patamar artístico que não conhecia limites e que não se prendia ao que se esperaria de uma sociedade conservadora, homofóbica, segregativa e machista. Com Erotica, ela havia quebrado tabus de gênero e idolatrado seu próprio corpo sem quaisquer desculpas, enfrentando um de seus primeiros grandes backlashes e sendo tachada de revolucionária anos depois; com Bedtime Stories, o recuo para o R&B foi uma bela máscara para criticar aqueles que vieram atacá-la; mas e a agora? O que o futuro aguardava para a performer?

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Depois de incursões fracassadas com Babyface e Patrick Leonard, este último já tendo colaborado em True Blue, Madonna resolveu dar uma repaginada em seu visual fonográfico. Mantendo sua reputação de “camaleão”, bastante adaptável a basicamente quaisquer tendências que surgiam ao redor do mundo, ela se aliou a William Orbit, um dos maiores produtores de todos os tempos, para introduzir um novo elemento à sua discografia: o intelligence dance music (IDM). Ao contrário do EDM, que prezo por dançantes construções instrumentais, o estilo IDM é adepto ao minimalismo, à irreverência e à sinestesia melancólica, optando por progressões que devem ser ouvidas em ambientas mais familiares e reflexivos, dentro de um prospecto quase espiritual. E foi a partir daí que surgiu Ray of Light.

Considerado por muitos, inclusive por esse que vos fala, como o melhor álbum da rainha do pop, Ray of Light foi lançado em 1998 e representa um dos ápices do fin-du-siècle. O sucesso do CD foi tamanho que Madonna foi indicada a nada menos que seis categorias do Grammy Awards, levando para casa quatro estatuetas (as primeiras nas categorias musicais de Madonna); mais do que isso, a obra carrega um legado tão extenso quanto Like a Prayer, lançado em 1989, e, segundo a própria artista, é uma de suas evoluções mais satisfatórias. E não é por menos: em um momento em que as boybands e os girlgroups ganhavam força, e com a insurgência de nomes como Christina Aguilera e Britney Spears no cenário adolescente, Madonna precisava manter-se ativa e, depois de seu sétimo lançamento de estúdio, credita-se a ela a globalização da música eletrônica, que, até então, restringia-se às inventivas inflexões europeias.

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Do mesmo modo que introduziu o dub à atmosfera noventista em sua produção anterior, a performer fez o mesmo com o trip hop e com o house dance, misturando poderosas letras às culturas orientais que vinham pincelando sua personalidade há alguns anos. Não é surpresa que, ao longo de treze faixas impecáveis, o público é presenteado com algo bastante diferente do que ela já havia mostrado: afastando-se por completo da mercadológica pós-disco “Borderline”, de seu “Act of Contrition” e até mesmo da agridoce “Secret”, Madonna abriu espaço para um compilado de originais chocantes e convidativas. No geral, Ray of Light rende-se ao épico orquestral do techno-pop, implicando elementos considerados “fora do contexto” a um universo único, marcado pelas delineações pós-apocalíptica de “Drowned World/Substitute for Love”, pela espiritualidade de “Swim”, pelo synth-grunge de “Candy Perfume Girl”.

A primeira forte influência do electro-dance aparece na propositalmente dissonante “Skin”, uma rendição dark que resgata a utilização dos sintetizadores em construções que premeditariam o EDM dos anos 2000. O anseio da artista em se provar necessária no panorama da época é, de fato, a força-motriz que garante estabilidade e coesão para cada track – e, na verdade, ela não precisaria de muito para entregar mais uma joia fonográfica. O principal fator que permite a construção de laços entre os ouvintes e as canções exibidas é, talvez, a mudança vocal da lead singer: diferente do soubrette explorado em “Like a Virgin” e o comodismo pop de “Express Yourself”, percebe-se que Madonna alcança uma tecedura apaixonante, cultivada ainda em ‘Evita’ e trazida para uma das maiores arquiteturas musicais de todos os tempos. “Nothing Really Matters” explora isso em todas as suas camadas, ainda mais por ser acompanhado por pinceladas instrumentais divertidas e envolventes.

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É um fato dizer que Ray of Light serviria de base a todas as outras investidas da performer, incluindo Music e o recente Madame X. Madonna, como nenhuma outra artista de sua época, baseava-se bastante em sua história para permanecer viva na cultura mainstream e nunca deixava de mencionar a si mesma em cada construção. Versada numa poesia única que reflete a grandiosidade de peças como a upbeat “Sky Fits Heaven” e a evocativa “Shanti/Ashtangi”, ela mostra que não se preocupa com o que os outros pensam de sua arte: ela está ali para colocá-la em boa vista, doa a quem doer.

Retomando os solilóquios amorosos, a cantora leva a paixão para o espectro indiano de “Frozen”, uma das melhores canções de sua carreira; guia-nos através do consumismo exacerbado e da falta de perspectiva do mundo na faixa-título, fazendo um apelo para que as pessoas apreciem as pequenas coisas da vida; joga-se na teatralidade sintética e na acre sensação de um coração partido com a irretocável “The Power of Good-Bye”; eventualmente, não há uma música que destoe do que Madonna pretende nos entregar – e essa cautela explosiva e ambiciosa é o que coloca este provocativo álbum na lista dos melhores não só da década de 1990, mas da história.

Nota por faixa:

  • Drowned World/Substitute Love – 4,5/5
  • Swim – 5/5
  • Ray of Light – 5/5
  • Candy Perfume Girl – 5/5
  • Skin – 5/5
  • Nothing Really Matters – 4,5/5
  • Sky Fits Heaven – 5/5
  • Shanti/Ashtangi – 5/5
  • Frozen – 5/5
  • The Power of Good-Bye – 5/5
  • To Have and Not to Hold – 4,5/5
  • Little Star – 4,5/5
  • Mer Girl – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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