domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Maligno – O filme de terror mais surpreendente do ano

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Seja em qualquer mídia, é sempre delicado ou até pedante apontar um autor como o maior expoente de um gênero, mesmo num recorte específico de tempo ou proposta definida. No que se refere então a vertente do terror, a coisa pega ainda mais, e não apenas pelos apreciadores tratarem o seguimento como uma espécie de religião, mas também pela enorme e multifacetada cinematografia existente ao redor do mundo. No entanto nomes como Alfred Hitchcock (Psicose), John Carpenter (Halloween), Dario Argento (Suspiria), entre tantos outros, são exemplos de cineastas incríveis que sempre carregaram a pecha de mestres do horror. Muito porque definiram como as futuras produções iriam seguir, concebendo assim estruturas e formulas que funcionariam por outro viés artístico, além de mostrarem novas ideias com particularidades genuínas.

Mas não para por aí, sempre aparece gente nova que chega para chacoalhar a indústria e dar novos contornos àquilo que parece imutável. Quem viveu a década de 2000 lembra do alvoroço causado por M. Night Shyamalan, depois de entregar, seguidamente, filmes incríveis como ‘O Sexto Sentido’ (1999), ‘Corpo Fechado’ (2001), ‘Sinais’ (2002) e ‘A Vila’ (2004). E voltando ao panorama atual, é também admirável e inquestionável o trabalho de diretores como Robert Eggers (A Bruxa), Jordan Peele (Corra) e Ari Aster (Hereditário) – que representam estúdios importantes dentro do meio, vide A24 e Blumhouse. Podemos citar também os cenários da Ásia e da Europa, que seguem produzindo incessantemente, de maneira independente ou não, obras únicas e inventivas.



De modo que precisamos falar de James Wan como uma figura singular em meio a produção americana dos filmes de terror. Não existe mais espaço para questionamentos, o realizador mostra, com um sucesso atrás do outro, que hoje é o grande nome da indústria voltada ao gênero. E não apenas no sentido de capitalizar o seu trabalho, pois, como já sabemos, bons resultados em bilheteria nunca foi sinônimo exato de qualidade – ainda que ambos os aspectos possam caminhar juntos. E é justamente isso que acontece com o Wan, que pode ser chamado de Rei Midas (tudo que toca vira ouro) e ao mesmo tempo considerado um cineasta de mão cheia, que domina, como poucos, aquilo que faz.

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Nada obstante, o malaio também dispõe de uma criatividade invejável a ponto de se renovar constantemente. Primeiro com ‘Jogos Mortais’ (2005), que deixou todos atônitos pelo conceito angustiante e o final inusitado. Depois por ‘Sobrenatural’ (2011) ressignificar, em Hollywood, através de espíritos e figuras demoníacas, o imaginário do incógnito plano espiritual. E finalmente pela importância de ‘Invocação do Mal’ (2013) em apresentar o estudo terreno das forças ocultas utilizando o casal de demonologistas Ed & Lorraine Warren. Todos estes são títulos reconhecidamente bem avaliados, tanto por parte da crítica especializada quanto pelo público em geral. Não à toa se tornaram franquias de grande sucesso, rendendo diversas continuações e spin-offs.

Após se aventurar pelo cinema de ação, obtendo um êxito financeiro ainda maior, com os blockbusters ‘Velozes e Furiosos 7’ (2015) e ‘Aquaman’ (2018) que ultrapassaram a marca de um bilhão de dólares, James Wan confessa que queria voltar às suas origens e fazer uma produção independente. A ideia era criar um filme de horror livre das amarras dos grandes estúdios, onde pudesse explorar temas mais densos e trabalhar com o gore como há muito não fazia; ele queria criar algo diferente e ao mesmo tempo homenagear um movimento do terror europeu pouco abordado na indústria americana, do qual ele tem muito apreço, os chamados filmes giallo. Obras bastante expressivas visualmente que abordam casos de assassinos em série e eram, essencialmente, feitas na Itália, por cineastas como Mario Bavo (Banho de Sangue), Lucio Fulci (O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos) e o próprio Argento (Prelúdio Para Matar), e viraram fonte de inspiração para os slashers Sexta-Feira 13 (1980) e Halloween (1978).

Confira nossa matéria especial sobre os filmes giallo.

E foi assim que nasceu ‘Maligno’, o mais recente trabalho de James Wan, capaz de aglutinar todas essas características sem nunca parecer artificialmente montado para tal finalidade. Aliás, é importante salientar que, de certo modo, o material de divulgação a respeito do filme ajudou imensamente na experiência e sensação de assisti-lo. Isto porque não é exatamente adequado afirmar que a equipe de marketing acertou em cheio porque tudo aquilo no qual trabalharam e divulgaram, em nenhum momento, tem a ver com o longa ou consegue transmitir o que o espectador vai conferir em tela. Dito isso, fica o aviso: corra de futuros spoilers, pois, acredite, sua experiência poderá ser comprometida após a revelação de algo que move a trama.

Enredo que tem como centro das atenções a psicóloga Madison Mitchell, interpretada por Annabelle Wallis que confere um ar de fragilidade e mistério necessário para que tudo funcione como deve ser. Madison que, após uma série de eventos brutais, começa a ter pesadelos horríveis dos quais basicamente presencia pessoas sendo brutalmente assassinadas. No entanto, após notar que uma série de crimes está acontecendo em sua cidade, exatamente como nos sonhos, percebe que os assassinatos estão conectados a uma espécie de entidade do seu passado. Para saber o que está acontecendo e descobrir afinal quem é o assassino, Madison vai ter que ir a procura de sua verdadeira origem e enfrentar antigos traumas. Sua irmã mais nova, Sidney Lake (Maddie Hasson), e a dupla de detetives Kekoa Shaw (George Young) e Regina Moss (Michole Briana White) seguem a linha de investigação que aponta para um misterioso serial killer.

E é só isso que você precisa saber a respeito dessa história, pois, a partir daí, James Wan constrói um filme giallo a sua maneira, ainda que tome emprestado vários elementos narrativos, temáticos e principalmente visuais do estilo. Digo isto porque, acima de tudo, ‘Maligno‘ tem uma estética própria, com paletas de cores definidas e vibrantes, onde o vermelho do sangue e o preto da escuridão se contrastam criando uma atmosfera opressiva. O roteiro possui uma pegada detetivesca característica, tal qual os giallos já citados, caminhando em cima do suspense constante, e mesmo que aqui e ali exiba alguns diálogos expositivos, jamais entrega respostas fáceis até a hora da revelação que oferece à trama novos contornos. Agora sim podemos cravar que este é, sem dúvidas, o momento mais surpreendente do cinema de horror esse ano. Devendo causar o mesmo choque da cena final do já mencionado Jogos Mortais.

Obviamente nada disso teria o mesmo impacto se o diretor não tivesse dedicado cada momento e intenção para o ápice. Ao dizer isso não quero dar a entender que ‘Maligno‘ funcione apenas pelo seu grande segredo, já que a trama e todo clima de mistério são interessantes suficientes para manter o espectador ligado, além do apelo estético já destacado que deve agradar os amantes do gênero. Porém, após sabermos de toda verdade, o filme ganha dimensões que jamais imaginávamos. Vários elementos como personagens e acontecimentos passam a ter um peso ainda maior, bem como no surpreendente ‘O Sexto Sentido’, que após sabermos a verdadeira realidade do personagem vivido por Bruce Willis, começamos a ter novas interpretações sem que o filme perca sua força narrativa, mesmo revisto.

Outros aspectos mais técnicos até chamam atenção como a esplendida concepção de planos de James Wan, sempre inteligentes e com o propósito de expressar algo necessário para a cena, tal qual seus movimentos de câmera dinâmicos e criativos, com destaque para aquela tomada que acompanhamos a Madison caminhar pela casa através de uma visão panorâmica sem cortes. Ou mesmo pela trilha sonora do seu habitual parceiro, Joseph Bishara, nos gelar a alma por resgatar a intenção do tema utilizado nos clássicos do vilão Jason Voorhees. Contudo, não tem jeito, o grande mérito de Maligno está na sacada absolutamente fora da curva – que, no máximo, consigo linkar com ‘Beyond Two Souls’ (2013), jogo exclusivo do PlayStation 3. A ideia que foge do trivial surgiu de um caso real trazido pela atriz Ingrid Bisu, esposa de Wan, que numa conversa com o marido comentou a respeito do fato em questão e deixou o sujeito maluco. Bisu, que também assina o argumento, acalentou essa história e retrabalhou no roteiro junto a Akela Cooper e o próprio Wan. O trio concebeu um filme original, aterrorizante e engenhoso. Esperamos então que essa troca possa se repetir, pois a sequência de Maligno parece telegrafada.

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Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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Mas não para por aí, sempre aparece gente nova que chega para chacoalhar a indústria e dar novos contornos àquilo que parece imutável. Quem viveu a década de 2000 lembra do alvoroço causado por M. Night Shyamalan, depois de entregar, seguidamente, filmes incríveis como ‘O Sexto Sentido’ (1999), ‘Corpo Fechado’ (2001), ‘Sinais’ (2002) e ‘A Vila’ (2004). E voltando ao panorama atual, é também admirável e inquestionável o trabalho de diretores como Robert Eggers (A Bruxa), Jordan Peele (Corra) e Ari Aster (Hereditário) – que representam estúdios importantes dentro do meio, vide A24 e Blumhouse. Podemos citar também os cenários da Ásia e da Europa, que seguem produzindo incessantemente, de maneira independente ou não, obras únicas e inventivas.

De modo que precisamos falar de James Wan como uma figura singular em meio a produção americana dos filmes de terror. Não existe mais espaço para questionamentos, o realizador mostra, com um sucesso atrás do outro, que hoje é o grande nome da indústria voltada ao gênero. E não apenas no sentido de capitalizar o seu trabalho, pois, como já sabemos, bons resultados em bilheteria nunca foi sinônimo exato de qualidade – ainda que ambos os aspectos possam caminhar juntos. E é justamente isso que acontece com o Wan, que pode ser chamado de Rei Midas (tudo que toca vira ouro) e ao mesmo tempo considerado um cineasta de mão cheia, que domina, como poucos, aquilo que faz.

Nada obstante, o malaio também dispõe de uma criatividade invejável a ponto de se renovar constantemente. Primeiro com ‘Jogos Mortais’ (2005), que deixou todos atônitos pelo conceito angustiante e o final inusitado. Depois por ‘Sobrenatural’ (2011) ressignificar, em Hollywood, através de espíritos e figuras demoníacas, o imaginário do incógnito plano espiritual. E finalmente pela importância de ‘Invocação do Mal’ (2013) em apresentar o estudo terreno das forças ocultas utilizando o casal de demonologistas Ed & Lorraine Warren. Todos estes são títulos reconhecidamente bem avaliados, tanto por parte da crítica especializada quanto pelo público em geral. Não à toa se tornaram franquias de grande sucesso, rendendo diversas continuações e spin-offs.

Após se aventurar pelo cinema de ação, obtendo um êxito financeiro ainda maior, com os blockbusters ‘Velozes e Furiosos 7’ (2015) e ‘Aquaman’ (2018) que ultrapassaram a marca de um bilhão de dólares, James Wan confessa que queria voltar às suas origens e fazer uma produção independente. A ideia era criar um filme de horror livre das amarras dos grandes estúdios, onde pudesse explorar temas mais densos e trabalhar com o gore como há muito não fazia; ele queria criar algo diferente e ao mesmo tempo homenagear um movimento do terror europeu pouco abordado na indústria americana, do qual ele tem muito apreço, os chamados filmes giallo. Obras bastante expressivas visualmente que abordam casos de assassinos em série e eram, essencialmente, feitas na Itália, por cineastas como Mario Bavo (Banho de Sangue), Lucio Fulci (O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos) e o próprio Argento (Prelúdio Para Matar), e viraram fonte de inspiração para os slashers Sexta-Feira 13 (1980) e Halloween (1978).

Confira nossa matéria especial sobre os filmes giallo.

E foi assim que nasceu ‘Maligno’, o mais recente trabalho de James Wan, capaz de aglutinar todas essas características sem nunca parecer artificialmente montado para tal finalidade. Aliás, é importante salientar que, de certo modo, o material de divulgação a respeito do filme ajudou imensamente na experiência e sensação de assisti-lo. Isto porque não é exatamente adequado afirmar que a equipe de marketing acertou em cheio porque tudo aquilo no qual trabalharam e divulgaram, em nenhum momento, tem a ver com o longa ou consegue transmitir o que o espectador vai conferir em tela. Dito isso, fica o aviso: corra de futuros spoilers, pois, acredite, sua experiência poderá ser comprometida após a revelação de algo que move a trama.

Enredo que tem como centro das atenções a psicóloga Madison Mitchell, interpretada por Annabelle Wallis que confere um ar de fragilidade e mistério necessário para que tudo funcione como deve ser. Madison que, após uma série de eventos brutais, começa a ter pesadelos horríveis dos quais basicamente presencia pessoas sendo brutalmente assassinadas. No entanto, após notar que uma série de crimes está acontecendo em sua cidade, exatamente como nos sonhos, percebe que os assassinatos estão conectados a uma espécie de entidade do seu passado. Para saber o que está acontecendo e descobrir afinal quem é o assassino, Madison vai ter que ir a procura de sua verdadeira origem e enfrentar antigos traumas. Sua irmã mais nova, Sidney Lake (Maddie Hasson), e a dupla de detetives Kekoa Shaw (George Young) e Regina Moss (Michole Briana White) seguem a linha de investigação que aponta para um misterioso serial killer.

E é só isso que você precisa saber a respeito dessa história, pois, a partir daí, James Wan constrói um filme giallo a sua maneira, ainda que tome emprestado vários elementos narrativos, temáticos e principalmente visuais do estilo. Digo isto porque, acima de tudo, ‘Maligno‘ tem uma estética própria, com paletas de cores definidas e vibrantes, onde o vermelho do sangue e o preto da escuridão se contrastam criando uma atmosfera opressiva. O roteiro possui uma pegada detetivesca característica, tal qual os giallos já citados, caminhando em cima do suspense constante, e mesmo que aqui e ali exiba alguns diálogos expositivos, jamais entrega respostas fáceis até a hora da revelação que oferece à trama novos contornos. Agora sim podemos cravar que este é, sem dúvidas, o momento mais surpreendente do cinema de horror esse ano. Devendo causar o mesmo choque da cena final do já mencionado Jogos Mortais.

Obviamente nada disso teria o mesmo impacto se o diretor não tivesse dedicado cada momento e intenção para o ápice. Ao dizer isso não quero dar a entender que ‘Maligno‘ funcione apenas pelo seu grande segredo, já que a trama e todo clima de mistério são interessantes suficientes para manter o espectador ligado, além do apelo estético já destacado que deve agradar os amantes do gênero. Porém, após sabermos de toda verdade, o filme ganha dimensões que jamais imaginávamos. Vários elementos como personagens e acontecimentos passam a ter um peso ainda maior, bem como no surpreendente ‘O Sexto Sentido’, que após sabermos a verdadeira realidade do personagem vivido por Bruce Willis, começamos a ter novas interpretações sem que o filme perca sua força narrativa, mesmo revisto.

Outros aspectos mais técnicos até chamam atenção como a esplendida concepção de planos de James Wan, sempre inteligentes e com o propósito de expressar algo necessário para a cena, tal qual seus movimentos de câmera dinâmicos e criativos, com destaque para aquela tomada que acompanhamos a Madison caminhar pela casa através de uma visão panorâmica sem cortes. Ou mesmo pela trilha sonora do seu habitual parceiro, Joseph Bishara, nos gelar a alma por resgatar a intenção do tema utilizado nos clássicos do vilão Jason Voorhees. Contudo, não tem jeito, o grande mérito de Maligno está na sacada absolutamente fora da curva – que, no máximo, consigo linkar com ‘Beyond Two Souls’ (2013), jogo exclusivo do PlayStation 3. A ideia que foge do trivial surgiu de um caso real trazido pela atriz Ingrid Bisu, esposa de Wan, que numa conversa com o marido comentou a respeito do fato em questão e deixou o sujeito maluco. Bisu, que também assina o argumento, acalentou essa história e retrabalhou no roteiro junto a Akela Cooper e o próprio Wan. O trio concebeu um filme original, aterrorizante e engenhoso. Esperamos então que essa troca possa se repetir, pois a sequência de Maligno parece telegrafada.

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Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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