No cinema, assim como na vida, nada se cria, tudo se copia. Bem, por mais que esta afirmação não seja cem por cento verdadeira, é natural de tempos em tempos nos depararmos com obras de premissas bem similares, cujos discursos frisam temas necessários, martelando-os em nossas mentes. Para dar aquela moldada, acrescenta-se ali, subtrai-se dali, e um novo projeto sai do forno. Este é o caso com Marvin, coming of age de descoberta sexual, que embora eficiente, você já deve ter visto outras vezes.
Marvin guarda, por exemplo, inúmeras similaridades com Billy Elliot (2000), filme indicado a três Oscar, sobre um jovem britânico de origem humilde, vivendo a turbulência de uma severa família conservadora, enquanto busca o sonho de se tornar bailarino. O conceito do homossexualismo aqui fica mais implícito, já que o longa de Stephen Daldry era vendido ao grande publico e seus temas precisaram ser maquiados – além do fato de que depois de quase vinte anos, tais temáticas começam a ser mais abraçadas agora.
Em Marvin temos basicamente esta estrutura, mesmo que em sua passagem pelo Rio de Janeiro, para divulgar o filme, o ator Finnegan Oldfield tenha dito que a obra é levemente baseada em um livro. O roteiro, assinado pela diretora do longa, a renomada Anne Fontaine (Nathalie X, Coco Antes de Chanel e Agnus Dei), em parceira com Pierre Trividic, narra a trajetória do personagem título, em duas fases da vida, mesclando através de linhas temporais distintas, a infância e juventude do protagonista.
A vida em família é descortinada, e os realizadores nos entregam o início conturbado dos primeiros anos do rapaz. No colégio, Marvin (vivido na primeira fase por Jules Porier) sofre bullying dos colegas, e em casa a situação não melhora muito, já que lá estão a mãe ausente (Catherine Salée), o pai bruto (Grégory Gadebois) e o irmão mais velho revoltado. Assim como Billy Elliot, é através da arte, o teatro ao invés da dança, que Marvin consegue encontrar uma válvula de escape, na qual se concentra, excluindo todas as mazelas exteriores.
Já na fase adulta, nas formas de Oldfield, Marvin vai para Paris e conhece, em uma companhia de atores, dramas idênticos ao seu, absolutamente se identificando e, pela primeira vez na vida, sentindo que pertence a um lugar. Nesta parte, ele solidifica amizades, se abre verdadeiramente para a paixão e desabrocha sua sexualidade, assumindo de vez quem é. Na cidade estão suas verdadeiras aspirações e sua alma, mesmo que para isso tenha que deixar para trás, e renegar através de um livro, seus entes de sangue.
Uma curiosidade no longa, é que a veterana indicada ao Oscar Isabelle Huppert, talvez em nome da amizade com a diretora, participa interpretando a si mesmo, numa conexão sem muito sentido com o todo, e que poderia facilmente ser cortada. É muito difícil dizer isso de uma participação da musa, mas aqui, Huppert soa apenas como distração, levemente tirando o foco principal do filme – numa espécie de metalinguagem equivocada, na qual a estrela adentra como ela mesma na forma de coadjuvante nesta história fictícia. A atriz serve como espécie de guru para a carreira de Marvin, mesmo que de forma diminuta, talvez sem a importância planejada.
Marvin é um drama emotivo, conduzido com sensibilidade pela cineasta Fontaine, cuja força está nas relações familiares, muitas vezes, embora nocivas, responsáveis por moldar nosso caráter, nos preparando para o mundo. Oldfield se entrega e comanda bem o time de atores, encarando cenas fortes com a desenvoltura de um profissional experiente. O assunto principal, muito relevante atualmente, ainda é tratado de forma delicada e como polêmico, mas Fontaine acerta ao levar o tom com sutileza e certo frescor. Em seu ápice, cria duas cenas-chave, entre pai e filho, que são o coração do filme e a cereja deste bolo.