Filme assistido durante o Festival de Sundance 2021
Elefante e Tiros em Columbine já fizeram isso muito bem, ao percorrerem os átrios de uma tragédia escolar norte-americana, quando frágeis e complexos adolescentes decidem expressar sua ira, dor ou incompreensão social por meio da violência contra seus colegas de escola. Tragédias dessa natureza – infelizmente – são comuns na América. Suas dolorosas e conflitantes histórias, que rendem longos e inesgotáveis debates em programas de TV sobre a venda e posse de armas, andam em círculos e custam a ir além dos disparos de um revólver. Mas Mass chega para preencher essa lacuna, com um poderoso drama fictício inspirado na dor real de pais que testemunharam a incompreensível violência destruir seus filhos e famílias.
Procurando responder a pergunta “o que acontece após uma tragédia escolar?”, o primeiro longa dirigido e roteirizado por Fran Kranz é catártico, poético e profundamente realista. Se voltando para as famílias que viram seus lares se desestruturarem de maneira tão caótica e inesperada, a produção aborda a dor por trás de perdas irreparáveis e traz à tona os mais latentes questionamentos que pulsam na mente de pais que perderam os seus filhos em tiroteios juvenis. Se comunicando com precisão e perfeição com diversos tipos de público, a produção é simples em seu design e faz do seu baixíssimo orçamento o seu trunfo. Com um roteiro tão impecável, ter grana para desempenhar uma excepcional história parece pequeno – ainda que vital para o nascimento do projeto.
Delicado e com diálogos profundos e escritos com uma simplicidade apaixonante, Mass é um drama que reside em suas atuações e se entrega nas mãos de seu incrível elenco, que deixa tudo em cena. Jason Isaacs, Ann Dowd, Martha Plimpton e Reed Birney são tudo o que precisamos nesse filme e proporcionam à audiência muito mais do que uma catarse emocional, levando-na também a uma doce e poderosa lição sobre a importância do perdão e a necessidade vital do ser humano de se adaptar às circunstâncias – quer elas estejam a seu favor ou não.
Com performances profundas e hipnotizantes, o longa é categórico ao focar nas narrativas de seus protagonistas e pouco perde tempo com seus sets. Se alojando dentro dos átrios de uma pequena igreja isolada na beira de uma estrada, a produção mostra logo de cara que o local é um ponto de neutralidade e contato entre os seus personagens. Aqui, a rapidez das ruas movimentadas e a agitação dos sons urbanos quase ensurdecedores são irrelevantes. Um piano e um ambiente acolhedor e calmo compõem a definição da perfeita ambientação de um filme que não quer que os elementos externos roubem o fôlego da trama ou distraiam a audiência. Cirúrgico em toda a sua concepção, Kranz prova que – ainda que seja novato como um cineasta – é habilidoso e astuto, capaz de construir uma história inesquecível e atemporal.
Exigindo da audiência uma abertura emocional para se entregar às histórias de seus protagonistas, o drama retribui tal ousadia com uma experiência poderosa e de tirar o fôlego. Inebriante e honesto, o filme ainda traz um perfeito equilíbrio narrativo e psicológico, ao apresentar tanto o lado de uma família vítima, bem como o de uma que carrega o estigma de ter “gerado” um assassino. Revelando camadas sensíveis e seriamente identificáveis de ambas as partes, Mass facilmente vence o teste do tempo como aquela produção que nos ajuda a ir além dos noticiários, mais fundo do que as suposições midiáticas e muito mais longe do que os preconceitos pré-estabelecidos por uma sociedade que primeiro bate e depois pergunta.