O gênero da ficção científica sempre teve apreço por um tipo de narrativa que se tornou bastante comum, tanto na literatura quanto no cinema e na televisão: os loopings temporais.
O conceito da imutabilidade e da inexorabilidade do tempo tem um espaço especial na mente dos artistas e, volta e meia, exploram o que pode acontecer caso as pessoas ousem mexer na estrutura organizacional que conhecemos. Apenas nos últimos anos, essa trama se encontrou com a comédia-slasher ‘A Morte Te Dá Parabéns’, em que uma jovem revivia o dia de sua morte inúmeras vezes até encontrar o assassino; a singela dramédia brasileira ‘Tudo Bem no Natal que Vem’, girando em torno de um homem que odeia as celebrações de fim de ano e se vê preso no dia 25 de dezembro; o interessante e surpreendente terror ‘Triângulo do Medo’, uma das produções mais instigantes dos anos 2000; e, voltando um pouco mais no passado, o icônico ‘Feitiço do Tempo’, estrelado por Bill Murray e Andie MacDowell.
Como visto, investir nos enredos supracitados é uma ótima forma de exercitar a criação e fugir das fórmulas engessadas e cataclísmicas do sci-fi, motivo pelo qual continua a aparecer no cenário contemporâneo. Agora, chegou a vez do diretor Joe Carnahan fornecer uma versão substancialmente despreocupada dos clássicos com ‘Mate ou Morra’. Conhecido por uma filmografia pautada na ação, que inclui ‘Narc’, ‘The A-Team’ e ‘The Grey’, era de se esperar que tais inflexões aparecessem no longa-metragem – de um jeito formulaico, diga-se de passagem, mas que funciona em quase todos os aspectos dentro de limites autoimpostos. Carnahan une-se aos roteiristas Chris e Eddie Borey em uma mistura explosiva de aventura, mistério e o exagero da comédia, com uma pitada de referências às regras de videogame (encontrado, logo de cara, no título original, ‘Boss Level’).
Se você está procurando por uma diversão que o faça esquecer dos problemas da vida, a obra é a escolha perfeita. Seja para passar o tempo, seja para se engolfar com uma atmosfera nostálgica e recheada das mais circinais reviravoltas, a iteração carrega uma praticidade gigantesca de não se levar a sério, funcionando mesmo em meio à sua excessiva experiência cinematográfica; entretanto, se procura por algo a mais, aconselho logo no começo desta crítica a não seguir em frente; tentar encontrar algo mais denso que os bordões do roteiro é uma tarefa arriscada e frustrante.
A trama é centrada em Roy Pulver (Frank Grillo), um soldado aposentado da Força Delta do exército estadunidense, que se vê preso no dia de sua morte. Sem saber o motivo de revivê-lo constantemente, ele busca fazer o melhor de um beco sem saída; afinal, ele acorda todas as manhãs às sete horas, passa horas fugindo de assassinos profissionais que querem caçá-lo por alguma razão desconhecida, apenas para morrer perto da uma da tarde. E o ciclo recomeça. Sem prospecto de fugir do loop, ele acaba esbarrando em dicas que lhe fornecem certo esclarecimento do que aconteceu – que envolve sua ex-mulher, Jemma (Naomi Watts), uma cientista que trabalha para o misterioso e perigoso Coronel Clive Ventor (Mel Gibson), e um plano para destruir a realidade como a conhecemos e reconstruí-la ao bel-prazer de quem está no comando.
Grillo consegue carregar boa parte do filme com uma atuação carismática, enfrentando diversos inimigos ao longo do caminho que incluem caçadores de recompensas, uma espécie de guerreira ninja e um sádico sedento por sangue – que, por todos os motivos errados, emerge como um compilado de cenas divertidas e sem qualquer propósito. Aliás, a produção inteira não tem qualquer objetivo além de entreter e, mesmo assim, falha em um oscilante desespero de entregar tudo ao mesmo tempo: o arco centrado em Roy destoa ao se alicerçar em extensas e descartáveis montagens que poderiam ser reduzidas pela metade, além de uma monóloga crise de identidade que se estende por mais tempo do que deveria. Como se não bastasse, o protagonista deixa tudo de lado para um fraco amadurecimento que o reúne com o filho, Joe (Rio Grillo), com quem mantinha uma relação de anonimato inexplicável.
Quando nos aproximamos ainda mais dos alicerces do longa, os defeitos aumentam (por isso, aconselho a não fazerem isso): os efeitos especiais não condizem com o sólido orçamento de 45 milhões de dólares e parecem fazer uma distorcida e risível homenagem a títulos trash, como ‘Sharknado’ ou qualquer desastre científico de animais híbridos – aliás, em uma determinada cena, é possível ver o fundo verde destoando do restante do cenário, como um glitch que passou despercebido pela pós-produção. O interessante final, por sua vez, é controverso e frustrante por não entregar um final coeso, mas deixar a narrativa em aberto para possíveis continuações (que podem nunca ver a luz do dia).
‘Mate ou Morra’ ergue-se como um entretenimento barato que pode ser conferido em momentos de ócio – e, para o bem ou para o mal, carrega uma despreocupação tão exagerada que deixa um sabor agridoce quando os créditos de encerramento aparecem na tela.