Um festival de cinema é construído para oferecer uma vasta gama de opções a seus espectadores. A curadoria sabe mais ou menos o gosto de quem os acompanha, e fica de olho em produções desse feitio que possa vir a agradar a seu público. E uma das particularidades mais carismáticas do Festival do Rio é que ele sempre, sempre, guarda um espacinho especial para uns filmes diferentões, desses que são tão experimentais, que não fazem o menor sentido. Pode ser com elenco famoso ou não, na sessão de meia-noite ou não, não importa: no Festival do Rio você, cinéfilo, encontra essas pérolas do audiovisual mundial. E esse ano fomos agraciados pela exibição de ‘Matem o Jóquei!’, filme argentino em co-produção com Espanha, Estados Unidos, México e Dinamarca.
Remo (Nahuel Pérez Biscayart) é um jóquei superfamoso, mas cuja carreira não anda em alta por causa de seu comportamento autodestrutivo. Além de sua evidente dependência com o álcool – que, mesmo tendo passando um tempo na reabilitação, ele faz questão de se render à bebida, pois só entra para competir estando bêbado – ele também constantemente se pré-dispõe a destruir sua imagem. Nesse ritmo, sobra espaço para a jóquei Abril (Úrsula Corberó, a Tokyo de ‘La Casa de Papel’ original) conquistar seu lugar ao sol, ganhando a maioria das competições e também ganhando a simpatia dos patrocinadores. Entre um relacionamento dependente com Abril e sua aparente apatia perante o mundo, Remo vai aos poucos se desconectando da realidade e de tudo que o levou ao estrelato.
Tendo sido ‘Narcos: México’ seu último trabalho no comando de uma produção, o diretor Luis Ortega retorna agora realizando um projeto bem doido, totalmente experimental e, portanto, difícil de compor. Uma vez que o roteiro dele com Fabian Casas e Rodolfo Palacios o tempo todo subverte a lógica dos eventos e coloca tanto o protagonista quanto os personagens em situações absurdas, a delicadeza do diretor em encontrar algum tipo de coerência no cavalo desgovernado que é o filme ‘Matem o Jóquei!’ se mostra como um exercício de paciência, de técnica e de paixão pelo teatro.
Pode ser que a grande metáfora do filme seja mesmo esta – ‘Matem o Jóquei!’ é um cavalo desgovernado, que tem, inclusive, uma cena assim. Há, sim, uma crítica debaixo de tanta loucura (à imagem produzida pela fama e alimentada pela expectativa do público versus a verdadeira vontade do indivíduo e aquilo que se faz necessário fazer para viver em sociedade). E no meio de tanta loucura, Úrsula Corberó uma vez mais se destaca com seu trabalho, mantendo um grau de sensualidade e mistério que envolve o espectador com sua personagem duas caras, mas que rouba os holofotes em todas as cenas que aparece.
‘Matem o Jóquei!’ tem aquele ar de filme argentino que os cinéfilos brasileiros tanto adoram com um tempero de Irmãos Coen e as cores de Almodóvar. Parece muitos aqueles filmes que a gente só consegue ver em festival mesmo, portanto é um filme para ficar de olho e aproveitar o dia em que houver uma oportunidade de assisti-lo em alguma plataforma.