Crítica | Matrix Resurrections – Mais papo, menos ação e nova abordagem… o que é ótimo!

Mais de duas décadas depois, Matrix continua uma força potente dentro da cultura pop, com a franquia sendo lembrada, de maneira natural e constante, tanto por fãs quanto pelos realizadores que se atrevem a fazer ficção cientifica de gente grande, aquelas de tutano, em meio a muita ação e estilo. Aliás, é impossível falar de Matrix sem lembrar das suas grandes marcas e signos, tão recorrentes, como o icônico efeito de bullet-time, as coreografias de luta que ganham o tom pelas elegantes cenas em câmera lenta, ou mesmo o figurino gótico-fino que é inconfundível. Enfim, são várias as particularidades que foram repetidas por outros títulos a exaustão, tal como foi capaz de capitalizar em todos os âmbitos, seja nos cinemas, TV, quadrinhos e games. Tanto que quando lançaram a coletânea Animatrix (2003) – pequenos curtas-metragens animados realizados por outros artistas, que expandiram, ainda mais, o universo criado pelas irmãs Wachowski, dando assim novos tons à obra – pensaram que novas histórias daquele mundo poderiam surgir em live-action.

De modo que até demorou pra que Matrix recebesse, finalmente, uma continuação de calibre para os cinemas mundiais. Logo, Matrix Resurrections funciona como um presente de Natal para os órfãos da franquia, carentes por tantos anos, que sempre aguardavam e imaginavam como seria se fizessem um Matrix no mundo atual, já que a trilogia anterior impressionou por todo aparato tecnológico, coisas que fizeram o cérebro de muita gente escorrer pelas orelhas – ainda que misturassem ali objetos antigos como orelhões. Felizmente o trio que assina o roteiro do novo filme preferiu focar, dessa vez, naquilo que jamais ficará datado, quando bem feito: tramas complexas e dinâmicas e histórias filosoficamente ricas, capazes de prender o espectador durante horas, muito por conceitos inusitados, que beiram a insanidade, do que propriamente truques baratos.

Dirigido agora por apenas uma das irmãs, Lana Wachowski, Matrix Resurrections foi também escrito por outros parceiros da cineasta, David Mitchell e Aleksandar Hemon, a dupla responsável pelo fracasso comercial de A Viagem (2012), considerado por muitos um sonífero. Porém tal escolha pode ter sido fundamental pra que esse novo capítulo de Matrix soe como o mais diferente de todos dentro da franquia. Não seria exagero, por exemplo, dizer que este não é reboot, muito menos um remake, estando mais pra uma espécie de spin-off, que vai abordar um dos ciclos vividos pelos nossos velhos conhecidos Neo, Trinity e Morpheus… Quer dizer, quase isso, pois Resurrections não apenas tenta fazer diferente no que se refere a construção de uma nova história, como também é capaz de tecer críticas pontuais a nostalgia exacerbada dos fãs – isso sem desrespeitar ou deixar de reverenciar a obra original, sobretudo o primeiro longa.

O choque, no entanto, deve acontecer logo de início, pois, se por um lado temos, novamente, Keanu Reeves vivendo o tal Thomas Anderson – o escolhido que trabalha com computadores, mas aqui em desenvolvimento de jogos – por outro a linguagem apresentada é completamente atípica de tudo que se viu na franquia até então. A começar pela brincadeira de metalinguagem, onde colocam personagens tentando desvendar como seria fazer hoje um quarto filme de Matrix – nessa realidade, Matrix é um jogo de sucesso que depois ganhou filmes, ou seja, exatamente o oposto da produção original.

Todavia, apesar de tudo ser muito bem sacado, não são só alguns gimmicks que tornam Matrix Resurrections um filme peculiar entre os demais, pois a narrativa engendrada por Lana Wachowski caminha de maneira lenta e quase intimista (e aí também entra o estilo dos roteiristas), dando espaço para mais cenas internas e conversas triviais. Essa escolha permite que a produção discuta conceitos e personagens que eram outrora relegados em detrimento àquelas exaustivas cenas de ação, que atingem o insuportável no decepcionante Matrix Revolutions (2003). Aqui ficamos sabendo, mais a fundo, sobre a história e desfecho de Zion, tal como foi que surgiu a nova cidade da Matrix, Io. Vale lembrar que tanto Trinity quanto Neo não lembram das suas vidas passadas neste novo ciclo que acontece após os eventos já citados de Revolutions.

Essa pegada, digamos, mais arrastada não isenta a Wachowski de orquestrar cenas de ação belíssimas, detentoras de uma plasticidade impar que poucos cineastas são capazes reproduzir – a exemplo da nova luta entre Neo e Morpheus numa espécie de tatame oriental – um dos andamentos mais marcantes do ano. É claro que o sempre ótimo cinematografo John Toll (Além da Linha Vermelha) tem grande peso nesse aspecto, já que é ousado e inteligente ao criar um design estético bem diferente daquele utilizada por Bill Pope nos filmes originais (os flashbacks inseridos deixam isso bem claro), dando assim uma identidade própria ao novo longa. Mesmo sem possuir nenhum véu verde ou sequer abusar dos signos já citados, Resurrections tem a mesma pujança estética de qualquer Matrix já feito, sendo até mais elegante que os dois últimos.

A renovação de elenco também acabou sendo bem-vinda, com Jonathan Groff (o Holden Ford de Mindhunter) dando novos ares ao agente vilão Smith, agora mais cínico que arrogante. Assim como Yahya Abdul-Mateen (Watchmen) tem uma forte presença em tela com o novo Morpheus. Assim como é necessário citar Jessica Henwick (Punho de Ferro), a Bugs, que é uma das protagonistas do longa, onde sua personagem, que se parece com a Trinity, tenta despertar Neo com a ajuda de Morpheus. Bugs é usada também para trazer algumas questões filosóficas – filosofia sempre algo presente em toda obra – flertando com as obsessões do passado e o apreço pela já falada nostalgia.

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A história também segue um rumo muito diferente daquele que vemos na saga anterior, ainda que figuras como o Arquiteto retornem de maneira surpreendente – outro antigo personagem também vai deixar o público de cabelo em pé, principalmente pela forma que está hoje, é o Merovingian. Jada Pinkett Smith, por exemplo, é outra que retorna como a capitã Niobe, mas com uma maquiagem pesada. Enfim, todos esses arquétipos dicotômicos já mostram o que esperar de Matrix Resurrections, pois, sim, sempre teremos um andamento ou outro que remete a antiga trilogia, no entanto a trama que exploram aqui pouco tem a ver com tudo aquilo. A participação de Carrie-Anne Moss e sua Trinity inverte o jogo de maneira sensacional – ainda que o romance com o Neo continue intenso e usual.

Lana Wachowski não ver problemas em discutir ideias que devem soar um tanto herméticas pro público em geral, ou, pelo menos, pra quem espera um blockbuster qualquer. De modo que Matrix Resurrections surge de maneira bastante positiva, isso por querer se distanciar da grande maioria das abordagens anteriores, mesmo utilizando o que chamam de formula, mesclando pancadaria e filosofia – quer algo melhor que isso? É claro que está longe de alcançar o nível do Matrix que parou o mundo na virada do milênio, porém tem personalidade suficiente para andar com as próprias pernas e não fazer feio em nenhum momento. Ainda que exista aqui e ali uma barriguinha no segundo ato. Todavia, se o Neo agora tem alguns cabelos brancos, quem somos nós pra falar de abdomes sobressalentes.

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Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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