sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica | Matt Groening volta aos tempos medievais na 1ª temporada de ‘(Des)Encanto’

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Matt Groening é um dos maiores expoentes da televisão norte-americana contemporânea, responsável por trazer algumas das animações mais hilárias e distorcidas dos últimos anos, como ‘Os Simpsons e ‘Futurama. Tais obras são conhecidas por fugir dos convencionalismos narrativos e buscarem uma perspectiva crítica e ácida da sociedade, traduzindo em tramas absurdas os exageros humanos. Ainda que esta tenha funcionado de forma mais transigente, aquela permanece ainda no gosto popular – não é à toa que está chegando ao seu trigésimo ano. E foi partindo dessa premissa e com o advento de inúmeras plataformas de streaming que Groening encontrou espaço para sua próxima narrativa: ‘(Des)Encanto’.

Ambientada numa versão totalmente inesperada da Idade Média, a trama gira em torno de Dreamland, reino governado pelo irritadiço Zog (John DiMaggio), cuja filha, Tiabeanie “Bean” (Abbi Jacobson) mostra-se como um obstáculo em potencial para o exercício de todo seu pleno poder. Mas diferente do que podemos imaginar, o pano de fundo é sobre a garota, e não sobre o Rei: Bean está no ápice de sua adolescência e, levando em conta a época na qual a série se passa, suas irreverências insurgem na bebida compulsória, nos jogos de azar e nas escapadas românticas, colocando em xeque a integridade de sua família e de si mesma. Entretanto, logo com o primeiro episódio, percebemos que tudo isso é justificado pelo fato de seu casamento obrigatório como forma de manter a aliança entre territórios outrora inimigos.



Ao que tudo indica, estamos lidando com mais de uma histórias coming-of-age animadas com mensagens otimistas e aventuras mirabolantes. Todavia, em se tratando de uma construção de Groening, nada será o que aparenta; as críticas estão lá, nuas e cruas, como forma de chocar e traçar um paralelo com a loucura e a sandice da sociedade contemporânea. Há um espaço fértil, recheado de infinitas possibilidades que inclusive não precisam de valer de estereótipos, mas sim utilizá-los a seu favor para orquestrar o sarcasmo de modo completo e satisfatório. O problema principal: criar uma história com começo, meio e fim, algumas viradas interessantes e um cliffhanger digno para uma futura segunda temporada – e é justamente isso que o showrunner não consegue trazer para as telinhas.

Levando em conta a decorrência de eventos do piloto, é natural que nos sintamos em território estranho (afinal, precisamos nos acostumar à nova ambiência). Mas o que acontece quando essa singularidade, por assim dizer, permanece durante cada um dos dez episódios? É muito complicado para uma audiência acostumada ao ritmo frenético de ‘Simpsons’ seguir as construções contemplativas desse show em questão, ainda mais um que não se vale de muitos acontecimentos ou extravagâncias para conseguir uma estrutura sólida. A priori, a narrativa parece querer nos levar em uma direção, cruzando o caminho de Bean com o demônio Luci (Eric André) e depois fundindo seu arco ao do elfo Elfo (Nat Faxon) – mas todo o potencial é desperdiçado sem dó, obrigando-os a permanece no mesmo território o tempo inteiro.

É quase frustrante observar como tais personagens, cuja interessante química seria melhor aproveitada em circunstâncias diferentes, são jogados em uma linearidade narrativa insuportável. Eles não têm nenhuma evolução aparente até os episódios finais, caem nos mesmos erros e mergulham em ciclos viciosos inquebrantáveis, afastando cada vez mais o espectador de qualquer possibilidade de conexão. A ideia aqui era, após Bean fugir de seu casamento, pegar seus novos amigos e sair para conhecer o mundo, colocando-os em uma clássica-porém-distorcida jornada do herói – e tudo abriria margens para as mais hilárias subtramas. Entretanto, o time de roteiristas não leva isso em conta e brinca dentro dos limites de uma zona de conforto entediante.

Nem mesmo a aparição de coadjuvantes ajuda a aumentar a complexidade: devendo servir como respaldo tragicômico, como por exemplo a Rainha Oona (Tress MacNeille) ou o conselheiro de três olhos Ovaldo (Maurice LaMarche), as investidas não tão recorrentes quanto os protagonistas fazem um trabalho inverso e refletem a estupidez de suas construções. Os poucos pontos de quebra de expectativa provêm da obviedade, afastando a série das tentativas de recuperar a glória das obras antecessoras. Eventualmente, os acontecimentos se mostram repetitivos, caindo nas mesmas alternativas de fechamento de arco que os outros capítulos.

Mesmo assim, não podemos negar alguns pontos fortes trazidos pelo show. Groening encontra um espaço propício para trabalhar um passado narrativo que mantém certo dialogismo com as outras séries animadas – afinal, ele já brincou com o presente e com o futuro. Em um cenário medieval, marcado pela magia e por criaturas fantásticas, a estética de um contingente considerável de personagens secundários e terciários foge dos padrões e busca uma humanização excessiva – temos, por exemplo, a intocável transcendência das fadas misturando-se aos vícios humanos (como o fumo e a bebedeira) de modo tão desconstruído que chega a ser propositalmente ofensivo e deturpado. Além disso, devo dizer que a irregularidade da primeira metade encontra seu caminho e um equilíbrio interessante até o season finale, arquitetando algumas viradas satisfatórias que já dão as cartas do próximo jogo.

‘(Des)Encanto’ começa de forma desperdiçada e irregular, encontrando sua identidade tarde demais para haver uma conexão profunda entre as mensagens que deseja entregar e a receptividade do público. E não há muito o que se possa dizer, apenas a ligeira sensação de desapontamento, justificada pelo fato de um grande nome da indústria não ousar mais do que julgava conseguir.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Ambientada numa versão totalmente inesperada da Idade Média, a trama gira em torno de Dreamland, reino governado pelo irritadiço Zog (John DiMaggio), cuja filha, Tiabeanie “Bean” (Abbi Jacobson) mostra-se como um obstáculo em potencial para o exercício de todo seu pleno poder. Mas diferente do que podemos imaginar, o pano de fundo é sobre a garota, e não sobre o Rei: Bean está no ápice de sua adolescência e, levando em conta a época na qual a série se passa, suas irreverências insurgem na bebida compulsória, nos jogos de azar e nas escapadas românticas, colocando em xeque a integridade de sua família e de si mesma. Entretanto, logo com o primeiro episódio, percebemos que tudo isso é justificado pelo fato de seu casamento obrigatório como forma de manter a aliança entre territórios outrora inimigos.

Ao que tudo indica, estamos lidando com mais de uma histórias coming-of-age animadas com mensagens otimistas e aventuras mirabolantes. Todavia, em se tratando de uma construção de Groening, nada será o que aparenta; as críticas estão lá, nuas e cruas, como forma de chocar e traçar um paralelo com a loucura e a sandice da sociedade contemporânea. Há um espaço fértil, recheado de infinitas possibilidades que inclusive não precisam de valer de estereótipos, mas sim utilizá-los a seu favor para orquestrar o sarcasmo de modo completo e satisfatório. O problema principal: criar uma história com começo, meio e fim, algumas viradas interessantes e um cliffhanger digno para uma futura segunda temporada – e é justamente isso que o showrunner não consegue trazer para as telinhas.

Levando em conta a decorrência de eventos do piloto, é natural que nos sintamos em território estranho (afinal, precisamos nos acostumar à nova ambiência). Mas o que acontece quando essa singularidade, por assim dizer, permanece durante cada um dos dez episódios? É muito complicado para uma audiência acostumada ao ritmo frenético de ‘Simpsons’ seguir as construções contemplativas desse show em questão, ainda mais um que não se vale de muitos acontecimentos ou extravagâncias para conseguir uma estrutura sólida. A priori, a narrativa parece querer nos levar em uma direção, cruzando o caminho de Bean com o demônio Luci (Eric André) e depois fundindo seu arco ao do elfo Elfo (Nat Faxon) – mas todo o potencial é desperdiçado sem dó, obrigando-os a permanece no mesmo território o tempo inteiro.

É quase frustrante observar como tais personagens, cuja interessante química seria melhor aproveitada em circunstâncias diferentes, são jogados em uma linearidade narrativa insuportável. Eles não têm nenhuma evolução aparente até os episódios finais, caem nos mesmos erros e mergulham em ciclos viciosos inquebrantáveis, afastando cada vez mais o espectador de qualquer possibilidade de conexão. A ideia aqui era, após Bean fugir de seu casamento, pegar seus novos amigos e sair para conhecer o mundo, colocando-os em uma clássica-porém-distorcida jornada do herói – e tudo abriria margens para as mais hilárias subtramas. Entretanto, o time de roteiristas não leva isso em conta e brinca dentro dos limites de uma zona de conforto entediante.

Nem mesmo a aparição de coadjuvantes ajuda a aumentar a complexidade: devendo servir como respaldo tragicômico, como por exemplo a Rainha Oona (Tress MacNeille) ou o conselheiro de três olhos Ovaldo (Maurice LaMarche), as investidas não tão recorrentes quanto os protagonistas fazem um trabalho inverso e refletem a estupidez de suas construções. Os poucos pontos de quebra de expectativa provêm da obviedade, afastando a série das tentativas de recuperar a glória das obras antecessoras. Eventualmente, os acontecimentos se mostram repetitivos, caindo nas mesmas alternativas de fechamento de arco que os outros capítulos.

Mesmo assim, não podemos negar alguns pontos fortes trazidos pelo show. Groening encontra um espaço propício para trabalhar um passado narrativo que mantém certo dialogismo com as outras séries animadas – afinal, ele já brincou com o presente e com o futuro. Em um cenário medieval, marcado pela magia e por criaturas fantásticas, a estética de um contingente considerável de personagens secundários e terciários foge dos padrões e busca uma humanização excessiva – temos, por exemplo, a intocável transcendência das fadas misturando-se aos vícios humanos (como o fumo e a bebedeira) de modo tão desconstruído que chega a ser propositalmente ofensivo e deturpado. Além disso, devo dizer que a irregularidade da primeira metade encontra seu caminho e um equilíbrio interessante até o season finale, arquitetando algumas viradas satisfatórias que já dão as cartas do próximo jogo.

‘(Des)Encanto’ começa de forma desperdiçada e irregular, encontrando sua identidade tarde demais para haver uma conexão profunda entre as mensagens que deseja entregar e a receptividade do público. E não há muito o que se possa dizer, apenas a ligeira sensação de desapontamento, justificada pelo fato de um grande nome da indústria não ousar mais do que julgava conseguir.

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