sábado , 23 novembro , 2024

Crítica | ‘Megan Is Missing’ é uma atrocidade cinematográfica e um ofensivo desserviço social

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ALERTA DE GATILHO

O polêmico filme em found-footage Megan Is Missing voltou a viralizar nas redes sociais após ganhar palanque no aplicativo TikTok, levando diversas pessoas a assistirem ou reassistirem ao terror psicológico dirigido por Michael Goi. Desenvolvido como uma obra independente ainda em 2006 – com um orçamento à la ‘A Bruxa de Blair’ -, o longa-metragem foi banido de diversos países e acabou sendo adiado para ter uma estreia limitada cinco anos mais tarde, encontrando um backlash forte pelo grafismo explícito, apesar da importante temática trazida à tona, a do perigo dos predadores sexuais e pedófilos na internet.



A história, inspirada livremente na história de Ashley e Amanda, duas jovens de catorze anos que foram abduzidas e encontradas mortas semanas depois do desaparecimento. Ambas foram torturadas sexualmente e alvo de um psicopata, sofrendo por dias antes de serem assassinadas – e, anos depois dos verdadeiros acontecimentos, Goi resolveu trazer sua própria versão dos fatos para as telonas. O resultado foi bem aquém do esperado (e “aquém”, na verdade, é um elogio comparado à atrocidade cinematográfica que a iteração representa): o gosto artístico do diretor é bastante discutível, e não pela escolha estética supracitada, visto que o subgênero já fez bastante sucesso ao lado do conterrâneo mockumentary a partir de 1999, caindo em desuso por um excesso de fórmulas que se tornou previsível e pedante ao longo dos anos. Com exceção do astuto e cru ‘Amizade Desfeita’ e do estupendo thriller ‘Buscando…’, a escolha do found footage foi uma articulação compreensível, ainda que desequilibrada, de fazer o possível com um orçamento limitado.

Mas a estrutura está longe de ser o pior aspecto do filme. Megan (Rachel Quinn) é uma popular garota que sempre deu a cara à tapa e tem diversos amigos. Considerada por todos como “a alma de todas as festas”, ela conheceu um cara chamado Josh (Dean Waite) através de plataformas de interação virtual e, pouco depois de ter se encontrado com ele, foi sequestrada, levando sua melhor amiga, Amy (Amber Perkins), a procurar descobrir o que realmente aconteceu. Entretanto, Amy acabou falando para a polícia sobre o encontro entre Megan e Josh e, dias depois, também foi raptada e jogada em momentos de terror e de tortura até ser enterrada viva ao lado da amiga, confinada em um selado tonel de gasolina esvaziado. Todavia, a drenagem de discussões importantes para a sociedade contemporânea, que clamam pelos holofotes mesmo nove anos depois da estreia oficial do filme, é completamente manchada por uma distorcida e desnecessária tentativa de choque como uma pífia máscara sociológica.

“Traumatizante” é um adjetivo que não reflete com clareza o quão horrivelmente feito esse filme é, como muitos usuários do aplicativo mencionado no primeiro parágrafo caracterizaram a obra. O roteiro, também assinado por Goi, parte de uma construção tão simplória e clichê que chega a ser divertido imaginar (com grande porcentagem de acerto) os consecutivos eventos; como se não bastasse, a fraca narrativa, que drena quase nenhuma inspiração da trama real, não dá sustentação alguma a um elenco de primeira viagem que nem ao menos se esforça para fornecer qualquer emoção. Quinn até consegue fazer um trabalho mediano como Megan, mas encarna uma personagem que, por mais “fofa” que seja com Amy, cuidando para que ela não se deixe levar pelas más influências de adolescentes movidos a drogas e à bebedeira, é irritante, pedante e forçada. Perkins, por sua vez, parece não ter o mínimo de tato para expressar suas emoções – e o fato de ser menor de idade à época das gravações não tornou a experiência mais agradável.

É quase irrelevante mencionar a presença de coadjuvantes e figurantes que não contribuem em nada para a produção – aparecendo em sequências irreais, dramatizações infundadas e uma centelha de humanização de estereótipos que parece ter saído da mente de Tommy Wiseau. Nenhum aspecto de relacionamento entre as duas personagens principais ou de suas conturbadas famílias é levado para além de uma unidimensionalidade barata que não abre espaço para qualquer insurgência de laços com os espectadores – aliás, ansiamos pelo momento em que as coisas irão engrenar e sair de um medíocre cotidiano de qualquer adolescente inconsequente de classe média dos Estados Unidos.

Nada se compara ao exagero dos 22 minutos finais de filme. Quando as transições em letreiro anunciam que o público assistirá aos momentos finais das duas meninas, ninguém acredita realmente que o ato conclusivo do longa-metragem será isso. Amy é a única que ainda permanece viva e, assim que os investigadores encontram uma câmera de vídeo jogada em uma lata de lixo qualquer, tudo é mostrado: Amy é estuprada, trancafiada em uma cela suja, transformando-se em um animal maltrapilho antes de ser jogada dentro de um barril ao lado do cadáver esquelético da amiga e, finalmente ser enterrada e deixada para morrer a sete palmos. Palavras não são o suficiente para explanar o quão ofensivo foi a decisão de Goi em criar um mostruário de tortura, completamente alheio ao perigo em que trazer essas cenas seria para psicopatas sexuais que se escondem entre nós – ainda mais deixando claro que as personagens são menores de idade.

Megan Is Missing (2011)
Amber Perkins and Rachel Quinn in Megan Is Missing (2011)
Credit: Trio Pictures

Megan Is Missing não é apenas um total desserviço social, desacompanhado de avisos de gatilho e violento ao extremo sem qualquer preocupação empática; ele é, em si, uma atrocidade fílmica que seria melhor exibida numa aula de como não fazer cinema.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A história, inspirada livremente na história de Ashley e Amanda, duas jovens de catorze anos que foram abduzidas e encontradas mortas semanas depois do desaparecimento. Ambas foram torturadas sexualmente e alvo de um psicopata, sofrendo por dias antes de serem assassinadas – e, anos depois dos verdadeiros acontecimentos, Goi resolveu trazer sua própria versão dos fatos para as telonas. O resultado foi bem aquém do esperado (e “aquém”, na verdade, é um elogio comparado à atrocidade cinematográfica que a iteração representa): o gosto artístico do diretor é bastante discutível, e não pela escolha estética supracitada, visto que o subgênero já fez bastante sucesso ao lado do conterrâneo mockumentary a partir de 1999, caindo em desuso por um excesso de fórmulas que se tornou previsível e pedante ao longo dos anos. Com exceção do astuto e cru ‘Amizade Desfeita’ e do estupendo thriller ‘Buscando…’, a escolha do found footage foi uma articulação compreensível, ainda que desequilibrada, de fazer o possível com um orçamento limitado.

Mas a estrutura está longe de ser o pior aspecto do filme. Megan (Rachel Quinn) é uma popular garota que sempre deu a cara à tapa e tem diversos amigos. Considerada por todos como “a alma de todas as festas”, ela conheceu um cara chamado Josh (Dean Waite) através de plataformas de interação virtual e, pouco depois de ter se encontrado com ele, foi sequestrada, levando sua melhor amiga, Amy (Amber Perkins), a procurar descobrir o que realmente aconteceu. Entretanto, Amy acabou falando para a polícia sobre o encontro entre Megan e Josh e, dias depois, também foi raptada e jogada em momentos de terror e de tortura até ser enterrada viva ao lado da amiga, confinada em um selado tonel de gasolina esvaziado. Todavia, a drenagem de discussões importantes para a sociedade contemporânea, que clamam pelos holofotes mesmo nove anos depois da estreia oficial do filme, é completamente manchada por uma distorcida e desnecessária tentativa de choque como uma pífia máscara sociológica.

“Traumatizante” é um adjetivo que não reflete com clareza o quão horrivelmente feito esse filme é, como muitos usuários do aplicativo mencionado no primeiro parágrafo caracterizaram a obra. O roteiro, também assinado por Goi, parte de uma construção tão simplória e clichê que chega a ser divertido imaginar (com grande porcentagem de acerto) os consecutivos eventos; como se não bastasse, a fraca narrativa, que drena quase nenhuma inspiração da trama real, não dá sustentação alguma a um elenco de primeira viagem que nem ao menos se esforça para fornecer qualquer emoção. Quinn até consegue fazer um trabalho mediano como Megan, mas encarna uma personagem que, por mais “fofa” que seja com Amy, cuidando para que ela não se deixe levar pelas más influências de adolescentes movidos a drogas e à bebedeira, é irritante, pedante e forçada. Perkins, por sua vez, parece não ter o mínimo de tato para expressar suas emoções – e o fato de ser menor de idade à época das gravações não tornou a experiência mais agradável.

É quase irrelevante mencionar a presença de coadjuvantes e figurantes que não contribuem em nada para a produção – aparecendo em sequências irreais, dramatizações infundadas e uma centelha de humanização de estereótipos que parece ter saído da mente de Tommy Wiseau. Nenhum aspecto de relacionamento entre as duas personagens principais ou de suas conturbadas famílias é levado para além de uma unidimensionalidade barata que não abre espaço para qualquer insurgência de laços com os espectadores – aliás, ansiamos pelo momento em que as coisas irão engrenar e sair de um medíocre cotidiano de qualquer adolescente inconsequente de classe média dos Estados Unidos.

Nada se compara ao exagero dos 22 minutos finais de filme. Quando as transições em letreiro anunciam que o público assistirá aos momentos finais das duas meninas, ninguém acredita realmente que o ato conclusivo do longa-metragem será isso. Amy é a única que ainda permanece viva e, assim que os investigadores encontram uma câmera de vídeo jogada em uma lata de lixo qualquer, tudo é mostrado: Amy é estuprada, trancafiada em uma cela suja, transformando-se em um animal maltrapilho antes de ser jogada dentro de um barril ao lado do cadáver esquelético da amiga e, finalmente ser enterrada e deixada para morrer a sete palmos. Palavras não são o suficiente para explanar o quão ofensivo foi a decisão de Goi em criar um mostruário de tortura, completamente alheio ao perigo em que trazer essas cenas seria para psicopatas sexuais que se escondem entre nós – ainda mais deixando claro que as personagens são menores de idade.

Megan Is Missing (2011)
Amber Perkins and Rachel Quinn in Megan Is Missing (2011)
Credit: Trio Pictures

Megan Is Missing não é apenas um total desserviço social, desacompanhado de avisos de gatilho e violento ao extremo sem qualquer preocupação empática; ele é, em si, uma atrocidade fílmica que seria melhor exibida numa aula de como não fazer cinema.

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