Crítica livre de spoilers.
Há dois anos, a Netflix nos presenteava com a ótima aventura de mistério ‘Enola Holmes’, longa-metragem baseado na saga jovem-adulta homônima de Nancy Springer. Na trama, a indicada ao Emmy Millie Bobby Brown encarnou a personagem titular, irmã mais nova de Sherlock Holmes (vivido por Henry Cavill) que também tem uma paixão e uma habilidade inegáveis para solucionar crimes. Agora, estamos de volta para mais uma aguardada jornada com a vindoura sequência – que, no geral, consegue ser ainda melhor que o longa-metragem original.
Retornando para a Londres vitoriana, Enola resolve abrir sua própria firma de investigação para sair das sombras de Sherlock e construir uma carreira de grande sucesso. Entretanto, as coisas não saem como o planejado, visto que ela enfrenta o machismo e o patriarcado enraizados na sociedade da época, com inúmeros clientes em potencial diminuindo-a pela idade e por ser uma mulher. Prestes a fechar as portas do recém-aberto escritório, ela é contatada pela jovem Bessie (Serranna Su-Ling Bliss), que a pede para investigar o desaparecimento da irmã de criação. Enxergando uma luz no fim do túnel, Enola parte em mais uma missão e, no caminho, reencontra pessoas de grande valia que podem ajudá-la a resolver um quebra-cabeça perigoso e muito mais difícil do que imaginava.
Brown já provou diversas vezes sua habilidade nas telas: afinal, ela interpretou Eleven na aclamada série sci-fi ‘Stranger Things’, que solidificou sua carreira, além de ter participado de ‘Godzilla II’ e ‘Godzilla vs. Kong’, ganhando elogios por performances verdadeiras e profundas. E, se ela havia nos conquistado mais uma vez no longa-metragem de 2020, ela explora com mais vontade a protagonista, pincelando-a com uma complexidade apaixonante que se mantém fiel ao que vimos num passado muito distante e apresenta novos lados, incluindo camadas mais divertidas e emocionantes de sua relação tanto com Sherlock quanto com o Lorde Tewksbury (Louis Partridge) – e tudo isso sem deixar se esvair para o segundo plano.
Harry Bradbeer também volta à cadeira de direção, o que se mostra como uma jogada inteligente: pouco a pouco, constrói-se um universo compartilhado dos Holmes, em que, nesse caso, os holofotes vão para Enola. Em diversas sequências, notamos as inspirações de Bradbeer dos dramas e suspenses de época, seja na condução cênica, seja na paleta de cores. É claro que não há muito o que se fazer em termos de originalidade – e, considerando que lidamos com uma trama que fala sobre luta de classes e corrupção, era apenas óbvio que teríamos o contraste entra a vida desinibida e luxuosa da burguesia contra as péssimas condições de trabalho da população operária, forçada a lidar com o mínimo para sobreviver.
De fato, esse é um filme que não tem como principal objetivo incitar discussões sobre papéis de gênero e de raça, mas utiliza tais reflexões para explicar as motivações de cada personagem. O arco romântico entre Tewksbury e Enola existe desde o capítulo anterior e permanece independente das aspirações da personagem titular e sua necessidade de ajudar os outros. Ela sabe que pode se apaixonar e que precisa de pessoas ao seu lado para apoiarem-na, mas ela é uma jovem independente e dona do próprio nariz. Para além disso, ela é dotada de uma empatia ímpar que, à medida que pode cegá-la de perceber algumas coisas, a permite compreender os motivos que as pessoas têm de cometer atos de desespero para se salvarem.
O elenco é o grande ápice da sequência: além dos já mencionados, temos a presença ilustre e breve de Helena Bonham Carter como Eudoria Holmes, mãe de Enola, Sherlock e um ausente Mycroft, que talvez apareça em possíveis futuras iterações; temos Susie Wokoma como Edith, mentora de Enola e uma das peças-chaves que ajudam a detetive; e David Thewlis em mais uma encarnação vilanesca, recém-saído de ‘Sandman’ para as vestimentas do corrupto Superintendente Grail, que fará de tudo para alcançar seus objetivos – até mesmo se aliar com quem não deve. Novamente, temos um padrão a ser seguido para os coadjuvantes e antagonistas, infundidos com acepções familiares e, para nossa alegria, práticos do começo ao fim.
‘Enola Holmes 2’ é mais uma ótima adição ao universo de espionagem de Holmes, prestando homenagens a clássicas produções do gênero e entrando como mais uma bela adaptação dos romances originais. Mais do que isso, ouso dizer que a continuação é ainda melhor que o capítulo inicial, apostando mais fichas em uma dramatização envolvente, cenas de ação bem coreografadas e um equilíbrio invejável entre suspense, comédia e mistério – além de uma reviravolta inesperada que abre brechas para um brilhante e vindouro futuro.