É fato dizer que a atual temporada do Oscar foi um tanto quanto agridoce, não apenas pelo agravamento assustador da pandemia, mas pela pressa de várias distribuidoras em levar seus filmes aos serviços de streaming e comprometer a experiência cinematográfica. De qualquer forma, é possível tirar grande proveito dos títulos escolhidos para concorrem à estatueta dourado, como é o caso do poético ‘Nomadland’, do emocionante ‘Meu Pai’ e do espetacular ‘A Voz Suprema do Blues’, por exemplo. Agora, chegou a vez da produção coreano-americana ‘Minari: Em Busca da Felicidade’ brilhar não com uma narrativa inteiramente original, mas com a apresentação de uma potente perspectiva de imigrantes sul-coreanos que cruzaram o mundo em busca de melhores oportunidades de vida.
Comandado por Lee Isaac Chung, que já havia nos entregado um retrato impiedoso do genocídio de Ruanda com ‘Munyurangabo’, volta a investir esforços em um estudo de caso bastante autobiográfico e íntimo. O escopo principal é centrado nos Yi, que se muda da Califórnia para o estado de Arkansas como forma de recomeçar. Ambientado em meados da década de 1980, o longa-metragem volta a trazer à tona as explorações controversas do predatório “sonho americano”, assim como a supracitada construção obliterante de Chloé Zhao, em que, teoricamente, se apresentaria da mesma maneira para quaisquer pessoas que abraçassem a ideologia estadunidense. Entretanto, as coisas não são preto-no-branco, e sim se engendram de modo a exigir muito da comunidade que não pertence à elite econômica do país em troca de uma sobrevivência cruel.
Steven Yeun, emergindo ao papel de sua carreira, interpreta o patriarca Jacob Yi, que mantém-se firme às raízes de sua terra natal ao lado de Monica (encarnada pela fantástica Han Ye-ri) enquanto tenta mostrar o que a nova realidade pode trazer à família. A princípio, o prospecto não é favorável, visto que Monica se choca com o fato da nova morada ser, literalmente, uma casa sobre rodas no meio de um amplo campo e longe da civilização – algo complicado, considerando as necessidades básicas que eles podem ter ao longo do caminho. Entretanto, em uma declaração consideravelmente egoísta, Jacob anuncia que vai cuidar de todos os seus entes queridos e que o futuro será bem diferente do passado: ele tem planos para cultivar os mais diversos produtos agrícolas, firmas acordos com supermercados e distribuidoras locais e ascender ao que bem entender.
É claro que as coisas não saem como o planejado – afinal, a realidade não é um conto de fadas, como Chung deixa bem claro. Também a encargo de um roteiro bem amarrado e sólido o suficiente para cumprir o que se propõe a fazer, o realizador trata cada uma das sequências com o máximo de cautela possível, esbarrando em uma literariedade realista que examina uma classe trabalhadora que acredita nas mentiras do capitalismo. A Jacob, foi vendida a ideia de que a meritocracia é algo palpável, quando na verdade não é; é, isso sim, uma estrutura falida recheada de mentiras e que retorna ao mesmo ponto do qual saiu.
Infundida nesse panorama, temos o confronto de gerações que, no final das contas, se transforma em um personagem com pensamento próprio e protagonista de sua própria subtrama. De um lado, Jacob e Monica lidam com problemas matrimoniais e visões de mundo bastante conflitantes; de outro, David (Alan Kim) e Anne (Noel Kate Cho) lidam com personalidade duplas que devem encontrar um equilíbrio entre a descendência asiática e a sociedade ocidental na qual estão inseridos; e, por fim, temos a presença soberba de Youn Yuh-jung como Soon-ja, cuja atuação prova que é, merecidamente, digna de todos os prêmios que recebeu até agora. Soon-ja sai de sua casa para morar com os Yi e, a princípio, tem problemas em se conectar com os netos (que não a veem há vários anos por problemas de logística óbvia) enquanto luta para manter certas tradições vivas.
É esse movimento cíclico que dá todas as bases para a narrativa principal. Diferente do que poderíamos imaginar, o enredo foge das dramatizações novelescas e deixem que as expressões comedidas dos atores e atrizes comandem cada uma das reviravoltas, desde a estagnação socioeconômica da família, passando pelas crises internas de cada persona e culminando numa limpeza espiritual que transcende os conceitos mundanos do que entendemos como “fé”. Guiado pela cândida trilha sonora de Emile Mosseri, que arquiteta as faixas mais honestas dos últimos anos, e acompanhado da fotografia quase documentária de Lachlan Milne, o filme carrega uma profundidade alegórica muito maior do que imaginamos.
‘Minari’, assim como as recentes produções do gênero que dominaram o cenário de premiações, é um título muito bem-vindo ao catálogo daqueles que desejam estudar a arte de fazer cinema e, assim como o conterrâneo ‘Parasita’, merece ser conferido em uma totalidade que foge do senso comum e que nos convida a uma emotiva jornada sobre o valor da felicidade.