quarta-feira , 18 dezembro , 2024

Crítica | ‘Missa da Meia-Noite’, de Mike Flanagan, é uma poderosa reflexão sobre a vida e a morte

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Mike Flanagan tornou-se um dos realizadores mais interessantes do cenário do entretenimento contemporâneo – mais especificamente, do gênero do terror e do suspense. Desde suas obras “menos” conhecidas, como ‘Hush – A Morte Ouve’ e o subestimado O Espelho, Flanagan ascendeu a um patamar respeitável ao resgatar os clássicos elementos das assombrosas narrativas que dominaram o cinema em sua Era de Ouro, pincelando-os com inúmeras tramas envolventes quanto em relação ao público atual e com reviravoltas de tirar o fôlego. Não é surpresa que ele tenha sido chamado para comandar o ambicioso e elogiado projeto Doutor Sono, sequência do icônico O Iluminado, e a antologia gótica ‘A Maldição’, que se desenrolou em duas temporadas belíssimas e instigantes.

Em seu mais novo projeto em associação à Netflix, o diretor e roteirista mergulhou fundo na complexidade temática que beira a dicotomia entre a vida e a morte, a danação e a salvação e a fé e a ciência com a minissérie Missa da Meia-Noite. A produção nos leva para uma comunidade insular isolada do mundo e que recebe a misteriosa visita de um padra chamado Paul (Hamish Linklater), que começa a promover uma série de mudanças na vizinhança e que esconde um segredo terrível que vêm à tona da maneira mais inesperada possível. Aqui, os personagens são envolvidos por traumas, decepções e receios que acompanham densos e problemáticos arcos e que culminam em uma explosiva análise sociológica e teológica que transcende os limites da “nossa vã filosofia”, como bem apontou William Shakespeare na tragédia ‘Hamlet’.



midnight mass 4

Ao longo de sete episódios, que se estendem por mais de sessenta minutos, Flanagan e seus competentes colaboradores encontram um fértil terreno em que puderam destrinchar as reflexões desejadas e criar mensagens de ressonância emocionante e profunda – talvez nos levando a uma crise existencial que permanece até mesmo depois dos créditos de encerramento. É claro que, conhecendo o simbólico e paradoxal estilo do realizador, a obra não é vista com olhos similares pelos espectadores e, por essa razão, boa parte deles pode não compreender o subtexto que se camufla em uma atmosfera de pura agonia e de criaturas da escuridão. Flanagan é inconspícuo no que realmente deseja criticar, mas escancara uma clareza de opiniões que deixa cada uma das criações cercada de hipocrisias e da falta de discernimento.

Como já percebemos em ‘Residência Hill’ ou ‘Mansão Bly’, o terror do qual o showrunner se vale abandona os conceitos maniqueístas de herói e vilão e traz tipos sociais de proposital exagero para serem observados pela audiência e para, de alguma maneira, se relacionar com eles. Temos, por exemplo, a conturbada personalidade de Riley Flynn (Zach Gilford), jovem rapaz que, depois de passar alguns anos na prisão por ter tirado a vida de uma garota em um acidente de carro, que retorna para a casa para encarar os pais e tentar reconstruir uma vida que sempre estará pautada nos graves erros que cometeu; ou então Erin Greene (Kate Siegel), a filha pródiga da peculiar Ilha Crockett, que seguiu os passos da tóxica mãe e se tornou professora local; ou então o Xerife Hassan (Rahul Kohli), que abandonou seu trabalho no FBI por sofrer injúrias raciais e xenofobia, encontrando um lugar distante para criar e proteger o filho.

midnight mass 3

Todos eles se conectam em um local que insurge como um purgatório, um lugar entre o céu e o inferno estagnado no tempo em que os habitantes parecem estar presos, sem saber como seguir em frente e como abandonar. Além de Paul, que vem em um ótimo momento para dar um pouco de esperança às almas perdidas de Crockett, há também a presença da irmã Bev Keane (Samantha Sloyan), uma devota religiosa que se entrega por completo aos trabalhos de evangelização e que é, na verdade, uma cruel mulher que utiliza métodos passivo-agressivos para impor seus pensamentos e diminuir aqueles que vão contra o que defende. A princípio, Paul se mostra como um homem que tem muito a encobrir e cuja backstory enfrenta contradições que logo são percebidas por alguns membros da comunidade; Bev, por sua vez, aceita o que lhe é dado sem questionamento e sem ousar mudar o que foi previsto nas escrituras.

Se o roteiro já nos fisga desde o episódio piloto a descobrir o que caminha pela escuridão da ilha, as atuações do elenco protagonista e coadjuvante são inexplicáveis e exortam performances avassaladoras. Linklater, já conhecido na esfera televisivo, redefine sua carreira ao encarnar Paul, enquanto Sloyan, antiga colaboradora de Flanagan, transmuta-se em uma mulher cega pelo preconceito e movida pelo fanatismo religioso; Siegel se prova, novamente, como uma atriz incrível e que não tem medo de arriscar, nem mesmo nos momentos mais complicados – como nos vários monólogos que encabeça. É claro que as literais citações da bíblia católica podem se render em um artifício demasiado recorrente, mas não o bastante para apagar a brilhantismo da série.

midnight mass 2

Missa da Meia-Noite é mais um incrível acerto de Mike Flanagan e uma honrável adição ao catálogo da Netflix. Recheada de twists muito bem construídos e uma conclusão comovente e guiada por uma potente carga dramática, esse terror não se assemelha a nada ao que o realizador já havia entregado antes – e, ao mesmo tempo, reflete seus trejeitos e seus apreços estéticos de forma aplaudível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Mike Flanagan tornou-se um dos realizadores mais interessantes do cenário do entretenimento contemporâneo – mais especificamente, do gênero do terror e do suspense. Desde suas obras “menos” conhecidas, como ‘Hush – A Morte Ouve’ e o subestimado O Espelho, Flanagan ascendeu a um patamar respeitável ao resgatar os clássicos elementos das assombrosas narrativas que dominaram o cinema em sua Era de Ouro, pincelando-os com inúmeras tramas envolventes quanto em relação ao público atual e com reviravoltas de tirar o fôlego. Não é surpresa que ele tenha sido chamado para comandar o ambicioso e elogiado projeto Doutor Sono, sequência do icônico O Iluminado, e a antologia gótica ‘A Maldição’, que se desenrolou em duas temporadas belíssimas e instigantes.

Em seu mais novo projeto em associação à Netflix, o diretor e roteirista mergulhou fundo na complexidade temática que beira a dicotomia entre a vida e a morte, a danação e a salvação e a fé e a ciência com a minissérie Missa da Meia-Noite. A produção nos leva para uma comunidade insular isolada do mundo e que recebe a misteriosa visita de um padra chamado Paul (Hamish Linklater), que começa a promover uma série de mudanças na vizinhança e que esconde um segredo terrível que vêm à tona da maneira mais inesperada possível. Aqui, os personagens são envolvidos por traumas, decepções e receios que acompanham densos e problemáticos arcos e que culminam em uma explosiva análise sociológica e teológica que transcende os limites da “nossa vã filosofia”, como bem apontou William Shakespeare na tragédia ‘Hamlet’.

midnight mass 4

Ao longo de sete episódios, que se estendem por mais de sessenta minutos, Flanagan e seus competentes colaboradores encontram um fértil terreno em que puderam destrinchar as reflexões desejadas e criar mensagens de ressonância emocionante e profunda – talvez nos levando a uma crise existencial que permanece até mesmo depois dos créditos de encerramento. É claro que, conhecendo o simbólico e paradoxal estilo do realizador, a obra não é vista com olhos similares pelos espectadores e, por essa razão, boa parte deles pode não compreender o subtexto que se camufla em uma atmosfera de pura agonia e de criaturas da escuridão. Flanagan é inconspícuo no que realmente deseja criticar, mas escancara uma clareza de opiniões que deixa cada uma das criações cercada de hipocrisias e da falta de discernimento.

Como já percebemos em ‘Residência Hill’ ou ‘Mansão Bly’, o terror do qual o showrunner se vale abandona os conceitos maniqueístas de herói e vilão e traz tipos sociais de proposital exagero para serem observados pela audiência e para, de alguma maneira, se relacionar com eles. Temos, por exemplo, a conturbada personalidade de Riley Flynn (Zach Gilford), jovem rapaz que, depois de passar alguns anos na prisão por ter tirado a vida de uma garota em um acidente de carro, que retorna para a casa para encarar os pais e tentar reconstruir uma vida que sempre estará pautada nos graves erros que cometeu; ou então Erin Greene (Kate Siegel), a filha pródiga da peculiar Ilha Crockett, que seguiu os passos da tóxica mãe e se tornou professora local; ou então o Xerife Hassan (Rahul Kohli), que abandonou seu trabalho no FBI por sofrer injúrias raciais e xenofobia, encontrando um lugar distante para criar e proteger o filho.

midnight mass 3

Todos eles se conectam em um local que insurge como um purgatório, um lugar entre o céu e o inferno estagnado no tempo em que os habitantes parecem estar presos, sem saber como seguir em frente e como abandonar. Além de Paul, que vem em um ótimo momento para dar um pouco de esperança às almas perdidas de Crockett, há também a presença da irmã Bev Keane (Samantha Sloyan), uma devota religiosa que se entrega por completo aos trabalhos de evangelização e que é, na verdade, uma cruel mulher que utiliza métodos passivo-agressivos para impor seus pensamentos e diminuir aqueles que vão contra o que defende. A princípio, Paul se mostra como um homem que tem muito a encobrir e cuja backstory enfrenta contradições que logo são percebidas por alguns membros da comunidade; Bev, por sua vez, aceita o que lhe é dado sem questionamento e sem ousar mudar o que foi previsto nas escrituras.

Se o roteiro já nos fisga desde o episódio piloto a descobrir o que caminha pela escuridão da ilha, as atuações do elenco protagonista e coadjuvante são inexplicáveis e exortam performances avassaladoras. Linklater, já conhecido na esfera televisivo, redefine sua carreira ao encarnar Paul, enquanto Sloyan, antiga colaboradora de Flanagan, transmuta-se em uma mulher cega pelo preconceito e movida pelo fanatismo religioso; Siegel se prova, novamente, como uma atriz incrível e que não tem medo de arriscar, nem mesmo nos momentos mais complicados – como nos vários monólogos que encabeça. É claro que as literais citações da bíblia católica podem se render em um artifício demasiado recorrente, mas não o bastante para apagar a brilhantismo da série.

midnight mass 2

Missa da Meia-Noite é mais um incrível acerto de Mike Flanagan e uma honrável adição ao catálogo da Netflix. Recheada de twists muito bem construídos e uma conclusão comovente e guiada por uma potente carga dramática, esse terror não se assemelha a nada ao que o realizador já havia entregado antes – e, ao mesmo tempo, reflete seus trejeitos e seus apreços estéticos de forma aplaudível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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