sexta-feira , 15 novembro , 2024

Crítica | Missão no Mar Vermelho – Quando a verdade passa longe de comover

Chris Evans tornou-se um dos atores mais conhecidos da última década por encarnar o icônico Capitão América no Universo Cinemático Marvel. Agora, depois de aparentemente ter dado adeus ao personagem em ‘Vingadores: Ultimato’, Evans se aventurou em um gênero que já não aparecia há algum tempo em sua filmografia – o drama tour-de-force. Não demorou muito para que ele encontrasse seu próximo projeto e migrasse para a Netflix com o longa-metragem baseado em fatos reais e intitulado Missão no Mar Vermelho, mas o resultado é bem aquém do esperado: com exceção de poucas sequências bem conduzidas, a narrativa prova que, às vezes, contos verdadeiros podem não comover e se mostrar bastante desnecessários.

No filme, Evans dá vida a Ari Levinson, um ex-antropólogo que se tornou agente da organização israelense de resgate de refugiados do Sudão, também conhecida por Mossad. Em colaboração com um grupo de espiões e assassinos muito habilidosos, Ari arquiteta um plano envolvendo um hotel resort abandonado na costa sudanesa para salvar milhares de judeus etíopes do cárcere e do massacre que sofriam em terras muçulmanas – ainda que tenha enfrentado diversos obstáculos pelo caminho. Entretanto, como já mencionado acima, o time em questão não enfrenta perigos palpáveis (ao menos nas telas) que nos façam torcer ou sofrer à medida que as tramas se desenrolam.



Gideon Raff encabeça o projeto e fica responsável pelo roteiro e, apesar de alguns trabalhos impecáveis (incluindo a série Homeland, vencedor de múltiplos Emmy Awards), parece não saber o que está fazendo. De fato, a primeira sequência serve como prólogo para o concreto início dessa jornada e até arranca alguns suspiros de tensão à medida que Ari leva dezenas de refugiados para um local mais seguro, onde poderão esperar até que as autoridades governamentais os levem de volta para casa. A captação da atmosfera oitentista, marcada por golpes ditatoriais e intolerância religiosa nos países do centro-norte africano, permanece durante poucos momentos antes de se render a qualquer melodrama novelesco cuja mensagem se perde em investidas incoerentes.

Em uma análise curta, por assim dizer, Raff poderia ter se restringido a diversas outras obras fílmicas que ganharam nossa atenção nos recentes anos – como os premiados Cafarnaum e ‘A Boa Mentira’. O diretor, como forma de se manter em um fixo pedestal criativo, também poderia ter utilizado referências documentárias para compor o longa, mas opta por aglutinar inúmeros estilos fragmentários que não fazem o menor sentido e não acrescentam em nada para envolver o público. A apresentação dos coadjuvantes parece ter sido tirado das tragicomédias criminais de Steven Soderbergh, enquanto a ambiência de pura agonia é uma cópia mal feita da franquia Sicario, falhando em praticamente todos os aspectos.

Para dar continuidade ao plano que tinha tudo para dar errado, Ari recruta colegas de longa data e recorre à financiadora NatCorp para reabrir o abandonado ressorte que empresta seu nome ao título. O Red Sea Diving Resort, deixado às traças por uma empreendedora italiana após perceber que o território era habitado por tribos supostamente canibais, transformou-se em uma fachada crível o suficiente (ao menos em teoria) para que as pessoas fossem transportadas para fora do país e levadas para Israel. Porém, essa belíssima ideia, como sempre, atraiu a atenção de uma organização militar que queria impedir e exterminar os benfeitores – incluindo o líder Abdel Ahmed (Chris Chalk).

Os deslizes insurgem com mais força no momento que o filme transita para seu segundo ato: nenhum dos atores carrega uma carga expressiva suficientemente aprazível para nos guiar através dessa intrincada narrativa. Na verdade, ainda que o roteiro se construa com uma notável cautela, bons diálogos de nada servem quando jogados sem relação de causa e consequência num lugar “paradisíaco”. Evans encarna o mocinho, o homem branco que veio para salvar todos, e é ajudado por seus fiéis escudeiros Rachel (Haley Bennett), Jacob (Michiel Huisman), Sammy (Alessandro Nivola) e Max (Alex Hassell), bem como Kabede (Michael Kenneth Williams), uma fonte interna responsável por reunir os refugiados e levá-los até o ponto de encontro.

No tocante ao tema, a obra passa longe de ser original; entretanto, isso não impediria Raff de criar algo diferente, com perspectiva ou condução cinematográfica competente o bastante para nos afastar dos convencionalismos. A infeliz surpresa é quando percebemos – talvez tarde demais – que estamos diante de um tour-de-force panfletário que se salva por pouquíssimos elementos. Afinal, Chalk encarna uma versão canastrona de Abdel que é tão inofensivo quanto uma chuva de verão (não representando nenhum óbice real); Williams se restringe ao seu patamar de back-up e se finca a uma performance imemorável; ao menos Evans e Nivola conseguem ter um pouco de química em performances frenéticas resumidas a uma breve sequência na prisão local.

A iteração não se perde por completo, visto que ganha alguns pontos pela contrastante paleta de cores entre o cenário principal e as múltiplas embaixas e organizações ocidentais do Sudão e até mesmo por certas cenas: Raff consegue arquitetar uma interessante jornada de resgate que envolve dois caminhões lotados de judeus etíopes e um bloqueio rodoviário que, numa tristeza apática, carregava elementos o bastante para se tornar um ótimo jogo de perseguição. O restante, todavia, se rende ao mais do mesmo.

Missão no Mar Vermelho configura-se como mais um erro das produções originais Netflix e, no final das contas, funciona apenas colocar grandes atores em complexos de cavaleiros brancos. São poucos os esforços que refletem a habilidade de cada um dos nomes envolvidos na produção – e nem eles apagam os múltiplos e quase amadores equívocos.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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No filme, Evans dá vida a Ari Levinson, um ex-antropólogo que se tornou agente da organização israelense de resgate de refugiados do Sudão, também conhecida por Mossad. Em colaboração com um grupo de espiões e assassinos muito habilidosos, Ari arquiteta um plano envolvendo um hotel resort abandonado na costa sudanesa para salvar milhares de judeus etíopes do cárcere e do massacre que sofriam em terras muçulmanas – ainda que tenha enfrentado diversos obstáculos pelo caminho. Entretanto, como já mencionado acima, o time em questão não enfrenta perigos palpáveis (ao menos nas telas) que nos façam torcer ou sofrer à medida que as tramas se desenrolam.

Gideon Raff encabeça o projeto e fica responsável pelo roteiro e, apesar de alguns trabalhos impecáveis (incluindo a série Homeland, vencedor de múltiplos Emmy Awards), parece não saber o que está fazendo. De fato, a primeira sequência serve como prólogo para o concreto início dessa jornada e até arranca alguns suspiros de tensão à medida que Ari leva dezenas de refugiados para um local mais seguro, onde poderão esperar até que as autoridades governamentais os levem de volta para casa. A captação da atmosfera oitentista, marcada por golpes ditatoriais e intolerância religiosa nos países do centro-norte africano, permanece durante poucos momentos antes de se render a qualquer melodrama novelesco cuja mensagem se perde em investidas incoerentes.

Em uma análise curta, por assim dizer, Raff poderia ter se restringido a diversas outras obras fílmicas que ganharam nossa atenção nos recentes anos – como os premiados Cafarnaum e ‘A Boa Mentira’. O diretor, como forma de se manter em um fixo pedestal criativo, também poderia ter utilizado referências documentárias para compor o longa, mas opta por aglutinar inúmeros estilos fragmentários que não fazem o menor sentido e não acrescentam em nada para envolver o público. A apresentação dos coadjuvantes parece ter sido tirado das tragicomédias criminais de Steven Soderbergh, enquanto a ambiência de pura agonia é uma cópia mal feita da franquia Sicario, falhando em praticamente todos os aspectos.

Para dar continuidade ao plano que tinha tudo para dar errado, Ari recruta colegas de longa data e recorre à financiadora NatCorp para reabrir o abandonado ressorte que empresta seu nome ao título. O Red Sea Diving Resort, deixado às traças por uma empreendedora italiana após perceber que o território era habitado por tribos supostamente canibais, transformou-se em uma fachada crível o suficiente (ao menos em teoria) para que as pessoas fossem transportadas para fora do país e levadas para Israel. Porém, essa belíssima ideia, como sempre, atraiu a atenção de uma organização militar que queria impedir e exterminar os benfeitores – incluindo o líder Abdel Ahmed (Chris Chalk).

Os deslizes insurgem com mais força no momento que o filme transita para seu segundo ato: nenhum dos atores carrega uma carga expressiva suficientemente aprazível para nos guiar através dessa intrincada narrativa. Na verdade, ainda que o roteiro se construa com uma notável cautela, bons diálogos de nada servem quando jogados sem relação de causa e consequência num lugar “paradisíaco”. Evans encarna o mocinho, o homem branco que veio para salvar todos, e é ajudado por seus fiéis escudeiros Rachel (Haley Bennett), Jacob (Michiel Huisman), Sammy (Alessandro Nivola) e Max (Alex Hassell), bem como Kabede (Michael Kenneth Williams), uma fonte interna responsável por reunir os refugiados e levá-los até o ponto de encontro.

No tocante ao tema, a obra passa longe de ser original; entretanto, isso não impediria Raff de criar algo diferente, com perspectiva ou condução cinematográfica competente o bastante para nos afastar dos convencionalismos. A infeliz surpresa é quando percebemos – talvez tarde demais – que estamos diante de um tour-de-force panfletário que se salva por pouquíssimos elementos. Afinal, Chalk encarna uma versão canastrona de Abdel que é tão inofensivo quanto uma chuva de verão (não representando nenhum óbice real); Williams se restringe ao seu patamar de back-up e se finca a uma performance imemorável; ao menos Evans e Nivola conseguem ter um pouco de química em performances frenéticas resumidas a uma breve sequência na prisão local.

A iteração não se perde por completo, visto que ganha alguns pontos pela contrastante paleta de cores entre o cenário principal e as múltiplas embaixas e organizações ocidentais do Sudão e até mesmo por certas cenas: Raff consegue arquitetar uma interessante jornada de resgate que envolve dois caminhões lotados de judeus etíopes e um bloqueio rodoviário que, numa tristeza apática, carregava elementos o bastante para se tornar um ótimo jogo de perseguição. O restante, todavia, se rende ao mais do mesmo.

Missão no Mar Vermelho configura-se como mais um erro das produções originais Netflix e, no final das contas, funciona apenas colocar grandes atores em complexos de cavaleiros brancos. São poucos os esforços que refletem a habilidade de cada um dos nomes envolvidos na produção – e nem eles apagam os múltiplos e quase amadores equívocos.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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