domingo , 24 novembro , 2024

Crítica | Musical ‘Tempo Certo’ é uma profunda e pungente análise do que significa amar

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Ao longo da história, diversos pensadores procuraram analisar as relações humanas e, principalmente, tentaram quantificar a durabilidade da paixão e do amor. Um dos mais famosos filósofos a analisar tais temas foi Zygmunt Bauman, que discorreu sobre o amor líquido e sua efemeridade numa época em que qualquer elemento presente na sociedade escorre entre os dedos em uma rapidez amedrontadora. E é sobre isso que ‘Tempo Certo’, musical que está em cartaz no Teatro Viradalata, fala: será que o melhor é se envolver com outra pessoa tendo a concepção de que a paixonite irá desaparecer? Ou o correto é deixar que as coisas se desenrolem no próprio tempo e terminem quando e como devem?

A história, assinada por Rafael Pucca e baseada no curta-metragem ‘Nem que Tudo Termine como Antes’, de Daniel Caselli e Mariana Martinez, acompanha um casal que se metamorfoseia na multiplicidade contemporânea do significado de amar nos “tempos do cólera” – uma ressignificação do romance de Gabriel García Márquez, remodelado a partir de uma perspectiva única e que já nos instiga desde os primeiros momentos. De um lado, temos Cris, personagem que se desdobra nas interpretações impecáveis de Álvaro Real e Éri Correia: a personalidade de Cris é pintada em um espectro calculista, que precisa ter controle sobre tudo e se recusa a ter mais uma decepção, ainda mais considerando a luta diária que trava com a editora para que escreve e que lhe exige um novo best-seller sobre romance e amor; de outro, Daniel Cabral e Vanessa Mello encarnam Duda, o exato oposto de Cris, infundido em um imaculado desejo de viver que tangencia o inconsequente e que coloca em xeque o modo como seu par romântico enxerga o mundo. Ambos fecham uma espécie de acordo: terminar o relacionamento dentro de um ano (segundo Cris, o prazo de validade que a paixão tem).



A princípio, a narrativa parece convencional demais para entregar algo novo – mas Pucca, também responsável pela direção, promete que a trama é mais profunda do que aparece e, no final das contas, ultrapassa nossas expectativas. Afinal, ser humano é uma tarefa complexa e exaustiva que nos coloca contra nós mesmos em uma constância agonizante e perturbadora, incapazes de se jogar, sem medo, em algo novo e que atiça as borboletas no estômago. Cris está em um cárcere privado, dentro da fortaleza calculista que ergueu para se proteger; Duda, por sua vez, tem seus problemas, mas reafirma que o suposto “descontrole” é nada mais que uma forma de gritar, a plenos pulmões, um “f***-se” ao mundo e às instituições que ele representa.

Os quatro atores em cena se transmutam em casais diferenciados, mas que partem de personalidades semelhantes e de objetivos em comum – logo, não é surpresa que esse dinâmico organismo cênico nos chame a atenção. Real e Correia mergulham em uma derradeira realização de que estão prestes a duvidar de absolutamente tudo o que defenderam até agora, brincando com a timidez, o autocontrole e a autossabotagem de forma cândida e relacionável (este que vos escreve, inclusive, se viu representado mais de uma vez); Cabral e Melo, posando como complementares de Cris, dão a Duda um panorama de pura entrega, movimentando-se com fluidez invejável dentro de uma ode ao amor e a todas as coisas boas que ele traz. Tudo confinado em um palco que aposta no mínimo e que dá espaço de sobra para o elenco se tornar grandioso, um epítome arquetípico de algo que todos nós já vivemos.

Além disso, temos uma irretocável redefinição da discografia de Roberta Campos, cujas músicas passam por um processo de adaptação que preza por homenagens dramáticas de tirar o fôlego e de arrancar lágrimas até dos mais céticos. Aqui, dou especial atenção a “De Janeiro a Janeiro”, que encerra com perfeição emblemática a peça, embalada por vocais emocionantes e uma naturalidade aplaudível – e os agradecimentos devem ser feitos a Thiago Perticarrari, responsável pela direção musical e pelos arranjos, e pela dupla formada por Rodolfo Schwenger e Felipe Parisi, este dominando um alcantilado violoncelo e aquele guiando a sutileza pungente do piano.

Desviando dos clichês, ainda que não os renegue por completo, ‘Tempo Certo’ acerta em cheio ao saber como lidar com a não-linearidade de sua história, mesclando passado e presente em pequenas joias que não cansam em nenhum momento. Há uma ideia quase atemporal que permeia a estrutura do musical, motivo pelo qual qualquer pessoa que lhe assista possa se identificar – e posso garantir que as reflexões promovidas pela produção perduram mesmo depois que as cortinas se fecham.

Lembrando que a peça está em cartaz no Teatro Viradalata até o dia 28 de novembro. Clique aqui para mais informações!

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A história, assinada por Rafael Pucca e baseada no curta-metragem ‘Nem que Tudo Termine como Antes’, de Daniel Caselli e Mariana Martinez, acompanha um casal que se metamorfoseia na multiplicidade contemporânea do significado de amar nos “tempos do cólera” – uma ressignificação do romance de Gabriel García Márquez, remodelado a partir de uma perspectiva única e que já nos instiga desde os primeiros momentos. De um lado, temos Cris, personagem que se desdobra nas interpretações impecáveis de Álvaro Real e Éri Correia: a personalidade de Cris é pintada em um espectro calculista, que precisa ter controle sobre tudo e se recusa a ter mais uma decepção, ainda mais considerando a luta diária que trava com a editora para que escreve e que lhe exige um novo best-seller sobre romance e amor; de outro, Daniel Cabral e Vanessa Mello encarnam Duda, o exato oposto de Cris, infundido em um imaculado desejo de viver que tangencia o inconsequente e que coloca em xeque o modo como seu par romântico enxerga o mundo. Ambos fecham uma espécie de acordo: terminar o relacionamento dentro de um ano (segundo Cris, o prazo de validade que a paixão tem).

A princípio, a narrativa parece convencional demais para entregar algo novo – mas Pucca, também responsável pela direção, promete que a trama é mais profunda do que aparece e, no final das contas, ultrapassa nossas expectativas. Afinal, ser humano é uma tarefa complexa e exaustiva que nos coloca contra nós mesmos em uma constância agonizante e perturbadora, incapazes de se jogar, sem medo, em algo novo e que atiça as borboletas no estômago. Cris está em um cárcere privado, dentro da fortaleza calculista que ergueu para se proteger; Duda, por sua vez, tem seus problemas, mas reafirma que o suposto “descontrole” é nada mais que uma forma de gritar, a plenos pulmões, um “f***-se” ao mundo e às instituições que ele representa.

Os quatro atores em cena se transmutam em casais diferenciados, mas que partem de personalidades semelhantes e de objetivos em comum – logo, não é surpresa que esse dinâmico organismo cênico nos chame a atenção. Real e Correia mergulham em uma derradeira realização de que estão prestes a duvidar de absolutamente tudo o que defenderam até agora, brincando com a timidez, o autocontrole e a autossabotagem de forma cândida e relacionável (este que vos escreve, inclusive, se viu representado mais de uma vez); Cabral e Melo, posando como complementares de Cris, dão a Duda um panorama de pura entrega, movimentando-se com fluidez invejável dentro de uma ode ao amor e a todas as coisas boas que ele traz. Tudo confinado em um palco que aposta no mínimo e que dá espaço de sobra para o elenco se tornar grandioso, um epítome arquetípico de algo que todos nós já vivemos.

Além disso, temos uma irretocável redefinição da discografia de Roberta Campos, cujas músicas passam por um processo de adaptação que preza por homenagens dramáticas de tirar o fôlego e de arrancar lágrimas até dos mais céticos. Aqui, dou especial atenção a “De Janeiro a Janeiro”, que encerra com perfeição emblemática a peça, embalada por vocais emocionantes e uma naturalidade aplaudível – e os agradecimentos devem ser feitos a Thiago Perticarrari, responsável pela direção musical e pelos arranjos, e pela dupla formada por Rodolfo Schwenger e Felipe Parisi, este dominando um alcantilado violoncelo e aquele guiando a sutileza pungente do piano.

Desviando dos clichês, ainda que não os renegue por completo, ‘Tempo Certo’ acerta em cheio ao saber como lidar com a não-linearidade de sua história, mesclando passado e presente em pequenas joias que não cansam em nenhum momento. Há uma ideia quase atemporal que permeia a estrutura do musical, motivo pelo qual qualquer pessoa que lhe assista possa se identificar – e posso garantir que as reflexões promovidas pela produção perduram mesmo depois que as cortinas se fecham.

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