Lançado globalmente no dia 24 de dezembro pela Netflix, Adeus, June (Goodbye, June) se apresenta como um drama de despedida formatado para o período natalino. O filme, no entanto, carrega um peso simbólico que ultrapassa o calendário: trata-se da estreia de Kate Winslet na direção. Vencedora do Oscar por O Leitor (2009), Winslet agora assume o controle da narrativa — com resultados aquém da força que marcou sua trajetória diante das câmeras.
A curiosidade inicial em torno do projeto não se limita à mudança de função da atriz. O roteiro é assinado por Joe Anders, filho de Winslet, que também estreia como roteirista. Entre tantas primeiras vezes, instala-se uma sensação incômoda. O impulso por trás da obra parece menos uma urgência artística do que um gesto de legitimação familiar. Essa impressão se infiltra na obra e se manifesta no texto e na encenação padronizada.

A trama acompanha os últimos dias de June (Helen Mirren), internada em um hospital enquanto a família se reúne para antecipar um Natal que talvez não volte a acontecer. Os quatro filhos retornam à casa dos pais trazendo conflitos apenas esboçados. Entre eles está Julia, personagem interpretada pela própria Winslet, mãe de duas crianças, uma no espectro autista. O papel sugeria uma abordagem complexa, mas acaba reduzido à disputa emocional com a irmã Molly (Andrea Riseborough). Desde a primeira cena, ambas são enquadradas de forma esquemática: a executiva bem-sucedida em oposição à dona de casa ressentida.
Helen (Toni Collette), a irmã distante, surge como um alívio cômico, enquanto Connor (Johnny Flynn), o filho que permanece na casa dos pais, ocupa uma posição ambígua entre cuidador e figura acomodada, com uma trajetória queer. O personagem mais injustiçado, no entanto, é o pai, Bernie (Timothy Spall). Ignorado pelos filhos e emocionalmente invalidado, ele ainda é empurrado para um lugar de culpa, pedindo desculpas por não ter “cuidado melhor” de June. O filme tenta extrair empatia dessa dinâmica, mas acaba minando seus próprios personagens com atitudes que não encontram sustentação dramática.

O problema central de Adeus, June está nas escolhas formais. A mise-en-scène abdica de qualquer impacto visual em favor de diálogos explicativos e reiterativos. As imagens raramente comunicam algo por si mesmas, tudo precisa ser dito, explicado, reforçado. O resultado é um cinema que desconfia da própria capacidade expressiva e se comporta como um texto ilustrado. Ambientado majoritariamente em espaços fechados — especialmente quartos de hospital —, o filme não transforma o confinamento em tensão, apenas em clausura estética.
Essa limitação se evidencia ainda mais quando Adeus, June é colocado em perspectiva com As Três Filhas, de Azazel Jacobs. Também ambientado quase integralmente dentro de uma casa, o filme de Jacobs converte o sufocamento espacial em potência dramática. Ali, a dor não é verbalizada em excesso: manifesta-se nos silêncios, nos olhares desviados, nos corpos que hesitam entre o afastamento e o contato. As três irmãs — Carrie Coon, Natasha Lyonne e Elizabeth Olsen —, vindas de realidades distintas, tentam compreender quem era aquele pai em estado paliativo quando elas não estavam presentes. O embate revela ressentimentos reais.
Se As Três Filhas é uma xícara de café transbordante — espessa, quente, capaz de queimar —, Adeus, June se assemelha a um copo de água esquecido sobre a mesa. A comparação evidencia que o problema não está no tema, mas na execução: quando os ingredientes não dialogam, resta apenas a sensação de sorver palavras e imagens sem sabor.

A diferença se cristaliza no desfecho. Em As Três Filhas, a cena final — marcada por uma conversa imaginativa, quase fantasmal — reorganiza as tensões acumuladas e produz um impacto emocional. Em Adeus, June, nada semelhante acontece. Não há catarse, ruptura ou imagem que permaneça. Apenas a confirmação de uma despedida anunciada, mas jamais verdadeiramente sentida.
Diante de outras estreias recentes de atores na direção — como Kristen Stewart em Cronologia da Água ou Harris Dickinson em Urchin —, o filme de Winslet soa cauteloso. Enquanto alguns arriscam linguagem e forma, Adeus, June escolhe o caminho mais seguro. Não falha por ser simples, mas por se conformar ao já conhecido, sem pulsão cinematográfica ou ambição estética.
Para uma artista cuja carreira foi construída a partir de escolhas ousadas e personagens memoráveis, como em Almas Gêmeas (1994), de Peter Jackson, e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), de Michel Gondry, essa estreia no comando das lentes revela menos uma nova voz autoral do que uma hesitação. No cinema, a emoção não se decreta. Constrói-se. E aqui, infelizmente, não chega.
