quinta-feira, março 28, 2024

Crítica Netflix | Mãe e Muito Mais exalta grandes atrizes, mas derrapa no conteúdo

Apesar de protagonizado por três atrizes indicadas ao Oscar (sendo uma delas ganhadora), Mãe e Muito Mais (Otherhood) é uma produção despretensiosa e focada no entretenimento fácil com pitadas de sentimentalismo, empoderamento e, infelizmente, um desenvolvimento capenga. Produzido pelas próprias protagonistas Angela Bassett (Tina – A Verdadeira História de Tina Turner), Felicity Huffman (Transamerica) e Patricia Arquette (Boyhood – Da Infância à Juventude), o filme é baseado no livro Whatever Makes You Happy (2008), de William Sutcliffe

O enredo é conduzido em torno das três grandes amigas Carol (Bassett), Gillian (Arquette) e Helen (Huffman) perante os relacionamentos frustrados com seus filhos depois de adultos, Matt (Sinqua Walls), Daniel (Jake Hoffman) e Paul (Jake Lacy), respectivamente. Por conta de um Dia das Mães quase esquecido pelos três rapazes, elas decidem deixar a cidadezinha do subúrbio e desembarcar para Nova York para participarem da vida dos seus descendentes de perto. 

O tema intromissão desmedida dos pais na vida dos filhos rendeu no último ano o sucesso Não Vai Dar (Blockers, 2018), contudo, a nova produção da Netflix aposta em uma discussão mais adulta, na qual as mães questionam as escolhas das suas crias após anos de dedicação e trabalho.

Ao chegarem para confrontarem o “abandono” dos rapazes, o enredo apresenta razões suficientes para eles se manterem distantes de suas progenitoras. A começar pela revelação do relacionamento abusivo entre Carol e seu falecido marido, o qual refletiu diretamente no afastamento emocional com o seu filho Matt. Segundo, o controle e prejulgamento de Gillian perante as escolhas de Daniel, tal como a reprovação de sua namorada (Heidi Gardner). Por fim, o egocentrismo de Helen que nunca concedeu ao filho um lugar de destaque às suas preocupações, totalmente centradas na dissolução de seu antigo casamento.

Cada qual com seus problemas, Mãe e Muito Mais busca apresentar uma mistura de dilemas a serem resolvidos a partir da iniciativa das mães “procurarem” explicações para o distanciamento emocional de seus filhos, assim como um ajuste de contas. Infelizmente, é nesta parte que o filme falha terrivelmente, seja pela abordagem errônea, seja pela falta de olhar das próprias mulheres para si mesmas. Afinal, o comportamento dos filhos é reflexo das ações delas.

Por outro lado, nem tudo é perdido na obra de Cindy Chupack (produtora do seriado Sex and the City, 1999-2004). Escrito a quatro mãos junto com Mark Andrus (indicado ao Oscar pelo roteiro de Melhor É Impossível, 1997), Otherhood (no original) chama atenção para o papel social da mulher entre os 50 e 60 anos, expondo-as para além de avós,mães e esposas, mas personagens com desejos, voz ativa e direito de diversão em uma boate, por quê não?

Destacado este ponto, o restante da narrativa despenca vertiginosamente na terceira parte do filme, na qual o processo tardio de comunicação entre mães e filhos buscaria colocar os pingos nos is. Os autores, entretanto, entregam um discurso contradizente com o andamento da narrativa e os filhos julgam o comportamento das mães e tornam-se inquisitivos. Além disso, há uma desproporcionada briga entre as três amigas, a qual não acrescenta nada ao enredo e não apresenta uma conclusão plausível. Apesar da ideia inicial de irmandade construída por meio da amizade dos rebentos desde o jardim de infância, os filhos estão longe de apresentarem qualquer traço de camaradagem, exceto por duas cenas do filme: o início e o fim. 

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Ou seja, grande parte da ideia da obra não é posta em evidência, como companheirismo, comunicação entre pais e filhos e, principalmente, o papel das mães na perpetuação do machismo cultural. Embora o último ponto seja mencionado entre Carol e Matt, ele não é apontado como um fato a ser reestruturado. 

Em contrapartida, os momentos mais certeiros ocorrem quando as três atrizes veteranas estão juntas em cena e especulam sobre filhos, casamento, abnegações, etc. Apesar de passar uma escova rápida sobre esses temas, Mãe e Muito Mais entretém e chama atenção para  algumas reflexões, porém, não encanta nem motiva o espectador a envolver-se com a história.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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