domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Nothing Compares’ mostra como a cantora Sinéad O’Connor sempre esteve certa, mas o mundo não estava preparado para isso

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Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022

Popularmente conhecida como uma artista de um hit só (ou One-hit Wonder, no inglês), Sinéad O’Connor talvez seja uma das figuras mais marcantes para a juventude dos anos 90. Vinda de uma fonte semelhante a de Alanis Morissette – embora suas origens sejam diferentes -, ambas fazem parte de um movimento artístico musical em que vozes femininas diversas começaram a ganhar os holofotes. Sem a clássica feminilidade e com um visual muito mais subversivo, as duas ainda deram início a um tempo diferente que até hoje reverbera na cultura POP.



E é com essa abordagem que Kathryn Ferguson chega ao Festival de Sundance com Nothing Compares. E embora o título instantaneamente nos leve ao maior hit da cantora irlandesa, Nothing Compares 2 U, ledo engano achar que em algum segundo sequer desse documentário essa lindíssima canção será tocada. O patrimônio de Prince – autor da música – impediu que a versão de Sinead aparecesse em tela, nos deixando à deriva em relação ao que foi o maior momento musical da carreira da cantora.

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Mas a cineasta sabe em que território pisa e não deixa a ausência de uma canção tão poderosa comprometer a história que se propôs a contar. Porque aqui, muito mais importante do que a longeva e pouco conhecida carreira musical de O’Connor é sua jornada sociocultural como um artista vanguardista – para o bem e para o mal. De comportamento tímido nos bastidores, mas de atitude voraz e controversa nos palcos, a cantora foi uma dicotomia ambulante, uma jovem mulher marcada por traumas e uma infância abusiva, disposta a romper com este ciclo. Mas nos anos 90, ninguém estava preparado para falar sobre masculinidade tóxica e cultura de abuso. Ainda sim, Sinéad continuou esbravejando nos holofotes (vide sua polêmica performance no Saturday Night Live, em 1992), sempre trazendo mais do que canções, mas sim manifestos desconfortáveis e pouco atraentes.

E o documentário se compromete a fazer justiça pela cantora, focando apenas em seus três primeiros álbuns – aqueles que conquistaram a América, para dedicar-se mais à turbulenta e talvez necessária jornada desta que, aos 20 poucos anos, já era mãe e ainda denunciava os casos de pedofilia envolvendo o clero da igreja católica. Focando mais no valor sociocultural que seu posicionamento como artista teve não apenas no auge dos anos 90, como também nos anos que se seguiram, Nothing Compares honra a sua memória, apontando – de forma categórica – que para que muitas artistas femininas da contemporaneidade pudessem voar, Sinéad O’Connor precisou percorrer uma caminhada bem sacrificial.

Fugindo do estigma de que Sinéad teria se tornado uma cantora de one-hit wonder – como a própria MTV tantas vezes a chamou, o doc realmente nos ensina o quão à frente do seu tempo ela de fato estava, tanto em seu icônico e irreverente estilo, bem como em suas posições sociais em prol das mulheres e de tantas outras causas. E ainda que a artista não seja devidamente reconhecida pelas batalhas que tentou travar nos anos 90 – em uma época em que ninguém estava preparado para isso, a diretora nos prova que sim, bem ou mal, a artista foi fundamental para que tais conversas sobre o corpo da mulher, a definição de feminilidade e os crimes da igreja católica fossem devidamente tratados em âmbito público.

Trazendo imagens de arquivo e até mesmo simulações que recriam a infância e o estrelato da artista, a produção destrói o rótulo de “louca” dado por um mundo que hoje é apenas uma memória do passado. E ainda que não seja perfeito, Nothing Compares é pontual em sua narrativa. Ultrapassando as fronteiras da musicalidade, a produção destrincha o significado de cada movimento da artista, que abrindo mão de fama e do sucesso, não se calou perante as algumas das maiores controvérsias mundiais. E por essas outras, quer gostemos ou não de Sinéad, nós devemos a ela nossa gratidão e um genuíno pedido de desculpas.

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Popularmente conhecida como uma artista de um hit só (ou One-hit Wonder, no inglês), Sinéad O’Connor talvez seja uma das figuras mais marcantes para a juventude dos anos 90. Vinda de uma fonte semelhante a de Alanis Morissette – embora suas origens sejam diferentes -, ambas fazem parte de um movimento artístico musical em que vozes femininas diversas começaram a ganhar os holofotes. Sem a clássica feminilidade e com um visual muito mais subversivo, as duas ainda deram início a um tempo diferente que até hoje reverbera na cultura POP.

E é com essa abordagem que Kathryn Ferguson chega ao Festival de Sundance com Nothing Compares. E embora o título instantaneamente nos leve ao maior hit da cantora irlandesa, Nothing Compares 2 U, ledo engano achar que em algum segundo sequer desse documentário essa lindíssima canção será tocada. O patrimônio de Prince – autor da música – impediu que a versão de Sinead aparecesse em tela, nos deixando à deriva em relação ao que foi o maior momento musical da carreira da cantora.

Mas a cineasta sabe em que território pisa e não deixa a ausência de uma canção tão poderosa comprometer a história que se propôs a contar. Porque aqui, muito mais importante do que a longeva e pouco conhecida carreira musical de O’Connor é sua jornada sociocultural como um artista vanguardista – para o bem e para o mal. De comportamento tímido nos bastidores, mas de atitude voraz e controversa nos palcos, a cantora foi uma dicotomia ambulante, uma jovem mulher marcada por traumas e uma infância abusiva, disposta a romper com este ciclo. Mas nos anos 90, ninguém estava preparado para falar sobre masculinidade tóxica e cultura de abuso. Ainda sim, Sinéad continuou esbravejando nos holofotes (vide sua polêmica performance no Saturday Night Live, em 1992), sempre trazendo mais do que canções, mas sim manifestos desconfortáveis e pouco atraentes.

E o documentário se compromete a fazer justiça pela cantora, focando apenas em seus três primeiros álbuns – aqueles que conquistaram a América, para dedicar-se mais à turbulenta e talvez necessária jornada desta que, aos 20 poucos anos, já era mãe e ainda denunciava os casos de pedofilia envolvendo o clero da igreja católica. Focando mais no valor sociocultural que seu posicionamento como artista teve não apenas no auge dos anos 90, como também nos anos que se seguiram, Nothing Compares honra a sua memória, apontando – de forma categórica – que para que muitas artistas femininas da contemporaneidade pudessem voar, Sinéad O’Connor precisou percorrer uma caminhada bem sacrificial.

Fugindo do estigma de que Sinéad teria se tornado uma cantora de one-hit wonder – como a própria MTV tantas vezes a chamou, o doc realmente nos ensina o quão à frente do seu tempo ela de fato estava, tanto em seu icônico e irreverente estilo, bem como em suas posições sociais em prol das mulheres e de tantas outras causas. E ainda que a artista não seja devidamente reconhecida pelas batalhas que tentou travar nos anos 90 – em uma época em que ninguém estava preparado para isso, a diretora nos prova que sim, bem ou mal, a artista foi fundamental para que tais conversas sobre o corpo da mulher, a definição de feminilidade e os crimes da igreja católica fossem devidamente tratados em âmbito público.

Trazendo imagens de arquivo e até mesmo simulações que recriam a infância e o estrelato da artista, a produção destrói o rótulo de “louca” dado por um mundo que hoje é apenas uma memória do passado. E ainda que não seja perfeito, Nothing Compares é pontual em sua narrativa. Ultrapassando as fronteiras da musicalidade, a produção destrincha o significado de cada movimento da artista, que abrindo mão de fama e do sucesso, não se calou perante as algumas das maiores controvérsias mundiais. E por essas outras, quer gostemos ou não de Sinéad, nós devemos a ela nossa gratidão e um genuíno pedido de desculpas.

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