Emergindo das sombras de uma úmida cabine de um navio, László Toth é um imigrante judeu que foge da Europa pós Segunda Guerra Mundial em busca de uma nova vida na América. Seu primeiro contato com o céu nova-iorquino é deslumbrante: uma tomada de lado feita de ponta cabeça da Estátua da Liberdade. Enxergando o monumento pela ótica desse talentoso arquiteto – que por hora não vemos, apenas ouvimos -, logo notamos que estamos diante de um retrato particular. Pelas próximas 3h35 de filme, testemunharemos o mundo por um ângulo invertido, pelas lentes de um artista exemplar e altamente destrutivo. Ali, naqueles primeiros sete minutos de O Brutalista, ainda não sabemos disso. Mas estamos prestes a descobrir o que é a arte, se não o megalomaníaco reflexo de um visionário artista.
A título de confusão, László Toth é uma alegoria fictícia de um homem louco real. Talvez você não saiba, mas se trata de um geólogo húngaro australiano mundialmente conhecido por vandalizar a estátua da Pietà de Michelangelo, em 1972. Até então, seu nome configurava nos átrios da história por seu crime jamais devidamente pago. Mas a partir do novo longa dirigido por Brady Corbet e co-escrito por ele e Mona Fastvold, ele ganha um novo significado. Agora se materializando como um arquiteto embriagado em sua própria obsessão criativa, essa atípica e tão bem escolhida alcunha passa a ser também o caminho percorrido por Adrien Brody em direção ao seu possível segundo Oscar.
E que genial de Corbet em transformar uma antiga história de um louco em uma epígrafe para O Brutalista. Propositalmente criando uma superficial, porém certeira, conexão com um homem do passado, ele arquiteta seu drama como uma espécie de cinebiografia. Da chegada de seu protagonista à América a sua consolidação em seu ramo de atuação, perpassamos pelos principais momentos de sua vida sempre com aquela percepção dúbia de hora estarmos diante de uma ficção e hora diante da razão. Com nosso raciocínio cinematográfico induzido a uma busca por uma boia de salvação que nos confirme a veracidade da história de László, somos constantemente confrontados com a certeza de que ali, tudo não passa de uma criação imagética do cineasta.
Ainda assim, bebemos do cálice dessa inebriante aventura, sedentos para que isso seja mais do que um drama ficcional. Não é. Mas nada nos impede de sermos tomados pela alucinante e épica jornada desse voraz homem preso em sua própria criatividade e conduzido pela ambição de um outro homem rico, vivido por Guy Pearce. E embora O Brutalista se estenda muito mais do que a média do cinema contemporâneo, as desventuras e descobertas de Lászlo, tanto como um funcional viciado em heroína, bem como um arquiteto avant-garde, são habilmente trabalhadas em tela, abreviando o cansaço que um filme longo comumente traria ao afegão médio em busca de um entretenimento.
Dividindo sua história em três extensos atos, Corbet convida a audiência para uma experiência homérica sobre a vida humana, seus dissabores, tropeços e acertos. A partir de um homem fictício de nome e sobrenome reais, desfrutamos dessa ode às avessas à imigração. Mergulhamos em seus rompantes de loucura, tamanha a obsessão pela arquitetura das coisas, e acompanhamos seu tumultuado casamento. E sob uma direção mais precisa e madura, o ex-ator de filmes indie usa sua antiga habilidade em tela para agora, como cineasta, conduzir seu elenco à epítome da loucura. Abordando o preço da grandeza, Brady direciona suas lentes para uma exploração mais rigorosa e requintada do design de produção de seu filme – que assume papel protagonista na trama -, à medida em que abre espaço para que seu elenco brilhe.
E assim, Brody, Pearce, Felicity Jones e Joe Alwyn dançam em tela em performances arrebatadoras, em um espetáculo dantesco sobre o assombroso peso que o talento artístico às vezes carrega na mente de seus torturados artistas. Com uma fotografia estonteante, o longa ainda é uma epifania sobre poder em suas diversas esferas e dimensões, do rico investidor com ares de filantropo ao megalomaníaco artista que se embriaga na serotonina de sua arquitetura. E nessa corrida da vida onde obsessão, prazeres perversos, arte e dinheiro se digladiam, O Brutalista se solidifica como uma poderosa e revigorante epopeia pós-moderna. Com alguns pequenos problemas de ritmo que são ofuscados pela beleza total de seu resultado final, o novo filme de Brady Corbet é a epítome do cinema premium, sem espaço para agendas progressistas e unicamente focado na pureza da arte da mais alta qualidade.