“Aos que vieram, aos que virão. Aos presentes e aos ausentes. Visíveis ou invisíveis, aqui, mas não aqui”.
Mike Flanagan tornou-se um expoente no cenário do entretenimento contemporâneo e, afastando-se das convencionais histórias de terror, mergulhou de cabeça em subgêneros que conquistaram o público e a crítica ao redor do mundo. Ainda que não tenha encerrado a carreira, Flanagan entregou sua obra-prima com ‘A Maldição da Residência Hill’, uma ode ao horror gótico que trouxe inúmeras temáticas importantes para discussão, incluindo depressão, ansiedade e confiança – mesclando o terror social com belíssimas e aplaudíveis sequências de suspense que arrepiaram até mesmo os mais céticos. Agora, o realizador está de volta com a ambiciosa série ‘O Clube da Meia-Noite’, que chegou recentemente ao catálogo da Netflix.
Baseado no romance homônimo assinado por Christopher Pike, a narrativa acompanha Ilonka (Iman Benson), uma jovem que sua vida mudar por completo ao ser diagnosticada com câncer de tireoide terminal. Para passar o resto de seus dias ao lado de pessoas que a entendem, ela se muda para o Instituto Brightcliffe, uma casa de repouso supervisionada pela misteriosa Dra. Georgina Stanton (Heather Langenkamp) em que pessoas conseguem se sentir confortáveis até dar adeus. Mas isso não é tudo: ao chegar lá, Ilonka conhece outras pessoas de sua idade que sofrem de mal similar e que se reúnem toda meia-noite para compartilhar histórias de terror – enquanto eventos sombrios se desenrolam nos corredores do instituto.
Visto que a produção se trata de um título de Flanagan, nada é o que parece ser – e a formulaica premissa é apenas um modo de chamar a atenção dos espectadores. A verdade é que ele, aliado a um time mais que competente de roteiristas e diretores, aproveita o escopo criado para investir em análises sobre a inevitabilidade da morte e até mesmo a metafísica do tempo, em que as vidas dos protagonistas e coadjuvantes estão prestes a ser interrompidas por uma força maior e incontrolável. Ilonka, por exemplo, é obrigada a abandonar o sonho de entrar para a faculdade e estudar literatura, mas carrega esse desejo perdido para um novo capítulo, utilizando o que há em sua disposição para transformar uma tragédia inesperada em um cotidiano “normal”, em que ela pode se esquecer, nem que seja por um segundo, de um destino inescapável.
Mas ela não é a única: temos também a presença de Igby Rigney como Kevin, um charmoso ex-atleta que tenta fazer o máximo de cada dia; Annarah Cymone como Sandra, uma devota religiosa que acredita que Deus tem um plano para todos nós; Chris Sumpter como Spencer, que foi escorraçado pela mãe ao revelar ser gay e que foi diagnosticado com AIDS; Adia como Cheri, uma garota que inventa histórias mirabolantes para lidar com a ausência de ambos os pais; Aya Furukawa como Natsuki, que tentou se suicidar quando mais jovem e, agora, luta o tempo inteiro para permanecer viva o máximo de tempo possível; e Sauriyan Sapkota como Amesh, um menino apaixonado por videogames, cujos pais buscam exílio político – todos com seu momento de roubar os holofotes e delineado com máximos respeito e profundidade.
Enquanto cada um se entrega de corpo e alma a atuações impecáveis, nossa atenção é constantemente direcionada para Ruth Codd como Anya. A rebelde jovem posa como durona e com uma personalidade intransponível, como forma de se proteger dos males. Anos atrás, ela era uma habilidosa bailarina que sofria com um perfeccionismo atroz e que a levou a tomar decisões bem controversas que lhe custaram tanto os pais (visto que ela se culpa pelo fato de terem morrido), o melhor amigo e uma das pernas, impedindo-a de continuar dançando. E, considerando que é natural que tenhamos uma personagem assim em uma série adolescente, Codd se afasta das obviedades e fornece uma naturalidade comovente que arranca lágrimas de qualquer um que se conecte com as dores que Anya sente.
Flanagan faz um trabalho exemplar ao conduzir os episódios no tempo que lhe é destinado, sem se apressar para concluir os arcos e garantindo que os capítulos terminem com um gancho surpreendente para convencer o público de terminar a jornada. Aqui, o showrunner também presta homenagens para os estilos cinematográficos e literários que inspiraram sua carreira, desde as incursões neo-noir dos anos 1940 e 1950 até os filmes slasher que se popularizaram a partir da década de 1970 – sem perder a originalidade e sem deixar de remodelá-los a seu bel-prazer. Porém, é notável que a multiplicidade de tramas é um obstáculo a ser enfrentado, visto que, à medida que nos aproximamos do season finale, Flanagan deixa um gostinho agridoce de frustração pela incompletude e por nos guiar em um caminho diferente do previsto (não de uma forma boa, em comparação aos outros títulos do realizador).
‘O Clube da Meia-Noite’ pode não ser a melhor entrada da filmografia de Flanagan, mas funciona em sua maior parte, permitindo que as engrenagens se encaixem com perfeição e que o resultado seja bastante aprazível e emocionante. Ainda não sabemos se haverá uma segunda temporada, mas o episódio final abre inúmeras portas que podem expandir essa mitologia envolvente e recheada de acontecimentos instigantes.