O quadrinista James O’Barr é daqueles caras que, se quisesse, não precisava fazer mais nada da vida, porque já escreveu sua obra definitiva: ‘O Corvo’, uma história de amor impossível que, primeiramente, foi roteirizada e desenhada pelo próprio autor estadunidense, em 1994 – uma época pré-globalização, pré-internet e pós-rebelião rock n roll na década de 80; uma época que pulsava, naquele país, bandas como Nirvana, Pearl Jam, Guns n’ Roses e a juventude andava em tribos góticas, punk, grunge, etc. Mas a história de amor e vingança de ‘O Corvo’ conquistou públicos de todos os nichos, e ganhou sua primeira adaptação cinematográfica, estrelada por Brandon Lee (filho do lendário ator e lutador Bruce Lee). Tudo isso já era suficiente para alçar o filme (e a HQ) ao estrelato, mas, durante as gravações, Brandon acabou se acidentando com uma arma de verdade e faleceu no set de filmagem – e isso contribui para uma atmosfera de “maldição” àquela produção. Em outras palavras, prato cheio para a juventude consumir aquela história bela, sensual, de amor e de ódio e que ainda tinha um fundo trágico na vida real. De lá para cá, ‘O Corvo’ ganhou mais algumas adaptações audiovisuais, já foi versão mangá, já foi remasterizado e a partir dessa semana chega ao circuito exibidor em mais uma adaptação da história de O’Barr.
Shelly (FKA twigs) está sendo procurada por caras barra-pesada com quem costumava trabalhar. Para sobreviver, ela se deixa ser presa, e é encaminhada para um centro de reabilitação. Lá conhece o recluso Eric (Bill Skarsgard, de ‘It: A Coisa’) e, aos poucos, vai se aproximando do rapaz, derrubando suas barreiras. Quando os capangas de Vincent Roeg (Danny Huston, de ‘O Aviador’) aparecem no local atrás dela, Eric a ajuda a escapar, fugindo com ela. Começa assim, uma história de amor sem medidas entre os dois, porém, Vincent Roeg consegue silenciar Shelly, o que faz com que Eric atravesse o inferno para vingar a perda de seu grande amor.
É inevitável comparar a mais nova adaptação de ‘O Corvo’ com a primeira versão, ou mesmo com a história original, em quadrinhos. Inevitável, mas não impossível.
Os roteiristas Zach Baylin e William Josef Schneider fizeram escolhas curiosas que transformam ‘O Corvo’ atual numa versão mais palatável para as atuais audiências. Se antes a violência tomava conta de quase toda a extensão do longa, aqui ela é mais concentrada em momentos específicos do filme, mais para o terço final. Outra escolha ousada foi a de concentrar boa parte da história no relacionamento entre Eric e Shelly, dando um background inesperado ao casal, provavelmente para fazer com que o espectador se conecte com os dois e, assim, entenda o tamanho da perda do protagonista. Isso leva o filme a ser a versão mais solar de ‘O Corvo’, com cenas em locais abertos e ensolarados, cenas de diversão com amigos e de situações cotidianas, como qualquer casal.
Nessa versão menos sombria proposta pelo diretor Rupert Sanders (‘Branca de Neve e o Caçador’), o protagonista ganha um corte de cabelo argentino e uma pegada mais “it boy” (com o perdão do trocadilho), mais fashionista do personagem, que demora a vestir a parca de couro (que é a assinatura do personagem). Dessa vez, o personagem se sente confuso, frágil até, oferecendo um longo arco de crescimento até o grand finale de sua vingança.
Levemente sensual e mais gente como a gente, ‘O Corvo’ chega nos cinemas numa leitura menos dark e mais contemporânea de uma história de amor intensa e trágica, dialogando com a linguagem e os elementos da juventude cosplayer para um filme de romance e de drama esteticamente bonito e artisticamente bem trabalhado.