Comédia nacional bem representada
O Duelo é um filme convencional, um filme à moda antiga. Parece feito em outra época, longe de qualquer modernidade, o que inclui a narrativa. Sua amenidade, o que será um trunfo na visão de muitos (já que passa longe do mau gosto, piadas de baixo calão e bobeiras de qualquer tipo, que costumam dominar o gênero no cinema nacional), também poderá ser considerada seu calcanhar de Aquiles para tantos outros.
É muito bom ver cinema brasileiro de qualidade. É melhor ainda ver uma comédia nacional de qualidade. Em geral, o gênero ainda permanece como o mais marginalizado de críticas favoráveis – pertinentemente, diga-se. É muito bom ver num fim de semana, estreias como Meus Dois Amores, baseado no texto “Corpo Fechado”, de Guimarães Rosa, e este O Duelo, baseado no texto “Os Velhos Marinheiros”, de Jorge Amado.
É exatamente isto que ganhamos a partir desta quinta-feira nos cinemas brasileiros, duas produções baseadas em dois dos mais cultuados autores de nossa pátria. Distribuído pela Warner, o filme traz o português Joaquim de Almeida na pele do pomposo Capitão Vasco Moscoso de Aragão. O sujeito honrado e cheio de si chega para mudar a pequena cidade costeira de Periperi, Salvador, Bahia, como seu novo morador.
Não demora, para que o protagonista faça amizades e comece a enaltecer os ouvidos dos humildes e simplórios residentes com suas histórias ricas de aventuras pelo mundo, e repletas de ardentes paixões. Logo, o sujeito se torna o mais ilustre morador o local. Isto é, até a volta de Chico Pacheco (vivido pelo saudoso José Wilker) para a cidade, que enciumado pela atenção que Vasco vem recebendo, começa a duvidar de suas realçadas proezas.
O teor do filme casa perfeitamente com a história narrada, ao ponto de não conseguirmos distinguir a época apresentada. Esta poderia muito bem ser uma trama passada na década de 1950, se não a for. Essa qualidade de história antiga, quase não contada nos dias cínicos de hoje, é uma das coisas que mais atraem em O Duelo. É sabido que tal integridade, ou a pretensão dela, é algo perdido no tempo.
Voltando para a trama, a inveja fala mais alto e o personagem de Wilker se vê decidido a provar que o protagonista é nada mais do que uma fraude. Neste momento, ganhamos o backstory do personagem principal, ao que o filme se divide em dois, contado agora através de um longo flashback. Existe ainda na trama o último terço do todo, o terceiro ato, que divide mais uma vez a obra em um filme particular, com o protagonista precisando viajar no comando de um grande cruzeiro.
O ar de “filme feito para a TV”, ou “especial de TV” é um argumento válido. Também não está equivocado o sentimento de estranheza em relação aos fragmentos que a obra possui, que como dito, transforma o filme em três, sem tanta coesão. São apenas dois momentos de brilho técnico, que tiram o comando da obra do automático. Um giro de 360 graus envelhece o protagonista até seu estado atual, e um jogo de pôquer termina com sabor mais agradável devido ao estilo visual impresso, com closes pausados de expressões faciais, pelo diretor.
Marcos Jorge, do elogiadíssimo Estômago (2007), é o cineasta por trás da obra. E aqui entrega uma produção completamente diferente, menos ousada, porém, mais palatável ao grande público. Isso sem comprometer a integridade do texto de Amado, ou sequer a qualidade geral do teor simples, mas não dispensável. Joaquim de Almeida atrai instantaneamente, e nos faz acompanhar de perto, sem querer tirar os olhos, a fascinante jornada deste, nem sempre correto, líder. O Duelo possui qualidades de sobra, entre elas uma despedida digna para o veterano Wilker. Se formos levar em conta o resultado da maioria das comédias nacionais, aí sim é que esta produção ganha ainda mais força.