domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | O Escândalo – Três gerações de mulheres empoderadas brilham em drama

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Até as Últimas Consequências

Durante séculos as mulheres lutaram por seus direitos de estarem mais incluídas na sociedade, fosse pelo trabalho ou pelo voto. Mas esta foi apenas a primeira vitória, pois uma nova e mais sórdida continua sendo travada em seus bastidores de emprego. O assédio sexual, moral, o abuso diário sofrido por mulheres nos mais variados âmbitos da vida profissional é uma premissa mais que digna para qualquer obra de arte, sejam livros, séries e produções cinematográficas. E é justamente o mote para este O Escândalo (Bombshell).

Capitaneado pela musa Charlize Theron, que além de protagonizar na pele da jornalista Megyn Kelly, produz o longa ao lado do diretor Jay Roach e do roteirista Charles Randolph, o projeto nasceu de uma história real ocorrida no coração de um dos veículos de extrema direita norte-americano, a Fox News. Por mais controversas que sejam as opiniões dos jornalistas contratados pelo canal (alguns sequer concordando com o que são forçados a dizer em rede nacional – o que cria todo um novo debate sobre jornalismo e moral), o foco do filme não é ideologia política e sim a conduta opressora dentro do local de tralho. E claro, empoderamento feminino.



Voltando ao parágrafo acima, embora não seja o foco, a ideologia não é esquecida, muito pelo contrário. O filme abre bem na época da fervorosa campanha política à presidência norte-americana que elegeu Donald Trump. O presidente dos EUA, como figura polêmica que é, não poderia escapar ileso. O Escândalo abre com a “guerra pessoal” entre a protagonista e o candidato durante uma entrevista. Um dos inúmeros acertos do longa é descortinar os bastidores de uma emissora de TV deste porte, onde o que mais importa são os números. Tal insight jornalístico o coloca ao lado de produções elogiadas como Rede de Intrigas (1976) e Nos Bastidores da Notícia (1987), dadas as devidas proporções.

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A trama acompanha três mulheres, jornalistas, em fases diferentes de suas carreiras, mas todas trabalhando para a mesma companhia: Megyn Kelly (Theron) está na crista da onda e é uma das profissionais mais respeitadas da área; Gretchen Carlson (Nicole Kidman) é a veterana tirada do horário nobre para um programa sem muita audiência por não aceitar desaforo – ela se encontra em decadência até de fato ser demitida do canal; e Layla Pospil (Margot Robbie), do trio principal a única personagem criada para o filme, é a novata recém-chegada na emissora, com grandes sonhos e ambições. As três, mesmo sem saber inicialmente, estão ligadas por um ocorrido repugnante, que está intrinsecamente vinculado a suas carreiras profissionais: todas foram assediadas sexualmente pelo chefe, o diretor geral da rede, Roger Ailes (John Lithgow).

Só de termos um trio do porte de Theron, Kidman e Robbie, que são verdadeiramente a nata de suas gerações, já valeria o ingresso. Quando elas entregam atuações empenhadas neste nível, a coisa melhora o sabor consideravelmente. Não por acaso, Theron e Robbie estão indicadas no Globo de Ouro pro ano que vem, e possivelmente verão novas indicações ao Oscar no currículo (e quem sabe Kidman as acompanhe). O elenco de apoio é igualmente espetacular, com destaque para Lithgow, humanizando bastante seu crápula, um dinossauro fora de seu tempo.

O roteiro de Randolph é exímio, e repete as mesmas batidas que já havia entregue em A Grande Aposta (2015), sucesso no Oscar de alguns anos atrás. Seus diálogos expositivos servem para situar a audiência no complexo emaranhado de, não só quem é quem neste jogo, mas também como o jogo funciona. Estes são alguns dos casos onde exposição é bem-vinda, trabalhando a favor da narrativa e da construção da história. Fora isso, o roteirista tem tempo para criar diálogos memoráveis, os quais iremos repetir ao longo de todo o ano, ou quem sabe para sempre. Alguns dos mais divertidos se encontram na boca da Jess Carr de Kate McKinnon, a colega de trabalho de Robbie. O roteiro favorece o trio e suas coadjuvantes, dando espaço para todas brilharem, além de tratar o tema delicado com a seriedade que ele merece.

A direção de Roach – mais lembrado por ter comandado comédias de sucesso vide a trilogia Austin Powers e Entrando Numa Fria, mas igualmente escolado no cinema político e social, vide Virada no Jogo (2012), Trumbo – Lista Negra (2015) e Até o Fim (2016) – é dinâmica e fluída, movendo o ritmo de forma acelerada, e não dando descanso ao espectador. Seu filme faz com as palavras e trama, o que filmes de super-heróis fazem com a ação para a garotada: que é deixar todos grudados na tela, sem fôlego. Aqui, nos sentimos mais estimulados, por tratar de questionamentos reais e atuais. Só de pensarmos o quão próximo foi o ocorrido (em 2016), é de causar arrepios.

No quesito das escorregadas, a principal é a maquiagem que modifica os rostos de Theron e Kidman para deixá-las mais parecidas com suas contrapartes reais. Completamente desnecessário, o artifício mais nos distrai do que ajuda a contar esta história. Afinal, onde está escrito que para dar credibilidade a esta poderosa trama, é necessário que tais mulheres fiquem idênticas às personagens reais? O cinema é magia, faz de conta e saltos de fé. Essa história é mais importante do que apenas as mulheres que as envolve, é para todas as mulheres do planeta, e a identificação seria maior caso víssemos em tela as presenças de Theron e Kidman. Neste caso soa apenas como exercício prático para mostrar o que os profissionais do ramo de próteses, penteados e maquiagem são capazes de fazer. A de Kidman, no entanto, deixa a desejar, soando muito artificial.

Apesar de tal deslize e de uma montagem ligeiramente frouxa, O Escândalo mostra a que veio, indo direto ao ponto como uma faca no coração. Os avessos ao feminismo panfletário ou qualquer discurso unilateral podem descansar sossegados também, o longa não está aqui para unicamente levantar bandeiras, embora seja um filme denúncia. Seu maior mérito é o desenvolvimento de seus personagens, humanizando “vilões”, mostrando seu lado bom, e ao mesmo tempo apresentando as falhas das protagonistas, seja no lado da ambição ou na falta de sororidade. Erros que nos faz humanos e não propagandas ambulantes para qualquer causa. O problema existe, é real, deve ser combatido e erradicado. Mas as pessoas continuarão sendo apenas humanas.

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Capitaneado pela musa Charlize Theron, que além de protagonizar na pele da jornalista Megyn Kelly, produz o longa ao lado do diretor Jay Roach e do roteirista Charles Randolph, o projeto nasceu de uma história real ocorrida no coração de um dos veículos de extrema direita norte-americano, a Fox News. Por mais controversas que sejam as opiniões dos jornalistas contratados pelo canal (alguns sequer concordando com o que são forçados a dizer em rede nacional – o que cria todo um novo debate sobre jornalismo e moral), o foco do filme não é ideologia política e sim a conduta opressora dentro do local de tralho. E claro, empoderamento feminino.

Voltando ao parágrafo acima, embora não seja o foco, a ideologia não é esquecida, muito pelo contrário. O filme abre bem na época da fervorosa campanha política à presidência norte-americana que elegeu Donald Trump. O presidente dos EUA, como figura polêmica que é, não poderia escapar ileso. O Escândalo abre com a “guerra pessoal” entre a protagonista e o candidato durante uma entrevista. Um dos inúmeros acertos do longa é descortinar os bastidores de uma emissora de TV deste porte, onde o que mais importa são os números. Tal insight jornalístico o coloca ao lado de produções elogiadas como Rede de Intrigas (1976) e Nos Bastidores da Notícia (1987), dadas as devidas proporções.

A trama acompanha três mulheres, jornalistas, em fases diferentes de suas carreiras, mas todas trabalhando para a mesma companhia: Megyn Kelly (Theron) está na crista da onda e é uma das profissionais mais respeitadas da área; Gretchen Carlson (Nicole Kidman) é a veterana tirada do horário nobre para um programa sem muita audiência por não aceitar desaforo – ela se encontra em decadência até de fato ser demitida do canal; e Layla Pospil (Margot Robbie), do trio principal a única personagem criada para o filme, é a novata recém-chegada na emissora, com grandes sonhos e ambições. As três, mesmo sem saber inicialmente, estão ligadas por um ocorrido repugnante, que está intrinsecamente vinculado a suas carreiras profissionais: todas foram assediadas sexualmente pelo chefe, o diretor geral da rede, Roger Ailes (John Lithgow).

Só de termos um trio do porte de Theron, Kidman e Robbie, que são verdadeiramente a nata de suas gerações, já valeria o ingresso. Quando elas entregam atuações empenhadas neste nível, a coisa melhora o sabor consideravelmente. Não por acaso, Theron e Robbie estão indicadas no Globo de Ouro pro ano que vem, e possivelmente verão novas indicações ao Oscar no currículo (e quem sabe Kidman as acompanhe). O elenco de apoio é igualmente espetacular, com destaque para Lithgow, humanizando bastante seu crápula, um dinossauro fora de seu tempo.

O roteiro de Randolph é exímio, e repete as mesmas batidas que já havia entregue em A Grande Aposta (2015), sucesso no Oscar de alguns anos atrás. Seus diálogos expositivos servem para situar a audiência no complexo emaranhado de, não só quem é quem neste jogo, mas também como o jogo funciona. Estes são alguns dos casos onde exposição é bem-vinda, trabalhando a favor da narrativa e da construção da história. Fora isso, o roteirista tem tempo para criar diálogos memoráveis, os quais iremos repetir ao longo de todo o ano, ou quem sabe para sempre. Alguns dos mais divertidos se encontram na boca da Jess Carr de Kate McKinnon, a colega de trabalho de Robbie. O roteiro favorece o trio e suas coadjuvantes, dando espaço para todas brilharem, além de tratar o tema delicado com a seriedade que ele merece.

A direção de Roach – mais lembrado por ter comandado comédias de sucesso vide a trilogia Austin Powers e Entrando Numa Fria, mas igualmente escolado no cinema político e social, vide Virada no Jogo (2012), Trumbo – Lista Negra (2015) e Até o Fim (2016) – é dinâmica e fluída, movendo o ritmo de forma acelerada, e não dando descanso ao espectador. Seu filme faz com as palavras e trama, o que filmes de super-heróis fazem com a ação para a garotada: que é deixar todos grudados na tela, sem fôlego. Aqui, nos sentimos mais estimulados, por tratar de questionamentos reais e atuais. Só de pensarmos o quão próximo foi o ocorrido (em 2016), é de causar arrepios.

No quesito das escorregadas, a principal é a maquiagem que modifica os rostos de Theron e Kidman para deixá-las mais parecidas com suas contrapartes reais. Completamente desnecessário, o artifício mais nos distrai do que ajuda a contar esta história. Afinal, onde está escrito que para dar credibilidade a esta poderosa trama, é necessário que tais mulheres fiquem idênticas às personagens reais? O cinema é magia, faz de conta e saltos de fé. Essa história é mais importante do que apenas as mulheres que as envolve, é para todas as mulheres do planeta, e a identificação seria maior caso víssemos em tela as presenças de Theron e Kidman. Neste caso soa apenas como exercício prático para mostrar o que os profissionais do ramo de próteses, penteados e maquiagem são capazes de fazer. A de Kidman, no entanto, deixa a desejar, soando muito artificial.

Apesar de tal deslize e de uma montagem ligeiramente frouxa, O Escândalo mostra a que veio, indo direto ao ponto como uma faca no coração. Os avessos ao feminismo panfletário ou qualquer discurso unilateral podem descansar sossegados também, o longa não está aqui para unicamente levantar bandeiras, embora seja um filme denúncia. Seu maior mérito é o desenvolvimento de seus personagens, humanizando “vilões”, mostrando seu lado bom, e ao mesmo tempo apresentando as falhas das protagonistas, seja no lado da ambição ou na falta de sororidade. Erros que nos faz humanos e não propagandas ambulantes para qualquer causa. O problema existe, é real, deve ser combatido e erradicado. Mas as pessoas continuarão sendo apenas humanas.

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