terça-feira , 3 dezembro , 2024

Crítica | O Homem dos Sonhos – Nicolas Cages é um loser em sátira à sociedade da imagem, que enaltece e ataca seus ídolos

Após a excelente e perturbadora comédia de horror Sick of Myself (Farta de mim mesma, na tradução livre, disponível na MUBI), o diretor e roteirista norueguês Kristoffer Borgli retorna com uma excêntrica satira sobre estrelado e cancelamento na era das redes sociais. Protagonizado de modo excepcional por Nicolas Cage, O Homem dos Sonhos (Dream Scenario) é, ao mesmo tempo, hilariante e fantasmagórico, nos levando às gargalhadas e à perplexidade diante do nosso próprio reflexo no espelho social. 

Na casa dos 50 anos, Paul Matthews (Nicolas Cage) é um pacato professor universitário de biologia, casado com Janet (Julianne Nicholson) e pai das adolescentes Sophie (Lily Bird) e Hannah (Jessica Clement), vivendo tranquilamente em subúrbio residencial. Um belo dia, a filha mais velha conta de um sonho estranho com o pai — a cena inicial do longa —, no qual em meio a inusitadas ocorrências, ele permanece estagnado. 



A partir do relato da filha, ele fica intrigado com a sua pacificidade diante de tal situação. Além da rotina familiar, o seu cotidiano consiste em ensinar jovens dispersos na universidade e lamentar não seguir um projeto de pesquisa “sequestrado” por uma colega da academia. Um inexplicável fenômeno, entretanto, transforma sua pacata vida em um objeto de atenção midiática e altamente frutífero para a indústria da publicidade e o seu ego.

De um dia para o outro, milhares de pessoas começam a sonhar com ele, sempre passivo diante de enormes ocorrências, ataques mortíferos, terremotos, perseguições,etc. A criatividade do inconsciente humano leva Paul Matthews para as circunstâncias mais absurdas da mente de cada pessoa. Em poucas semanas, ele tornou-se uma estrela da internet. As pessoas querem tirar fotos com o “homem dos sonhos”, os alunos se multiplicam em suas aulas, as suas filhas sentem-se orgulhosas e até a esposa consegue uma promoção no trabalho. 

Com toda esta atenção, Paul deseja realizar o seu próprio sonho: publicar um livro dedicado à sua pesquisa científica. Dentro dessa mistura de assustadora realidade e controversa fantasia, o acadêmico é agenciado por uma empresa — encabeçada por Trent (Michael Cera)  —  interessada em torná-lo garoto propaganda de marcas para entrar no sonho das pessoas, como a inserção de uma ideia em A Origem, de Christopher Nolan

No fim das contas, na era das redes sociais, a questão é como monetizar em cima de algo que prende a atenção das pessoas. Como no inicial passe de mágica, os sonhos tornam-se literalmente pesadelos. Assim Paul Matthews passa da pessoa mais amada do mundo para a mais odiada em questão de dias. 

Um tanto ranzinza, sem senso de humor e sempre de suéteres bege, camisa xadrez e um volumoso casaco, além de um resto de cabelo ao redor da careca, Nicolas Cages interpreta com maestria o personagem perdedor, sendo tanto engraçado quanto comovente. Numa mistura de momentos cômicos e pesarosos, como o possível —  e fracassado —  encontro sexual com a muito mais jovem assistente da agência publicitária Molly (Dylan Gelula), 

O enredo é cáustico e nos enreda nas incertezas das nossas próprias vidas, recheada de desejos e frustrações. Assim como no seu filme anterior, Kristoffer Borgli abusa do humor —  e de um revés macabro —  para mirar nas feridas sociais das últimas duas décadas sobre a nossa carência de atenção e ardência por holofotes. 

Em uma alusão à teoria de A Sociedade do espetáculo, de Guy Debord, lançado nos anos 1960, Kristoffer Borgli assume o mesmo discurso pessimista e cruel da sua obra anterior, mas ao invés de focar na juventude, ele aponta para meia idade e as frustrações de planos que não deram certos. Desse modo, O Homem dos Sonhos é divertido, amedrontador e, sobretudo, uma maneira original de afrontar nossas secretas angústias cotidianas. 

Com produção do macabro Ari Aster (Hereditário, Midsommar e Beau tem medo), O Homem dos Sonhos estava previsto para ser dirigido pelo próprio e protagonizado por Adam Sandler. Com o sucesso de crítica de Sick of Myself, a produtora A24 concedeu a Kristoffer Borgli o direito de dirigir seu próprio roteiro e, desse modo, ele exigiu Nicolas Cage para o papel principal. Conhecido por seus exageros cênicos e maneirismos, o papel do perdedor e, posteriormente, invasor dos pesadelos encaixou-se perfeitamente ao tom do ator norte-americano.

Com uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Performance Masculina em Comédia e Musical, Nicolas Cage pode até chegar aos Oscars 2024, assim como O Homem dos Sonhos deve buscar um disputado espaço entre os concorrentes ao prêmio de roteiro original. Igualmente, o norueguês Kristoffer Borgli encontra o seu espaço na seara de diretores originais, fantásticos e cruéis ao elaborar a realidade a partir de personagens extremos, como, por exemplo, Yorgos Lanthimos, Ari Ester e Charles Kaufman

Lançado em setembro no Festival de Toronto 2023, O Homem dos Sonhos (Dream Scenario), chega aos cinemas brasileiro em 28 de março de 2024, com distribuição da California Filmes.

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Na casa dos 50 anos, Paul Matthews (Nicolas Cage) é um pacato professor universitário de biologia, casado com Janet (Julianne Nicholson) e pai das adolescentes Sophie (Lily Bird) e Hannah (Jessica Clement), vivendo tranquilamente em subúrbio residencial. Um belo dia, a filha mais velha conta de um sonho estranho com o pai — a cena inicial do longa —, no qual em meio a inusitadas ocorrências, ele permanece estagnado. 

A partir do relato da filha, ele fica intrigado com a sua pacificidade diante de tal situação. Além da rotina familiar, o seu cotidiano consiste em ensinar jovens dispersos na universidade e lamentar não seguir um projeto de pesquisa “sequestrado” por uma colega da academia. Um inexplicável fenômeno, entretanto, transforma sua pacata vida em um objeto de atenção midiática e altamente frutífero para a indústria da publicidade e o seu ego.

De um dia para o outro, milhares de pessoas começam a sonhar com ele, sempre passivo diante de enormes ocorrências, ataques mortíferos, terremotos, perseguições,etc. A criatividade do inconsciente humano leva Paul Matthews para as circunstâncias mais absurdas da mente de cada pessoa. Em poucas semanas, ele tornou-se uma estrela da internet. As pessoas querem tirar fotos com o “homem dos sonhos”, os alunos se multiplicam em suas aulas, as suas filhas sentem-se orgulhosas e até a esposa consegue uma promoção no trabalho. 

Com toda esta atenção, Paul deseja realizar o seu próprio sonho: publicar um livro dedicado à sua pesquisa científica. Dentro dessa mistura de assustadora realidade e controversa fantasia, o acadêmico é agenciado por uma empresa — encabeçada por Trent (Michael Cera)  —  interessada em torná-lo garoto propaganda de marcas para entrar no sonho das pessoas, como a inserção de uma ideia em A Origem, de Christopher Nolan

No fim das contas, na era das redes sociais, a questão é como monetizar em cima de algo que prende a atenção das pessoas. Como no inicial passe de mágica, os sonhos tornam-se literalmente pesadelos. Assim Paul Matthews passa da pessoa mais amada do mundo para a mais odiada em questão de dias. 

Um tanto ranzinza, sem senso de humor e sempre de suéteres bege, camisa xadrez e um volumoso casaco, além de um resto de cabelo ao redor da careca, Nicolas Cages interpreta com maestria o personagem perdedor, sendo tanto engraçado quanto comovente. Numa mistura de momentos cômicos e pesarosos, como o possível —  e fracassado —  encontro sexual com a muito mais jovem assistente da agência publicitária Molly (Dylan Gelula), 

O enredo é cáustico e nos enreda nas incertezas das nossas próprias vidas, recheada de desejos e frustrações. Assim como no seu filme anterior, Kristoffer Borgli abusa do humor —  e de um revés macabro —  para mirar nas feridas sociais das últimas duas décadas sobre a nossa carência de atenção e ardência por holofotes. 

Em uma alusão à teoria de A Sociedade do espetáculo, de Guy Debord, lançado nos anos 1960, Kristoffer Borgli assume o mesmo discurso pessimista e cruel da sua obra anterior, mas ao invés de focar na juventude, ele aponta para meia idade e as frustrações de planos que não deram certos. Desse modo, O Homem dos Sonhos é divertido, amedrontador e, sobretudo, uma maneira original de afrontar nossas secretas angústias cotidianas. 

Com produção do macabro Ari Aster (Hereditário, Midsommar e Beau tem medo), O Homem dos Sonhos estava previsto para ser dirigido pelo próprio e protagonizado por Adam Sandler. Com o sucesso de crítica de Sick of Myself, a produtora A24 concedeu a Kristoffer Borgli o direito de dirigir seu próprio roteiro e, desse modo, ele exigiu Nicolas Cage para o papel principal. Conhecido por seus exageros cênicos e maneirismos, o papel do perdedor e, posteriormente, invasor dos pesadelos encaixou-se perfeitamente ao tom do ator norte-americano.

Com uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Performance Masculina em Comédia e Musical, Nicolas Cage pode até chegar aos Oscars 2024, assim como O Homem dos Sonhos deve buscar um disputado espaço entre os concorrentes ao prêmio de roteiro original. Igualmente, o norueguês Kristoffer Borgli encontra o seu espaço na seara de diretores originais, fantásticos e cruéis ao elaborar a realidade a partir de personagens extremos, como, por exemplo, Yorgos Lanthimos, Ari Ester e Charles Kaufman

Lançado em setembro no Festival de Toronto 2023, O Homem dos Sonhos (Dream Scenario), chega aos cinemas brasileiro em 28 de março de 2024, com distribuição da California Filmes.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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